22 de Novembro de 2024

Mercado de milhas acende alerta em consumidores


A suspensão de pacotes da categoria promocional da agência 123 Milhas pegou os consumidores de surpresa e vem causando dor de cabeça para quem tinha viagens compradas com a empresa entre setembro e dezembro deste ano. A decisão veio quase três meses após a interrupção de serviços semelhantes da empresa Hurb, reacendendo o alerta sobre a oferta de viagens super baratas, com datas distantes e flexíveis.

Os programas de milhagens provocaram uma verdadeira revolução no setor e, há cerca de uma década, surgiu uma espécie de mercado paralelo, que começou a seduzir os viajantes com propostas irresistíveis. Agências começaram a comprar milhas para revender depois por preços muito baixos, quando o turista fecha os pacotes com bastante antecedência.

Anúncios de promoções por meio do sistema de milhas são encontrados em todo lugar e as companhias se utilizam de propaganda para passar uma imagem de que possuem a mesma credibilidade das companhias aéreas. A especialista em direito cível e do consumidor Thaís Oliveira destacou, no entanto, que essas empresas atuam como intermediárias na comercialização de pacotes.

"De um lado, elas adquirem milhas, e do outro, as vendem como passagens aéreas, atuando de maneira análoga a agências de viagens especializadas. Há discussões sobre uma regulação específica, no entanto, em razão da empresa assumir uma responsabilidade importante no fornecimento de serviços, atualmente a regulação se dá pelas leis do Código de Defesa do Consumidor", explicou.

A 123 Milhas era um dos sites de viagens mais acessados do país, e já havia problemas registrados no Procon-SP por conta de passagens e pacotes que simplesmente sumiram. A companhia tinha ofertas atraentes, seja com preços muitíssimos baixos ou com facilidade para marcar a data.

"Esse modelo de compra de passagens aéreas e pacotes flexíveis foi uma operação bastante agressiva, baseada na combinação de preços baixos e no alto investimento em marketing", avaliou Ahmed El Khatib, coordenador do Instituto de Finanças da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap).

Muitas pessoas viajaram e se beneficiaram dos baixos preços oferecidos por esse modelo de negócio, mas a sustentabilidade foi colocada em xeque com o aumento de custos do mercado de turismo, em especial o de hospedagens e passagens aéreas. No comunicado que informa a suspensão dos pacotes, a companhia aponta como causas "fatores econômicos e de mercado", como a elevada taxa de juros e preços das passagens.

"A imprevisibilidade e volatilidade do setor afetou o cumprimento das promessas nos pacotes. Esse modelo de negócio é uma espécie de venda a descoberto, isto é, quando as empresas vendem pacotes com muita antecedência da viagem, acima de um ano, o que faz com que o cliente não receba de imediato a confirmação e os bilhetes aéreos. Companhias aéreas, por exemplo, não vendem passagens com mais de 11 meses de antecedência", lembra Khatib.

O economista sublinha as nuances entre os atores no segmento de viagem. Enquanto empresas como Airbnb e Booking cobram uma taxa das pessoas físicas e dos hotéis para incluí-los em suas vitrines de negócios, a Hurb também foi uma intermediária que recebia o dinheiro do hóspede, pagando seus fornecedores depois de a viagem ser realizada.

"Essa companhia também adotou a arriscada estratégia de oferecer pacotes a preços muito baixos, quase simbólicos. Vendia, por exemplo, um pacote de R$ 1.000 para sete dias na Disney, a ser utilizado pelos clientes quando o mundo voltasse ao normal e reabrisse no pós-pandemia", compara.

Khatib afirma que a ideia do Hurb foi oferecer esse tipo de promoção para reforçar o caixa no curto prazo, imaginando que encontraria um ponto de equilíbrio financeiro quando o turismo global fosse retomado. "A inflação acumulada do período fez o preço das passagens e hospedagens aumentar muito, não sendo possível honrar os compromissos. Sem receber, hotéis parceiros passaram a recusar as reservas de clientes do Hurb", analisa.

Por meio de comunicado, a 123 Milhas informou que devolveria integralmente os valores pagos pelos clientes por meio de "vouchers", que poderiam ser usados apenas em outros produtos da empresa, como passagens, hotéis e pacotes turísticos, adquiridos dentro da plataforma. A prática é considerada ilegal, em São Paulo, na Paraíba e no Paraná, a Justiça já determinou que a companhia indenize alguns clientes.

A Justiça de São Paulo determinou o bloqueio de mais de R$ 44 mil das contas da empresa para reembolsar a compra de cinco passagens aéreas de um cliente da empresa, que viajaria no dia 10 de setembro para Madrid, na Espanha. Até o momento não se sabe o número total de passageiros prejudicados e o impacto financeiro da suspensão. O Ministério Público abriu um inquérito para investigar a conduta da agência de viagens e solicitou informações sobre quantos pedidos de reembolso foram formulados pelos consumidores e quantos acordos foram efetivados.

Segundo o advogado Leonardo Adriano Ribeiro Dias, o caso pode resultar em um regime de recuperação judicial — processo pelo qual a empresa passa para evitar sua total quebra ao entrar em uma crise financeira. "Caso a 123 Milhas não suporte os prováveis desencaixes financeiros e não receba aportes dos sócios ou investidores, é possível que a crise se aprofunde a ponto de ela ter de recorrer à recuperação judicial", disse.

O advogado afirmou que, por não ser uma empresa de capital aberto, não há informações públicas sobre sua saúde financeira. "Contudo, é inegável que os eventos relacionados ao cancelamento impactarão na saúde financeira da empresa. Já existem decisões judiciais determinando o bloqueio de contas da empresa, o que motivará uma corrida de consumidores para tentar reaver os valores das passagens. A empresa inclusive encerrou o atendimento presencial e reduziu a divulgação de serviços junto a consumidores."

Dias ressaltou que a recuperação judicial implicaria a suspensão de todas as ações e execuções contra a empresa, de modo que os credores em geral, inclusive aqueles que adquiriram passagens aéreas e querem o dinheiro de volta, não poderão cobrar seus créditos de imediato.

Via de regra, os consumidores que reivindicam a devolução dos valores dos serão tratados como credores quirografários, isto é, sem garantias, e deliberarão coletivamente sobre o plano de recuperação a ser apresentado pela 123 Milhas. "Essa deliberação dependerá do valor do crédito de cada um e também do resultado de deliberações de outras classes de credores, como trabalhistas e credores com garantia real. Até que se tenha uma solução, os consumidores não poderão cobrar seus créditos", explicou.

Ele destacou que o caso coloca em xeque a sustentabilidade do modelo de pacotes com datas flexíveis e, em paralelo, instala-se uma crise de credibilidade nessas empresas. "Um aumento da demanda, conjugado com custos elevados de hotéis e passagens, pode inviabilizar o atendimento de todos os consumidores, tornando a empresa deficitária. O efeito disso é que ela não conseguirá atender a todos os consumidores e muitos serão prejudicados. No limite, a empresa recorre à recuperação judicial, é vendida para algum concorrente ou fecha as portas", afirmou.

Especialistas consultados pelo Correio advertem que os consumidores devem sempre estar atentos às condições em que as passagens aéreas ou pacotes de viagens são adquiridos. Entre as dicas na hora de comprar pacotes, a orientação é que os clientes prefiram pela emissão e confirmação imediata de passagens ou reservas, realizem diversas pesquisas e comparações antes de decidir pela compra, confirmem se a agência escolhida é regularizada e tenham clareza dos riscos caso escolham um pacote flexível e de longo prazo.

"É importante verificar, por exemplo, se há alguma cláusula de cancelamento unilateral, condições de reembolso e remarcação de viagens. A empresa deve fornecer aos consumidores informações claras e precisas, além de uma política de cancelamento, trocas e devoluções transparente, respeitando as regras impostas pelo Código de Defesa do Consumidor", disse a advogada Thaís Oliveira.

A advogada Gabriela Guerra, especialista em direito do consumidor, explicou que clientes lesados devem reunir todas as provas possíveis para reaver custos adicionais com a viagem planejada.

"O primeiro passo é reunir todas as provas possíveis de reservas de hotel que não conseguiu cancelar sem nenhum desconto, voos extras que já tinha adquirido a parte. Juntar toda a documentação necessária para uma possível ação indenizatória caso a empresa não assuma com os prejuízos dos fornecedores", recomendou.

 

Fonte: correiobraziliense

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