Lisboa — A emigração de brasileiros para Portugal está provocando uma mudança estrutural no país europeu. Depois de uma década em queda livre, a população portuguesa voltou a crescer a partir de 2019, feito atribuído aos estrangeiros que passaram a viver em território luso, em particular, aos cidadãos oriundos do Brasil. Dados do Banco de Portugal e do Instituto Nacional de Estatística (INE) apontam que os brasileiros que cruzam o Atlântico vêm compensando, desde então, boa parte do deficit populacional local.
Os números impressionam, reconhece Francisco Assis, presidente do Conselho Econômico e Social de Portugal. Entre 2019 e 2022, a população residente de Portugal aumentou em 133,9 mil pessoas, para quase 10,5 milhões. Nesse mesmo período, 134,3 mil brasileiros foram incorporados às estatísticas oficiais. Ou seja, compensaram o fato de as mortes continuarem maiores que os nascimentos no país europeu e, com os demais estrangeiros, de 143 nacionalidades, supriram o buraco aberto por portugueses que foram para outros países.
Ainda que essa realidade chame a atenção pela sua potência, o demógrafo Pedro Góis, professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, acredita que a participação dos estrangeiros na população de Portugal está subestimada. Somente de março a agosto deste ano, mais de 100 mil brasileiros que viviam ilegalmente no país conseguiram regularizar a situação por meio de um acordo dentro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). "Apenas nesse caso, estamos falando do correspondente a 1% da população portuguesa", afirma Góis. Portanto, quando esses brasileiros forem captados pelo próximo Censo, certamente, o salto da população residente em território luso será mais expressivo.
O impacto da chegada de estrangeiros e, principalmente, de brasileiros a Portugal já se vê no mercado de trabalho e em vários outros segmentos da estrutura social do país europeu. Os imigrantes respondem, atualmente, por mais de 1,2 bilhão de euros (R$ 6,6 bilhões) por ano em arrecadação para a Seguridade Social, a Previdência local. No ano passado, quase 17% dos bebês — 14 mil — nascidos em terras lusitanas foram de pais não portugueses, sendo a maior parte deles oriunda do Brasil. Com isso, o número de filhos por mulher em idade fértil aumentou de 1,35 para 1,43, ainda muito aquém dos 2,1 necessários para repor, naturalmente, a população portuguesa.
Não é só. Pelo menos 30 mil crianças estrangeiras foram matriculadas para a pré-escola e para o primeiro ciclo de educação no ano letivo que começa neste mês de setembro. Delas, mais de 15 mil são brasileiras. No geral, quase 10% dos estudantes da rede pública são filhos de imigrantes. Entre os alunos de mestrado e doutorado, 50% são brasileiros. Chama também a atenção o fato de os pais de crianças estrangeiras terem uma taxa de escolaridade maior do que a dos portugueses. "Isso reforça a percepção de que o perfil dos imigrantes, em especial, dos brasileiros, mudou. Estão emigrando para Portugal mais famílias de classe média e média alta e não somente aqueles que estão interessados apenas em um posto de trabalho", ressalta a economista Sandra Utsumi, diretora executiva do Haitong Bank.
Inverno demográfico
Apesar da inversão da curva populacional em Portugal, os desafios para que o movimento se mantenha nos próximos anos são enormes. O país, como a Espanha e a Itália, está longe de sair do que os especialistas definem como "inverno demográfico". "Mesmo com a chegada em peso dos imigrantes, a proporção da população jovem decresceu e a de idosos aumentou", destaca Utsumi. Entre 2021 e 2022, a proporção de jovens na população portuguesa caiu de 15% para 12,9% e a de pessoas com mais de 65 anos aumentou de 19,2% para 24%. Para cada 100 jovens no país europeu há 185,6 idosos.
Os mais de 800 mil imigrantes que residem em território luso têm idade média de 37 anos, 10 anos a menos que os portugueses — entre os brasileiros, a idade média é de 33 anos. Dos estrangeiros, 79,4% estão em idade ativa, ou seja, aptos para o mercado de trabalho. Entre os portugueses, esse índice é de 62,8%, e vem caindo ano a ano. O Banco de Portugal destaca, porém, que, da população imigrante, os cidadãos oriundos do Brasil representam 62% da população ativa. São os brasileiros que têm suprido, em grande parte, a mão de obra necessária para manter a economia portuguesa funcionando sem solavancos.
Francisco Assis, do Conselho Econômico e Social, afirma que uma pesquisa do órgão constatou que, sem o fluxo de estrangeiros para Portugal, entre 2045 e 2050, a população do país seria de 7 milhões — um encolhimento assustador. Nas projeções do Banco de Portugal, apenas para que a população mantenha o número atual de habitantes até 2100, serão necessários, em média, 58 mil imigrantes por ano. Esse fluxo terá de ser conjugado com o aumento da taxa de fecundidade, processo que leva anos. "A demografia se move muito devagar. E temos de levar em conta que os imigrantes que estão chegando em Portugal vão envelhecer", ressalta Pedro Góis.
Os economistas Wanda Cunha e António Antunes, do Banco de Portugal, têm se dedicado sobre o impacto da imigração na população residente em território luso. Em um podcast sobre o tema, eles fazem um alerta sobre a dependência do país europeu por cidadãos de outras localidades. "O saldo migratório tem sido positivo, mas apresentado grande volatilidade, nem sempre sendo suficiente para compensar a baixa taxa de natalidade", diz Wanda. Há outro entrave: em períodos de crises, como as de 2011, muitos estrangeiros perderam o emprego e tiveram de retornar aos países de origem. Movimento semelhante se viu entre 2020 e 2021, durante a pandemia. Os brasileiros foram os que mais deixaram Portugal nesse período.
Por isso, conforme António Antunes, é preciso que o governo português dê foco nas políticas de imigração, de forma que Portugal atraia pessoas em idade ativa, com qualificação para o mercado de trabalho e com incentivos para ter filhos. Há o risco, por exemplo, de os estrangeiros, ao serem incorporados à sociedade portuguesa, acabarem absorvendo a política de poucos filhos. "Faz 100% sentido ter estratégias de longo prazo. É preciso criar mais incentivos para ter efeitos sobre a taxa de natalidade. E sabemos que há evidências muito fortes de que essas políticas são de difícil implementação, com resultados demorados", frisa.
Prazo para adaptação
No entender de Pedro Góis, da Universidade de Coimbra, no geral, os imigrantes levam tempo para se adaptarem à nova vida nos países em que escolheram morar. Não é diferente em Portugal. "Se não se adaptarem em cinco anos, vão embora. Após esse tempo, a maioria tende a ficar", explica. Ele destaca que, quando emigram com as famílias, tornam-se mais resilientes ante as dificuldades. Na atual leva de brasileiros que desembarcaram em Portugal, boa parte são de famílias constituídas. O professor acredita que a comunidade brasileira hoje seja de ao menos 500 mil pessoas, mais do que o dobro do informado pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), de 239,7 mil.
Especialista em imigração, o advogado Fábio Pimentel, do escritório Pimentel Aniceto, afirma que, com todo o processo de regularização e com as chegadas que não param, nos próximos três anos, os brasileiros em Portugal serão 1 milhão e representarão quase 10% da população residente em terras lusitanas. Francisco Assis, do Conselho Econômico e Social, endossa essa previsão, mas recomenda ao governo português que torne esse processo mais amigável. "É preciso criar todas as condições para que os estrangeiros sejam incorporados à sociedade para que se reduza, ao máximo, os casos de xenofobia; infelizmente, um problema para todos os que emigram, inclusive para os portugueses que vão tentar a sorte em outros países", diz.
Ele vê os brasileiros como público preferencial a ser atraído por Portugal. "Defendemos a migração de todos os lugares, mas, com os brasileiros, pela questão da língua, da proximidade cultural e da fácil adaptação, a integração tende a ser mais fácil", explica. Além de ter conversado com o embaixador do Brasil em Portugal, Raimundo Carreiro, para desenvolver políticas conjuntas contra a xenofobia, Assis buscará parcerias da Universidade de Brasília (UnB) com instituições de ensino portuguesas para o desenvolvimento de pesquisas que mostrem quem são os brasileiros que vivem em Portugal, onde estão, do que gostam, em que trabalham. O levantamento servirá como subsídio importante para a adoção de políticas públicas.
Fábio Knauer, sócio e fundador da Aliança Portuguesa, acredita que a emigração de brasileiros para Portugal é um movimento irreversível. Mas, para ele, é preciso que todo o processo de mudança de um país para o outro ocorra de forma muito planejada, para evitar surpresas desagradáveis. Nos últimos dois anos, os preços subiram muito no país europeu, especialmente no caso dos aluguéis. De nada adianta se aventurar no território luso sem a garantia de que haverá as condições necessárias para uma vida digna. Portugal facilitou as regras para estrangeiros que desejem morar, estudar e trabalhar no país. Sendo assim, que se tire proveito, sem atropelos, com os dois pés bem fincados no chão.
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