O Equador, que realiza o segundo turno das eleições presidenciais em 15 de outubro, enfrenta uma onda de violência jamais vista no país, com o assassinato de um candidato (Fernando Villavicencio, em 9 de agosto passado); explosões de dois carros-bomba em um intervalo de três horas; rebeliões em penitenciárias; e ameaças a presidenciáveis. À 1h15 de ontem (1º/9) (3h15 em Brasília), explosivos danificaram uma ponte sobre o Rio Jubones, na província El Oro. Moradores da região relataram duas fortes detonações. Horas depois, o ministro do Interior, Juan Zapata, anunciou a identidade de seis suspeitos de detonar um dos dois veículos com botijões de gás e dinamite, em Quito, na madrugada de quinta-feira (31/8). Os homens serão processados pelo crime de terrorismo e poderão enfrentar penas entre 10 e 13 anos de prisão.
A Justiça do Equador ordenou a prisão preventiva para outros quatro suspeitos de envolvimento no segundo atentado. Os carros-bomba tinham como alvo o prédio do Serviço Nacional de Atenção Integral a Pessoas Adultas Privadas de Liberdade e a Adolescentes Infratores (SNAI), na capital. Não houve feridos. Na cidade de Cuenca (sul), 44 agentes carcerários e policiais foram libertados pelos detentos amotinados na prisão de El Turi, depois de quase dois dias de tensão. Treze reféns também foram soltos em rebeliões registradas em mais cinco presídios.
Na noite de quinta-feira (31/8), Luisa González — candidata do Movimiento Revolución Ciudadana, apoiada pelo ex-presidente Rafael Correa — recebeu uma ameaça de morte e aceitou a proteção das Forças Armadas. A Polícia Nacional do Equador chegou a prender um suspeito que planejava um atentado contra ela. "Isso é muito preocupante, pois afeta a democracia. Um candidato foi assassinado. (...) Um senhor disse que teria de entregar umas bombas e que o objetivo era enviá-las a Luisa González. (...) Todos estamos em risco, até que se retome o controle do país", desabafou a presidenciável, favorita nas pesquisas, em entrevista à Rádio Medio Mundo, do povoado de Natabuela, província de Imbabura (norte). "Hoje (ontem), fiz o pedido e o presidente Guillermo Lasso autorizou, para que as Forças Armadas me deem segurança."
Lasso enviou uma mensagem aos 17,4 milhões de equatorianos, e associou os atentados e rebeliões a uma represália do crime organizado contra as transferências de presos e as operações em busca de armas e drogas. "As medidas que tomamos, em especial, no sistema penitenciário, têm provocado reações violentas das organizações criminosas que pretendem amedrontar o Estado. Mas, estamos firmes e não vamos retroceder no objetivo de capturar perigosos delinquentes, desarticular quadrilhas e pacificar as penitenciárias do país", escreveu na rede social X, o antigo Twitter. "Nessa luta contra o crime organizado necessitamos do trabalho de todo o Estado, mas enfatizo o sistema de Justiça. Peço aos juízes que atuem com celeridade e muito rigor."
"Os últimos incidentes não têm precedentes no Equador. São ações dos cartéis do narcotráfico, que converteram o país em uma base importante para a exportação de cocaína para os Estados Unidos e, sobretudo, para a Europa", explicou ao Correio Simón Pachano, professor de ciência política da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso). "Essas máfias têm ligações com políticos e buscam conseguir maior influência na política equatoriana. Para isso, empreendem ações de terrorismo."
Segundo Pachano, esses grupos representam uma ameaça pelo tratamento dispensado pelas autoridades a alguns de seus integrantes, que se encontram presos. "Eles buscam criar pânico na sociedade, nas próprias autoridades e, sobretudo, nos juízes e na polícia. A situação é muito grave", admitiu.
Diretor da Faculdade de Relações Internacionais da Universidad Internacional de Ecuador (UIE), Arturo Moscoso disse à reportagem que o aumento da insegurança está diretamente relacionado à proximidade do segundo turno. "Parece que há uma intenção política de causar agitação entre os cidadãos para incidir, de alguma forma, o resultado eleitoral. O governo parece um pouco 'transbordado' com o tema e não consegue controlar a situação. As pessoas estão cada vez com mais medo", declarou. "O objetivo desses ataques é aterrorizar a população."
CHISTIAN ZURITA, jornalista, amigo do ex-presidenciável Fernando Villavicencio (assassinado em 9 de agosto) e substituto na chapa para o primeiro turno
Como o senhor vê a onda de violência que afeta o seu país?
Autoridades relacionadas à área da segurança, como o secretário de Segurança do Estado, assinalaram que os atos de violência, como os carros-bomba que explodiram no centro de Quito, estariam diretamente ligados às ações tomadas pelo governo de mobilizar aqueles identificados como integrantes da quadrilha que assassinou Fernando Villavicencio, em 9 de agosto passado. Esse grupo está detido em uma prisão de maior segurança. Essa é uma das razões pelas quais começaram esses atos de violência. Eles jamais haviam ocorrido em Quito. Há um novo nível de violência, que, agora, chegou à capital. Quando as autoridades e a polícia detectavam problemas, sobretudo na zona costeira do país, os grupos de delinquência organizada tinham capacidade de cooptar os juízes. Há um grupo de suspeitos detidos por causa dos atentados com carros-bomba, e isso pode provocar uma tensão.
Quais são as condições em Quito?
São tensas. Elas causaram uma condição de preocupação nova. Felizmente, não houve mortos nem feridos nesses atentados. São amostras de interesse dos grupos delinquentes para impor suas vontades. Ainda mediremos onde eles pretendem chegar, pois podem estabelecer condições muito mais severas de violência ou colocar carros-bomba em locais movimentados. Não temos uma clareza do que ocorre, mas há uma forte tensão na cidade.
Quem o senhor apoiará no segundo turno?
O segundo turno, que deverá ser disputado em 15 de outubro, tem como principais protagonistas Daniel Noboa e a senhora Luisa González, da Revolución Ciudadana, que tem relação direta e estreita com o ex-presidente Rafael Correa. Eu, como ex-candidato, assinalei claramente que jamais apoiaremos as propostas de Luisa González, jamais apoiaremos as propostas de Rafael Correa, que são os principais responsáveis pelos brutais atos de violência que têm assediado o país nos últimos dois anos e meio.
"O governo precisa trabalhar com os processos de inteligência. Não se trata de colocar as Forças Armadas nas ruas e decretar estado de emergência, mas de mobilizar o aparato de inteligência para ver o que está por trás da violência. Creio que deve aceitar ajuda estrangeira para tratar de descobrir de onde vêm esses ataques."
Arturo Moscoso, diretor da Faculdade de Relações Internacionais da Universidad Internacional de Ecuador (UIE)
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