23 de Novembro de 2024

O que está por trás da troca do ministro da Defesa da Ucrânia em ponto crítico de ofensiva contra Rússia


A decisão do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, de substituir o seu ministro da Defesa durante um momento crítico da contraofensiva contra a Rússia foi explicada pelo governo como uma tentativa de "acabar com a corrupção".

Mas, acima de tudo, a nomeação de Rustem Umerov, um tártaro da Crimeia e muçulmano, é um sinal de que a Ucrânia leva a sério a devolução da Crimeia, que a Rússia anexou em 2014.

As especulações sobre a substituição de Oleksii Reznikov, ministro da Defesa da Ucrânia desde novembro de 2021, circulam há meses.

Embora não tenha sido acusado de qualquer delito pessoalmente, Reznikov foi visto como incapaz de impedir a disseminação da corrupção no seu ministério.

Os escândalos em torno de contratos militares e acusações de suborno contra funcionários nos centros de alistamento fizeram com que ele se tornasse malvisto na sociedade ucraniana, que atualmente busca uma forma de elevar o moral após uma ofensiva mais lenta do que o esperado.

A troca de comando acontece em um momento crítico para a guerra, com generais ucranianos afirmando que a contraofensiva lançada há alguns meses pode finalmente começar a ganhar ritmo.

Desde junho, os ganhos territoriais de Kiev têm sido muito pequenos. Segundo militares, no entanto, as forças ucranianas conseguiram penetrar a forte linha de defesa russa ao sul do país.

"Sim, é verdade", disse Yuriy Sak, conselheiro do ministro da Defesa da Ucrânia, quando questionado se o avanço tinha acontecido.

"Aos poucos, acho que estamos ganhando força", disse ele.

"Estamos agora entre a primeira e a segunda linhas defensivas", disse um dos principais generais da Ucrânia no sul, o brigadeiro-general Oleksandr Tarnavskiy, ao jornal britânico Observer.

As suas palavras ecoaram as do porta-voz da Casa Branca, John Kirby, que na sexta-feira disse aos repórteres em Washington que as forças ucranianas tinham "alcançado algum sucesso contra a segunda linha".

O foco do esforço da Ucrânia nas últimas semanas tem sido uma ponte em expansão em torno da pequena aldeia de Robotyne, cerca de 56 quilômetros a sudeste da cidade de Zaporizhzhia.

Forças ucranianas hastearam a bandeira azul e amarela do país sobre a vila há mais de uma semana e agora estão tentando ampliar a distância para permitir a passagem de unidades maiores de infantaria e blindados.

Se esse objetivo for alcançado, há possibilidade de a ofensiva da Ucrânia ganhar impulso à medida que se aproxima da segunda e terceira linhas defensivas, que podem não ser tão robustas como a primeira.

O mapa da região mostra uma massa de linhas defensivas russas complexas e sobrepostas, protegidas com campos minados, armadilhas para tanques e trincheiras. Alguns deles convergem para a área de Verbove.

Sem cobertura aérea e sob fogo da artilharia russa, pequenas unidades ucranianas têm aberto caminho através destes perigos, preparando o terreno para um ataque maior.

"Quando estas aberturas aparecem, é claro, torna-se mais fácil para as nossas forças avançar", disse Sak.

É nesse cenário que entra Rustem Umerov.

O homem de 41 anos é um funcionário do governo que durante o ano passado chefiou o Fundo Estatal de Propriedade da Ucrânia, mas é mais conhecido por negociar com a Rússia e por organizar trocas de prisioneiros bem-sucedidas.

Não é um completo desconhecido, mas também não é alguém que estava sob os holofotes.

Tártaro da Crimeia, ele nasceu no exílio e atua como um membro ativo desta comunidade étnica, tentando restabelecer a sua identidade cultural e o seu lugar no mundo.

Mais importante ainda para os ucranianos, ele não foi acusado de corrupção, peculato ou especulação.

Umerov entrou na política em 2019, quando concorreu ao Parlamento pelo partido reformista Holos, do qual mais tarde saiu para se tornar um funcionário do governo.

Antes disso trabalhou no setor privado, primeiro em telecomunicações e depois em investimentos.

Em 2013, ele fundou um programa de caridade para ajudar a treinar ucranianos na prestigiada Universidade de Stanford, nos EUA.

Mas a parte definidora da sua identidade são as suas raízes tártaras da Crimeia e o papel que podem desempenhar na firme intenção da Ucrânia de recuperar a península.

Os tártaros da Crimeia são uma população indígena original da Península da Crimeia. Durante a Segunda Guerra Mundial, foram falsamente acusados de colaboração com os nazistas e deportados à força pelo Exército soviético para a Ásia Central.

Em 18 de maio de 1944, a comunidade de 200 mil pessoas foi desalojada em um dia. As famílias tiveram alguns minutos para fazer as malas antes de serem embarcadas em trens para milhares de quilômetros de distância.

Acredita-se que milhares de pessoas tenham morrido durante a viagem ou logo depois.

Os Tártaros da Crimeia não foram o único grupo étnico a sofrer nas mãos de Joseph Stalin. E desde então passaram décadas tentando regressar à sua terra natal.

A família de Rustem Umerov estava entre os deportados e ele nasceu no exílio, no Uzbequistão. No final da década de 1980, quando ainda era criança, muitos tártaros da Crimeia, incluindo a sua família, foram autorizados a regressar à península.

Durante muitos anos, Umerov foi conselheiro de Mustafa Dzhemilev, o líder histórico dos tártaros. Ele foi também um dos delegados do Qurultay - o Congresso Tártaro da Crimeia.

Foi ainda copresidente da Plataforma da Crimeia, uma iniciativa diplomática internacional centrada nas negociações com a Rússia após a ocupação da península em 2014.

"A deportação dos tártaros da Crimeia é um dos maiores crimes do regime soviético", escreveu Umerov num artigo para o site Liga.net em 2021. "Foi iniciada pelos tiranos no poder, a fim de exterminar uma nação inteira."

Ao mesmo tempo em que criticava a anexação da península pela Rússia em 2014, Umerov também trabalhou na negociação com Moscou para libertar vários tártaros detidos na Crimeia desde 2014 e levá-los para a Ucrânia.

Falando à BBC logo após o início da invasão em grande escala em 2022, Umerov disse estar determinado "a encontrar [uma] resolução política e diplomática para esta invasão brutal".

No seu discurso televisivo à nação no domingo (3/9), o presidente Zelensky confirmou que iria buscar aprovação parlamentar para tornar Umerov o seu novo ministro da Defesa, dizendo que o ministério "requer novas abordagens e novos modos de envolvimento tanto com os militares como com a sociedade em geral".

Por enquanto, um ataque militar em grande escala à Crimeia pode estar um pouco distante, e alguns observadores descreveram como irrealistas as intenções da Ucrânia de regressar às suas fronteiras anteriores a 2014, que incluiriam a península.

Mas a nomeação por Zelenksy de um indígena da Crimeia para desempenhar um papel fundamental na concretização destas intenções envia uma mensagem clara: Kiev não pretende encerrar o jogo antes de completar esse objetivo.

É difícil avaliar o significado das últimas informações divulgadas sobre a contraofensiva. As autoridades ucranianas são extremamente cuidadosas ao fornecer detalhes, preferindo envolver as intenções de Kiev na névoa da guerra e evitando a divulgação de informações sensíveis.

Não ajuda o fato de forças próximas o combate fornecerem relatos muitas vezes distintos sobre o que está acontecendo.

Questionada pela BBC no sábado, a 46ª Brigada de Assalto Aéreo da Ucrânia disse que os combates continuavam perto da primeira linha de defesa da Rússia, mas que "ninguém ainda conseguiu ir além da primeira linha".

A informação pode ser menos surpreendente do que parece. Uma infinidade de unidades está operando na região, cada uma concentrada em sua própria seção e realizando tarefas específicas.

Ou seja, nem todos os envolvidos necessariamente sabem o que está acontecendo em outros lugares.

Uma dessas unidades, um batalhão de voluntários conhecido pelo nome do seu comandante, Skala, disse à agência de notícias Reuters que os seus homens tinham rompido a primeira linha da Rússia em 26 de agosto.

No domingo, Skala disse que os seus homens ainda avançavam. "Literalmente, estamos avançando ao longo da região de Zaporizhzhia em direção ao mar", disse ele em uma mensagem de voz, sem dar mais detalhes.

"Não quero me apressar, mas tanto nós, quanto o Estado-Maior, estamos fazendo de tudo para obter uma vitória mais rápida."

Por mais difícil que seja avaliar a natureza e a direção precisas dos recentes ganhos da Ucrânia, é claro que o Kremlin está preocupado.

Recentemente, o governo russo enviou tropas de elite de outras partes da longa linha da frente para reforçar as defesas entre Robotyne e o principal centro rodoviário e ferroviário de Tokmak, localizado 21 km a sul.

De acordo com o Instituto para o Estudo da Guerra (ISW), com sede em Washington, esta é a terceira vez que isso acontece desde junho.

"O segundo desdobramento lateral no espaço de algumas semanas sugere uma preocupação crescente da Rússia sobre a estabilidade das defesas russas", informou o ISW na sua avaliação de 1 de setembro.

Isto, afirmam os especialistas ucranianos, faz parte do plano de Kiev: forçar Moscou a deslocar unidades da linha da frente de um local para outro, em um esforço para desgastá-las.

"Estamos tentando envolver as reservas deles e esgotá-las", diz Serhiy Kuzan, do Centro Ucraniano de Segurança e Cooperação, um think tank de Kiev com laços estreitos com os militares.

A próxima tarefa, diz ele, é explorar qualquer sinal de fraqueza russa.

Apesar do progresso aparentemente lento da ofensiva desde junho, Kuzan diz que o objetivo fundamental não mudou: o controle do sul.

Como isso se desenrolará com a chegada do inverno ainda é uma questão em aberto.

Idealmente, Kiev gostaria que as suas forças tivessem chegado ao Mar de Azov, atravessando a "ponte terrestre" de Moscou até à Península da Crimeia até lá.

Mas mesmo que isso não aconteça, a Ucrânia está determinada a cortar as linhas de abastecimento que permitem às forças russas manter presença na parte sul da região de Kherson, entre o rio Dnipro e a Crimeia.

Algumas dessas ligações, incluindo a ferrovia que passa por Tokmak, já são altamente vulneráveis às armas ucranianas de longo alcance, como o lançador múltiplo de foguetes Himars.

Como a outra ligação ferroviária importante - a que atravessa a ponte de Kerch - foi alvo de repetidos ataques ucranianos desde outubro passado, Kuzan diz que a Rússia está transportando 70% dos seus suprimentos ao longo da rodovia M-14, que passa mais perto da costa.

"Temos que manter a rota terrestre", diz ele, o que significa que as armas ucranianas precisam estar próximas o suficiente para poder atingir a estrada.

Esse ainda é um objetivo distante.

A M-14 ainda está a mais de 80 km de distância. Existem múltiplas linhas de defesa russas e as forças ucranianas serão atacadas por terra e pelo ar a cada passo do caminho.

O mapa mostra que os ganhos territoriais da Ucrânia, desde junho, foram minúsculos.

O primeiro encontro de Kiev com as defesas entrincheiradas da Rússia deve ser uma das fases mais difíceis. Pode levar algum tempo até que fique claro se a violação em Robotyne representa, de fato, um ponto de virada.

"Estamos prevendo batalhas difíceis", acrescentou Kuzan.

Fonte: correiobraziliense

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