23 de Novembro de 2024

Animais são capazes de sonhar como seres humanos?


Jovens aranhas saltadoras ficam penduradas por um fio durante a noite, numa caixa em um laboratório. De vez em quando, suas pernas se curvam e suas fiandeiras (glândulas responsáveis pela produção da seda para confecção das teias) se contraem.

As retinas dos seus olhos, visíveis através dos seus exoesqueletos translúcidos, movem-se para frente e para trás.

"O que estas aranhas fazem parece assemelhar-se – muito de perto – ao sono REM”, diz Daniela Rößler (pronuncia-se Rôsslar), ecologista comportamental da Universidade de Konstanz, na Alemanha.

Durante o sono REM (sigla em inglês para movimento rápido dos olhos), os olhos de um animal adormecido movem-se de forma imprevisível, entre outras características.

Nas pessoas, o REM ocorre quando acontece a maioria dos sonhos, principalmente os mais vívidos. Isto leva a uma questão intrigante: se as aranhas têm sono REM, será que os sonhos também se desenrolam nos seus cérebros do tamanho de uma semente de papoula?

Rößler e seus colegas estudaram sobre as aranhas que movimentam os olhos em 2022. Com câmeras em 34 aranhas, eles descobriram que as criaturas tinham breves comportamentos semelhantes ao REM a cada 17 minutos.

O revirar de olhos era algo específico desses episódios: não acontecia em momentos da noite em que as aranhas saltadoras se mexiam, se espreguiçavam, reajustavam seus fios de seda ou se limpavam com o roçar de uma perna.

Embora as aranhas fiquem imóveis antes desses episódios do tipo REM, a equipe ainda não provou que estão dormindo. Mas se esse for o caso – e se o que parece ser REM é realmente REM – sonhar é uma possibilidade real, diz Rößler.

Ela acha fácil imaginar que as aranhas saltadoras, como animais altamente visuais, possam se beneficiar dos sonhos como forma de processar as informações que captaram durante o dia.

Rößler não é a única pesquisadora a pensar sobre essas questões em animais distantes de nós.

Hoje, cientistas estão encontrando sinais de sono REM numa gama mais ampla de animais do que nunca: em aranhas, lagartos, chocos (um tipo de molusco marinho) e peixes-zebra. O número crescente faz com que alguns pesquisadores se perguntem se o sonho, um estado que antes se pensava ser limitado aos seres humanos, é muito mais difundido do que se pensava.

O sono REM é geralmente marcado por um conjunto de características além dos movimentos rápidos dos olhos: paralisia temporária dos músculos esqueléticos (aqueles responsáveis pela postura e movimento), espasmos corporais periódicos e aumento da atividade cerebral, respiração e frequência cardíaca.

Observado em bebês dormindo em 1953, o REM logo foi identificado em outros mamíferos, como gatos, ratos, cavalos, ovelhas, gambás e tatus.

Os eventos no cérebro durante o REM foram bem caracterizados, pelo menos em humanos.

Durante os períodos não REM, também conhecidos como sono tranquilo, a atividade cerebral é sincronizada. Os neurônios disparam simultaneamente e depois ficam quietos, especialmente no córtex cerebral, produzindo ondas de atividade conhecidas como ondas lentas.

Durante o REM, por outro lado, o cérebro apresenta explosões de atividade elétrica que lembram a vigília.

Mesmo entre os mamíferos, o sono REM não parece todo igual.

Mamíferos marsupiais chamados equidnas apresentam características de sono REM e não REM ao mesmo tempo.

Relatórios sobre baleias e golfinhos sugerem que eles podem nem ter experiência REM. Os pássaros têm sono REM, que vem com espasmos no bico e nas asas e perda de tônus nos músculos que sustentam suas cabeças.

Ainda assim, os pesquisadores começam a encontrar estados de sono semelhantes em muitos ramos da árvore da vida animal.

Em 2012, por exemplo, pesquisadores relataram um estado semelhante ao do sono em chocos, bem como um curioso comportamento semelhante ao REM durante esse suposto estado de sono: periodicamente, os animais moviam os olhos rapidamente, contraíam os tentáculos e alteravam a coloração de seus corpos.

Durante um período de pesquisa no Laboratório de Biologia Marinha em Woods Hole, Massachusetts, a bióloga comportamental Teresa Iglesias investigou mais a fundo o fenômeno, recolhendo terabytes de vídeo de meia dúzia de chocos.

Todos os seis apresentaram episódios de atividade semelhante ao REM que se repetiam aproximadamente a cada 30 minutos: explosões de movimentos dos tentáculos e movimentos dos olhos, durante os quais a pele deles dava um show, apresentando uma variedade de cores e padrões.

As criaturas emitiram sinais de camuflagem e sinais para chamar a atenção, ambos exibidos durante comportamentos de vigília.

Como o cérebro do cefalópode controla diretamente esse padrão de pele, "isso sugere que a atividade cerebral está ficando um pouco agitada", diz Iglesias, agora no Instituto de Ciência e Tecnologia de Okinawa, no Japão.

Desde então, os pesquisadores observaram um estado semelhante em polvos.

Se os polvos e os chocos sonham, "isso simplesmente derruba as paredes daquilo que pensamos sobre a humanidade ser tão especial", diz Iglesias.

Pesquisadores também observaram um estágio semelhante ao REM em dragões barbudos (também chamados de pogonas, um tipo de lagarto), registrados em seus cérebros a partir de eletrodos.

Também relataram pelo menos dois estados de sono em peixes-zebra com base nas assinaturas cerebrais dos peixes. Em um dos estados, a atividade neural foi sincronizada como acontece no estágio não-REM dos mamíferos.

Em outro estado, os peixes apresentaram atividade neural que lembra um estado de vigília, como acontece no REM. (Os peixes, no entanto, não mostraram movimentos rápidos dos olhos.)

Observando múltiplos estágios do sono em um animal evolutivamente tão distante de nós, os autores sugeriram que os diferentes tipos de sono surgiram há centenas de milhões de anos.

Sabe-se agora que as moscas também podem alternar entre dois ou mais estados de sono. As lombrigas parecem ter apenas um estado de sono.

Pesquisadores consideram a possibilidade de animais não humanos sonharem durante o sono tipo REM porque as criaturas apresentam comportamentos semelhantes aos da vigília neste estado – como a mudança de cor dos cefalópodes ou o tremor das fiandeiras das aranhas.

Em pombos, a cientista do sono Gianina Ungurean, do Instituto Max Planck de Inteligência Biológica em Munique e da Universidade de Medicina de Göttingen, observou, com colegas, que as pupilas se contraem durante o REM, tal como acontece durante o comportamento de acasalamento.

Isso levanta a dúvida sobre se os pombos estão sonhando ou de alguma forma revivendo o que aconteceu durante os momentos de namoro acordados, diz ela.

O sono REM também tem sido associado à repetição de experiências em alguns animais.

Por exemplo, quando pesquisadores observaram a atividade elétrica cerebral de ratos adormecidos que já tinham percorrido um labirinto, viram o disparo de neurônios que ajudam na navegação e estão ligados à direção da cabeça, mesmo que as cabeças dos ratos não estivessem em movimento.

Eles também observaram atividade em neurônios associados ao movimento ocular. A combinação sugere que os ratos podem ter tido uma experiência onírica em que examinavam o ambiente, diz Ungurean.

Com todos estes sinais, é justo acreditar que os animais podem estar sonhando, diz Ungurean.

"No entanto, se considerarmos estas razões uma por uma, verifica-se que nenhuma delas é suficiente", pondera a pesquisadora.

A atividade cerebral associada à repetição, como a dos ratos que correm no labirinto, não ocorre apenas durante o REM ou o sono, diz Ungurean. Também pode ocorrer durante o planejamento ou devaneio.

E a ligação entre REM e sonho não é absoluta: os humanos também sonham em períodos não-REM, e quando são usados medicamentos para suprimir o sono REM, os participantes humanos do estudo ainda podem ter sonhos longos e bizarros.

Em última análise, as pessoas sabem que estão sonhando porque podem relatar isso, diz Ungurean.

"Mas os animais não podem reportar, e este é o maior problema que temos em estabelecer isto de forma puramente científica e robusta."

Ainda há debate sobre para que serve o REM. "Ninguém sabe realmente qual é a função do sono – não-REM ou REM", diz Paul Shaw, neurocientista da Universidade de Washington em St. Louis, nos Estados Unidos.

Uma das ideias mais aceitas é que o REM ajuda o cérebro a formar e reorganizar memórias.

Outras teorias são que o REM dá suporte ao desenvolvimento cerebral, ajuda no desenvolvimento dos sistemas de movimento do corpo, mantém os circuitos necessários para as atividades de vigília, para que não se degradem durante o sono, ou aumenta a temperatura do cérebro.

Mas se o REM estiver presente em espécies distantes do reino animal, isso sugere que o seu papel, seja ele qual for, pode ser muito importante, diz Iglesias.

Nem todos os cientistas acreditam que os pesquisadores estão observando REM.

Eles podem simplesmente estar partindo de noções preconcebidas de que todos os animais têm dois estados de sono e interpretando um deles como REM, diz Jerome Siegel, neurocientista que estuda o sono na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA, na sigla em inglês).

Alguns destes animais – como as aranhas – podem nem estar dormindo, argumenta.

"Os animais podem fazer coisas que parecem iguais [aos humanos], mas a fisiologia não é necessariamente a mesma", diz ele.

Os pesquisadores continuam em busca de pistas.

A equipe de Rößler está tentando desenvolver formas que lhes permitam visualizar os cérebros das aranhas através de imagens – isso pode revelar ativação em áreas que são funcionalmente análogas àquelas que usamos quando sonhamos.

Iglesias e outros implantaram eletrodos nos cérebros de cefalópodes e capturaram sua atividade elétrica durante dois estados de sono – um que mostra atividade semelhante à da vigília e outro que é um estado tranquilo, com assinaturas neurais semelhantes às observadas em mamíferos.

E Ungurean treinou pombos para dormir em uma máquina de ressonância magnética e descobriu que muitas das áreas do cérebro que se iluminam no sono REM humano também são ativadas em pássaros.

Se chocos, aranhas e uma grande variedade de outras criaturas sonham, isso levanta questões interessantes sobre o que eles vivenciam, diz David M. Peña-Guzmán, filósofo da Universidade Estadual de São Francisco e autor do livro When Animals Dream: The Hidden World of Animal Consciousness (Quando animais sonham: O mundo oculto da consciência animal, em tradução livre).

Como os sonhos se desenrolam a partir da perspectiva do observador, os animais sonhadores teriam a capacidade de ver o mundo do seu ponto de vista, diz ele.

Sonhar também sugeriria que eles têm capacidade imaginativa, acrescenta.

"Queremos pensar que os humanos são os únicos que podem realizar aquela ruptura com o mundo [representada pela sonho]", diz ele. "Talvez tenhamos que pensar um pouco mais sobre outros animais."

*Este artigo foi publicado originalmente pela Knowable Magazine e republicado pela BBC Future sob uma licença Creative Commons. Leia aqui a verão original em inglês.

Fonte: correiobraziliense

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