No ano passado, eu estava no casamento de um amigo quando me perguntaram se eu sabia que quem inventou os absorventes modernos foram as enfermeiras da Primeira Guerra Mundial — que, usando a criatividade, começaram a reaproveitar as bandagens militares para esse fim.
Não, eu não sabia.
Sou historiadora, tenho interesse nas relações entre corpo e tecnologia, e sou também uma pessoa que menstrua, então a conversa me fez refletir sobre como nunca parei para pensar sobre a história dos produtos para a menstruação. Deve ser porque o fluxo menstrual está, desde sempre, ligado a um sentimento de vergonha, desestimulando o diálogo sobre o tema.
Não deveria ser assim, pensei. Então, junto com uma equipe de colegas da Universidade de Leeds, no Reino Unido, embarquei em um projeto de pesquisa sobre a história do estigma menstrual.
O que descobrimos, até agora, são diversos exemplos de como o fluxo menstrual é estigmatizado — começando há muitos milhares de anos e chegando até os dias de hoje.
Um desses exemplos, citado frequentemente, está na Bíblia, no Levítico, capítulo 15, versículos 19-33. Esta passagem afirma que as mulheres (e qualquer coisa em que elas deitarem ou sentarem) são “impuras” durante a menstruação. Se uma pessoa que não menstrua tocar em sangue menstrual, ou em qualquer coisa que tenha estado em contato com a mulher menstruada, a pessoa também se torna impura.
Ao longo da história, os intelectuais homens têm constantemente associado a menstruação a alguma forma de impureza (e não apenas a pessoa menstruada, mas também tudo relacionado a ela).
Plínio, o Velho, por exemplo, escreveu por volta do ano 70 d.C. que a menstruação "produz os efeitos mais monstruosos". As colheitas "murcharão e morrerão", e as abelhas "abandonarão suas colmeias se forem tocadas por uma mulher menstruada", diz ele.
Já no século 7 d.C., Santo Isidoro de Sevilha levou ainda mais longe as acusações de Plínio, alegando que, “se forem tocadas pelo sangue da menstruação, as colheitas deixam de brotar, o vinho não fermentado azeda, as plantas murcham e as árvores perdem seus frutos”.
Livros de obstetrícia escritos em 1694 também comparam as mulheres menstruadas à cocatriz (uma besta mítica com hálito venenoso), já que, supostamente, elas também teriam o poder de espalhar veneno por via aérea.
Infelizmente, as discussões sobre a menstruação continuaram a reforçar a vergonha em torno do tema ao longo dos séculos 20 e 21, pintando o fluxo como algo constrangedor, que é preciso esconder.
Em 1950, na então popular revista feminina Good Housekeeping saiu um anúncio da nova embalagem dos absorventes higiênicos Modess. Dizia: "tomamos tanto cuidado para que a embalagem não pareça uma caixa de absorventes que nem mesmo os olhos mais atentos vão adivinhar o que tem dentro dela".
Apesar do tom alegre e descontraído, o anúncio segue reforçando a ideia de que é preciso ocultar os produtos menstruais. Uns 70 anos depois, em 2020, a Tampax foi criticada por fazer uma propaganda de absorventes internos que "você pode abrir de forma totalmente discreta, sem fazer barulho".
Outra prova desse estigma é a longa lista de eufemismos usados para falar de menstruação, em qualquer época. Um estudo, publicado em 1948, encontrou uma grande quantidade de termos pejorativos para ela, incluindo "a maldição", "a sujeira vermelha", ou dizer que a mulher menstruada está "no cio".
Outro estudo, de 1975, aborda 128 eufemismos, muitos dos quais ainda são usados hoje em inglês (como Aunt Flo, tia Flo, e on the rag, usando panos). Alguns desses eufemismos são engraçados (meu favorito é riding the cotton pony, ou algo como "montar o pônei de algodão"), mas eles surgiram para silenciar a conversa sobre menstruação e assim alimentar a ideia de que ela é constrangedora.
O estigma segue permeando a sociedade contemporânea, prejudicando até hoje as pessoas que menstruam. Em 2021, um grupo de pesquisadores concluiu que ele anda paralelamente à ideia de que a menstruação deve ser mantida em segredo.
Na prática, isso se manifesta de várias formas, por exemplo, quando a pessoa não quer que os colegas de escola ou trabalho vejam seus absorventes, ou quando disfarça os sintomas menstruais.
Todo esse sigilo também dificulta identificar eventuais anomalias no ciclo menstrual e, como consequência, as pessoas deixam de procurar ajuda médica. Por exemplo, uma pesquisa de 2018 descobriu que 79% das meninas e mulheres jovens tinham algum sintoma preocupante ligado à menstruação, mas não haviam comunicado a nenhum profissional da saúde.
A ONG Endometriosis UK também apurou que 62% das mulheres com idades entre 16 e 54 anos, com sintomas de endometriose, não iriam ao médico por acreditar que a questão não é grave o suficiente para incomodar um profissional, ou porque teriam vergonha, ou medo de não serem levadas a sério, ou por acharem que esses sintomas, incluindo a dor, são normais.
O estigma em torno da menstruação está profundamente enraizado na sociedade. Mas cada um de nós pode tomar inúmeras pequenas atitudes, que no conjunto fazem diferença.
Para começar, podemos todos (independentemente da idade, gênero ou sexualidade) conversar mais abertamente a respeito.
Podemos deixar de lado os eufemismos, pois seu uso constante acaba perpetuando a noção de que a menstruação não é simplesmente uma função natural do corpo e sim uma vergonha que deve se esconder.
Também podemos nos expressar coletivamente, como, por exemplo, interagindo com marcas nas redes sociais, exigindo que representem o fluxo de forma mais verdadeira (a Kotex, por exemplo, finalmente parou com o absurdo de usar um líquido azul na hora de demonstrar o produto).
É claro que o tema também precisa ser abordado em maior escala. É urgente combater a pobreza menstrual, garantir amplo acesso à água potável e a banheiros com privacidade, além de incentivar as empresas a terem políticas trabalhistas que levem em consideração as questões menstruais.
Mas tudo pode começar com uma simples conversa. Se conseguirmos romper todo esse silêncio e sigilo, no futuro isso vai fortalecer a todas as pessoas que menstruam.
Rachael Gillibrand é professora de história pré-moderna na Universidade de Leeds
*Este artigo foi publicado no site de divulgação científica The Conversation e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons. Clique aqui para ler a versão original em inglês.
Fonte: correiobraziliense
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