22 de Novembro de 2024

Venezuela: o desafio da oposição de se impôr ao chavismo


Em 22 de outubro, a oposição da Venezuela escolherá o candidato que tentará derrotar o presidente Nicolás Maduro, nas eleições previstas para o último trimestre de 2024. No poder desde 5 de março de 2013, quando Hugo Chávez Frías morreu e encerrou um ciclo de 14 anos no Palácio de Miraflores, Maduro é acusado por adversários de intensificar a repressão e a perseguição. O regime chegou a inabilitar politicamente vários dos principais rivais de Maduro, como a ex-deputada María Corina Machado; Henrique Capriles, ex-governador do estado de Miranda; Leopoldo López, ex-prefeito do município de Chacao (na grande Caracas) e fundador do partido Voluntad Popular; e Juan Guaidó, ex-presidente autoproclamado da Venezuela.

A última manobra para tentar silenciar a oposição, a poucas semanas das primárias, foi a nomeação de uma maioria chavista para o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), a autoridade que supervisionará o processo de votação e a escolha do próximo presidente. Elvis Amoroso, o responsável direto pelas inabilitações, foi escolhido pela Assembleia Nacional (controlada pelo governo) para liderar o órgão. Maduro reagiu à indicação com entusiasmo. "Estou seguro de que esta CNE equilibrada, de alto nível profissional, cumprirá, levará adiante e tornará irreversível o legado de Tibisay Lucena, arquiteta do sistema eleitoral venzuelano, o mais avançado e transparente do mundo, comprovado em 29 eleições. Recorde mundial!", escreveu na rede social X, o antigo Twitter.

O Correio entrevistou quatro dos principais nomes da oposição venezuelana: além de Leopoldo López e de Juan Guaidó, o ex-deputado Carlos Prosperi (do partido Acción Democrática) e o ex-prefeito de Caracas Antonio Ledezma. Eles falaram sobre as últimas decisões de Maduro e sobre o desafio pela frente para mudar o regime chavista e devolver a democracia à Venezuela. A reportagem não obteve resposta de Henrique Capriles e de María Corina Machado, dois outros nomes importantes da oposição.

 

LEOPOLDO LÓPEZ, ex-prefeito de Chacao

Leopoldo López discursa do lado de fora da Embaixada da Espanha, em Caracas, em 2 de maio de 2019, onde buscou refúgio: condenado a 14 anos de prisão
Leopoldo López discursa do lado de fora da Embaixada da Espanha, em Caracas, em 2 de maio de 2019, onde buscou refúgio: condenado a 14 anos de prisão (foto: JUAN BARRETO)
 

Condenado a 14 anos de prisão, o economista Leopoldo López, 52, ficou trancafiado na penitenciária militar de Ramo Verde, nos arredores de Caracas, entre 2014 e 2017. Após ser colocado em prisão domiciliar, tornou-se o mentor de Juan Guaidó, que se autoproclamou presidente interino da Venezuela. Em abril de 2019, após uma pequena e fracassada revolta militar contra Maduro, buscou refúgio na residência do embaixador espanhol, em Caracas. No ano seguinte, partiu para Madri, onde vive com a família.

"A última decisão da ditadura de nomear um novo CNE não muda muito. Ela sempre teve o controle dessa instituição, sempre manipulou as condições eleitorais. Maduro coloca na presidência do órgão eleitoral Elvis Amoroso, o grande fiador da corrupção do regime. Em todos os casos de corrupção ventilados neste ano, dentro da estatal de petróleo PDVSA, nos quais se alega que desapareceram entre US$ 4 bilhões e US$ 20 bilhões, o fiador não disse absolutamente nada. Amoroso é uma pessoa muito próxima a Maduro e à esposa, Cilia Flores. Eles o colocaram ali não para dirigir uma instituição eleitoral de maneira imparcial, mas para manipular o processo eleitoral e para servir de espanta-votos, aprofundando a abstenção.

O CNE sempre esteve controlado pela ditadura. Se houvesse eleição moderadamente livre, não haveria meios de Maduro ganhar. Mais de 80% do país despreza Maduro e o culpa pela grave crise. Por essa razão, Maduro quer evitar a eleição. Maduro tem aprofundado a repressão em todos os terrenos. Ele tem fechado meios de comunicação, censurado a internet, perseguido e condenado atores políticos e sociais. Isso inclui sindicalistas, que têm sido presos e condenados a anos de cárcere apenas pelo seu direito a protestar. Ninguém escapa na Venezuela da repressão e do controle total da ditadura de Maduro.

Esperamos do Brasil e de outros países democráticos do mundo que acompanhem as aspirações dos venezuelanos de terem eleições livres. Nós esperávamos do governo brasileiro muito mais do que tem dado. Lamentavelmente, Lula, em suas últimas intervenções, tem se mostrado total e absolutamente parcializado a defender Maduro, a desculpar a ditadura de Maduro, a imbecilizar as vítimas, a enterrar a tragédia vivida pelos venezuelanos e a buscar normalizar a ditadura. Não sei se por motivos ideológicos ou pragmáticos, mas é fato que Lula, em vez de ser um pilar para aprofundar a democracia na Venezuela, converteu-se em uma figura que avaliza uma ditadura."

 

JUAN GUAIDÓ, ex-presidente autoproclamado 

Juan Guaidó, ex-presidente autoproclamado da Venezuela: entrada a pé na Colômbia e autoexílio em Miami
Juan Guaidó, ex-presidente autoproclamado da Venezuela: entrada a pé na Colômbia e autoexílio em Miami (foto: FEDERICO PARRA)
 

Líder do partido Voluntad Popular, o engenheiro industrial Juan Guaidó, 40 anos, se autoproclamou presidente interino da Venezuela, em 23 de janeiro de 2019. Em dezembro de 2022, deixou de ser reconhecido por outras alas da oposição como chefe de Estado. Em abril passado, atravessou, a pé, a fronteira com a Colômbia, para participar de uma cúpula sobre a Venezuela. Acabou forçado a embarcar para Miami, onde se impôs um autoexílio.

"Ao colocar um chavista no Conselho Nacional Eleitoral, Maduro pretende buscar mais controle, por parte de sua ditadura, do que tinha. O CNE estava sequestrado, tutelado, e Maduro não confiava em quem estava no comando do organismo. O responsável por dirigir o CNE tem a licença para inabilitar candidatos na Venezuela e é cúmplice de crimes políticos cometidos por Maduro. A Corte Interamericana de Direitos Humanos emitiu uma sentença a respeito. Existe uma perseguição política sistemática na Venezuela. É evidente que a ditadura de Maduro está se enfraquecendo. Por isso, ele ratifica as inabilitações de lideranças políticas. É o caso de María Corina Machado, Freedy Superlano, Henrique Capriles e Leopoldo López. Também é o meu caso. Isso ocorre porque Maduro não possui maioria nem respaldo popular.

A oposição, hoje, é maioria na Venezuela. Lamentavelmente, ela não se mostra suficiente para tirar Maduro do poder sem o respaldo das Forças Armadas. O regime de Maduro bloqueia a Constituição e, a algumas semanas de 2024, nem sequer temos uma data da eleição presidencial. Eles designaram um CNE tutelado, sequestrado, que serve diretamente a Maduro.

Eu espero respostas da comunidade internacional, que respeite a democracia e os direitos humanos. Que seja responsável pela valorização dos direitos humanos. Que não relativize a tragédia, como Lula tem feito. Lamentavelmente, não há um acompanhamento do Brasil em relação ao que ocorre na Venezuela. No caso de Lula, há uma decisão marcada de apoiar Maduro. Isso destoa da maioria da classe política brasileira, quando rechaçou a visita de Maduro ao Brasil, destacando essa instância dos direitos humanos. Essa resposta poderia ter vindo de Lula. Lamentavelmente dele, hoje, nada esperamos."

 

CARLOS PROSPERI, ex-deputado 

Carlos Prosperi, ex-deputado e um dos principais pré-candidatos à Presidência da Venezuela
Carlos Prosperi, ex-deputado e um dos principais pré-candidatos à Presidência da Venezuela (foto: Arquivo Pessoal)
 

Ex-deputado da Assembleia Nacional da Venezuela (2016-2021), Carlos Prosperi, 45 anos, é o secretário da organização nacional do partido social democrata Acción Democrática (AD) — cargo que ocupa desde 16 de junho de 2020. O advogado também se coloca como pré-candidato presidencial às eleições primárias da Plataforma Unitária, em 22 de outubro. 

"O regime instalado no Palácio de Miraflores tenta seguir impedindo pessoas de exercerem o direito legítimo de participar das eleições presidenciais. A inabilitação política de María Corina é a mais recente. Anteriormente, também haviam inabilitado Freddy Superlano, Júlio César Reyes e Henrique Capriles. Temos que estar preparados para outras inabilitações antes de 22 de outubro. Inclusive, como não se respeitam os parâmetros constitucionais e democráticos, é provável que haja inabilitações depois dessa data.

O importante é que estejamos preparados para esse tipo de situação. Precisamos dar uma resposta de forma contundente e seguir repudiando esses atos, mas entender que, se inabilitam uma pessoa, isso não é o fim da luta. O fato de inabilitarem um candidato não quer dizer que não vamos participar da eleição. Nós, hoje, apesar de tudo o que puder fazer aquele que está em Miraflores para evitar deixar o poder, temos que nos reagrupar e estarmos muito mais unidos. Não se trata de um nome, nem de um partido político, mas da Venezuela e do futuro de nossos filhos e netos. 

Nós, enquanto oposição, temos muitíssima força. A maior demonstração dessa força existente dentro da alternativa de mudança foi mostrada nas eleições de janeiro de 2022, no estado de Barinas, a terra de Hugo Chávez. Em novembro, Freddy Superlano havia ganho ali com uma vantagem de 120 votos. Desconheceram o resultado eleitoral, mas, apesar disso, nos reagrupamos, saímos a participar de forma massiva e ganhamos por quase 50 mil votos de diferença. 

Hoje, o povo da Venezuela está convencido de que sairá para votar, em peso, nas eleições presidenciais do próximo ano. Nós colocaremos fim a essa crise. O novo CNE designado tem uma correlação de forças similar às designações anteriores. O CNE anterior era comandado por três pessoas que obedeciam ao que o Palácio de Miraflores lhes mandava fazer e estavam identificados com o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV). Outras duas pessoas estavam comprometidas com cada um dos venezuelanos, sem ver cores políticas ou partidárias.

Em 2015, nos unimos. Isso fez com que tivéssemos uma grande vitória, com 112 deputados. Isso não pode ser um impedimento. Temos que ter testemunhas em cada uma das mesas de apuração. Isso evitará um revés eleitoral. Temos o compromisso de sair em massa para votar, porque ganharemos a Presidência da República. 

Nós esperamos que o presidente Lula entenda que, em 2024, haverá um novo presidente na Venezuela. No próximo ano, temos o compromisso de retomar todas as relações bilaterais e multilaterais com o mundo inteiro. Apesar de uma ideologia política ou uma perseguição, precisamos buscar todos os mecanismos para buscar um intercâmbio comercial com nações irmãs vizinhas, como o Brasil."

 

ANTONIO LEDEZMA, ex-prefeito de Caracas

Antonio Ledezma segura a bandeira venezuelana depois de desembarcar em Madri, em 2017, onde vive com a família
Antonio Ledezma segura a bandeira venezuelana depois de desembarcar em Madri, em 2017, onde vive com a família (foto: JAVIER SORIANO)

Em 19 de fevereiro de 2015, o advogado Antonio Ledezma, 68 anos, foi capturado por agentes do Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (Sebin), que invadiram o seu gabinete na Prefeitura de Caracas. Em novembro de 2017, depois de 1.002 dias em prisão domiciliar, fugiu para a Colômbia e, de lá, anunciou o autoexílio na Espanha. Hoje, o ex-prefeito vive em Madri, de onde denuncia o regime de Maduro. 

"Não se silencia uma oposição que luta nas ruas. Em vez de desestimular o povo venezuelano, as decisões despóticas e autoritárias do regime de Maduro despertam a cidadania para que siga lutando, a fim de vencer esses abusos. A decisão do regime de colocar uma cúpula chavista do CNE não representa nenhuma novidade. Desde que Chávez colocou as mãos sobre a Presidência da República e promulgou a Constituição, ele colonizou os poderes públicos — entre eles, o CNE. Por isso, ele desviou o verdadeiro resultado do referendo revogatório de 2004. Desde então, passou a manipular o Poder Eleitoral, que perdeu a autonomia. O regime de Maduro colocou ali figuras sancionadas pelos Estados Unidos, como Elvis Amoroso, que tem o estigma de ser o carrasco das inabilitações e um militar aposentado. A intenção é aterrorizar a oposição, para que fuja de uma disputa eleitoral. Esperamos que possamos fortalecer nossa capacidade de organização para lutar. 

Uma eleição com esse tipo de molde nos obriga a repensar a busca pela unidade. Nós temos um pacto com o povo — as eleições (primárias) populares de 22 de outubro — para eleger María Corina Machado, que está blindada pelo respaldo da cidadania. Eu desejo o apoio da comunidade internacional, para que tenhamos eleições livres o tanto quanto possível e para contarmos com observadores eleitorais. A perseguição na Venezuela não para, mas tem aumentado. A Guarda Nacional Bolivariana ameaçou tachar de subversivas as lideranças políticas opositoras inabilitadas. O regime também condenou a 10 anos de prisão sindicalistas cujo crime foi pedir aumento de salário. O corolário disso é um pedido de extradição ao qual sou alvo, acusando-me de traição à Pátria. Também atacaram minha residência, em Caracas."

Fonte: correiobraziliense

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