Responsáveis por 60% das extinções globais de plantas e animais e com custo anual superior a US$ 423 bilhões, as espécies exóticas invasoras são subestimadas e, muitas vezes, ignoradas por políticas públicas, alerta um novo relatório da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES). O painel independente de cientistas, vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU), equivale ao IPCC do clima e é publicado quatro anos depois do documento anterior.
Segundo o IPBES, mais de 37 mil espécies exóticas foram introduzidas por diversas atividades humanas — como o comércio exterior — em regiões e biomas em todo o mundo. É uma estimativa conservadora e avança a uma taxa sem precedentes: os registros aumentaram 37% desde a década de 1970, com expectativa de um crescimento de mais 36% até 2050, em comparação com 2005.
“As espécies exóticas invasoras são uma grande ameaça à biodiversidade e podem causar danos irreversíveis à natureza, incluindo extinções de espécies locais e globais, e também ameaçar o bem-estar humano”, disse, em nota, a britânica Helen Roy, copresidente do relatório da IPBES.
Um dos cinco motores diretos mais importantes para a perda da biodiversidade (as outras são mudanças na utilização do solo e do mar, exploração direta de espécies, alterações climáticas e poluição), as exóticas invasoras são plantas e animais fora de sua área de distribuição natural que colocam em risco a diversidade biológica. Elas são introduzidas tanto proposital quanto acidentalmente.
Baseado em mais de 13 mil referências, incluindo contribuições de povos indígenas, o novo relatório do IPBES é considerado a avaliação mais abrangente sobre o tema no mundo. O documento destaca que cerca de 6% de plantas, 22% de invertebrados, 14% de vertebrados e 11% de micróbios invasores são considerados invasivos, com impactos negativos para a biodiversidade e a vida humana.
Embora muitas espécies exóticas tenham sido introduzidas propositadamente pelos seus benefícios para pessoas e sistemas econômicos — caso do café e da cana-de-açúcar no Brasil, por exemplo —, as consideradas prejudiciais têm um impacto negativo elevadíssimo, alerta o relatório. “As espécies exóticas invasoras têm sido um fator importante em 60% e a única causa de 16% das extinções globais de animais e plantas que registramos, e pelo menos 218 espécies exóticas invasoras foram responsáveis por mais de 1,2 mil extinções locais”, comentou Anibal Pauchard, do Chile, um dos autores do documento. “Na verdade, 85% dos impactos das invasões biológicas nas espécies nativas são negativos.”
No Brasil, o Banco de Dados Nacional de Espécies Exóticas Invasoras, do Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental, registra ao menos 478 espécies animais e vegetais que não pertencem à biodiversidade natural do país e causam impactos negativos. Alguns exemplos são os sagui-de-tufos-pretos (C. penicillata), do Cerrado, e o sagui-de-tufos-brancos (C. jacchus), da Caatinga, que, introduzidos na Mata Atlântica, acabaram causando perturbações locais.
Quase 80% dos impactos documentados de espécies exóticas invasoras nas contribuições da natureza para as pessoas também são negativos — especialmente por meio de danos ao abastecimento de alimentos, diz o relatório. O texto cita o impacto do caranguejo europeu (Carcinus maenas) nos bancos comerciais de marisco na Nova Inglaterra e os danos causados pelo falso mexilhão caribenho (Mytilopsis sallei) em recursos pesqueiros localmente importantes na Índia.
Da mesma forma, 85% dos impactos documentados afetam negativamente a qualidade de vida das pessoas. Um exemplo são doenças como a malária, o zika e a febre do Nilo Ocidental, disseminadas por espécies invasoras de mosquitos exóticos, como Aedes albopictus e Aedes aegypti.
Além disso, o relatório mostra que 34% dos impactos das invasões biológicas foram relatados nas Américas, 31% na Europa e Ásia Central, 25% na Ásia e no Pacífico e cerca de 7% na África. A maioria é documentada em terra (cerca de 75%) — especialmente em florestas, bosques e áreas cultivadas —, seguida por água doce (14%) e marinha (10%). As espécies exóticas invasoras são mais prejudiciais nas ilhas, com o número de plantas exóticas excedendo, agora, o número de nativas em mais de 25% de todas elas.
Apesar do tamanho do problema, os IPBES apontam para as medidas geralmente insuficientes em vigor para enfrentar esses desafios. Embora 80% dos países tenham metas relacionadas com a gestão de espécies exóticas invasoras nos planos nacionais de biodiversidade, incluindo o Brasil, apenas 17% têm leis ou regulamentos nacionais que abordam especificamente essas questões. No Congresso Nacional, tramitam alguns projetos, mas nenhum, até agora, foi aprovado.
“Aqui, e com cada nova avaliação das ameaças à biodiversidade, existe uma mensagem comum e persistente: a escala e a taxa de mudança prevista nas ameaças à nossa existência aumentam a um ritmo ainda mais alarmante, enquanto a janela de oportunidade para agir diminui”, opina John Spicer, professor de Zoologia Marinha da Universidade de Plymouth, no Reino Unido, que não participa da IPBES.
“O que há de novo e mais chocante nesse último relatório é a escala do custo econômico global estimado desses invasores. Esse custo quadruplicou em cada década desde 1970 e é, agora, muito superior a 400 mil milhões de dólares por ano, uma soma ligeiramente superior ao PIB da Dinamarca, no ano passado”, exemplifica.
Em nota, Inger Andersen, diretora executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), disse que “as espécies invasoras tornaram-se um dos cinco cavaleiros do apocalipse da biodiversidade, que se abate cada vez mais rápido sobre o mundo”. “Ao fornecer informações críticas sobre tendências em espécies invasoras e ferramentas políticas para abordá-las, esse relatório pode fornecer um trampolim para ações concretas em relação ao problema.”
"Ao longo de quatro anos, especialistas compilaram informações sobre a situação atual, tendências, impactos, fatores de influência, opções de gestão e políticas para lidar com espécies exóticas invasoras globalmente. O relatório identifica essas espécies como uma grande ameaça à natureza e à qualidade de vida. Isso porque estão sendo introduzidas em todas as regiões do mundo, a um ritmo sem precedentes, impulsionadas pelo comércio global.
O relatório alerta que as espécies exóticas invasoras causam alterações na biodiversidade, muitas vezes irreversíveis, como a extinção. E custam às economias globais milhares de milhões de dólares, por exemplo, na agricultura, saúde, segurança alimentar ou hídrica, sendo apenas 8% desses custos gastos na sua gestão. Esse relatório ajudará os governos a compreenderem o impacto dessas espécies e os desafios que representam para que os países possam adotar políticas que os abordem eficazmente."
Elena Angulo Aguado, pesquisadora do Conselho Superior de Investigações Científicas da Espanha
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