Lisboa — Andar pelas ruas da capital portuguesa sempre é um prazer. Mesmo no auge do verão, quando os turistas lotam os pontos mais concorridos da cidade, sempre é possível descobrir um cantinho agradável, mais tranquilo, permitindo aos transeuntes contemplar a belíssima arquitetura portuguesa. Muitos dos que desembarcam em Lisboa não tem a menor noção, porém, de que toda essa joia arquitetônica tem apenas 268 anos, quase nada perto da milenar história de Portugal. A Lisboa que encanta foi quase que totalmente reconstruída a partir de 1755, quando um dos mais letais terremotos que se têm notícia, seguido de um tsunami, devastou quase toda a cidade, deixando mais de 90 mil mortos.
Foi pensando em reconstituir esse fato, o primeiro a ser totalmente documentado, que o casal Ricardo Clemente e Maria Marques — ele, um publicitário, ela, uma analista de comércio exterior — decidiu abrir, há pouco mais de um ano, o Quake, o Centro do Terremoto de Lisboa. “Queríamos fazer algo diferente e que tivesse forte ligação com a história da cidade”, diz Clemente ao Correio. O museu está fincado sobre três pilares: história, ciência e entretenimento. “É um programa para os netos, os pais e os avós”, acrescenta. O objetivo é contar o trágico 1º de novembro de 1755, mas também conscientizar a todos de que é preciso estar preparado para enfrentar eventos naturais.
“Todos os estudos sismológicos apontam que áreas que já registraram grandes terremotos tendem, em algum momento, a enfrentar novamente esses abalos. A questão não é se, mas quando. Espero que isso não aconteça na nossa geração nem nas próximas”, frisa Clemente. Ele reconhece que esse assunto ainda é um tabu entre os portugueses. “Nas escolas, quando crianças, aprendemos sobre terremotos e como agir quando eles acontecem. O problema é que, ao nos tornarmos adultos, tudo cai no esquecimento, ninguém mais fala disso, ao contrário do que se vê, por exemplo, no Chile, onde os abalos são mais frequentes” emenda. “Por isso, a nossa preocupação com a conscientização de todos os que nos visitam.”
Não há nenhum exagero nas preocupações do fundador do Quake, que, antes de abrir o museu, juntou-se a um grupo de cientistas e especialistas em geologia para pesquisar sobre o tema. Somente nesta semana, Portugal computou quatro abalos sísmicos, nenhum de grande proporção, mas com força suficiente para manter os sinais de alerta bem ligados. Na terça-feira, 5 de setembro, houve dois tremores, um de magnitude 3,9, outro, de 3,7 na escala Richter, tendo como epicentro o sul do Algarve. As autoridades anotaram um terceiro tremor a oeste de Évora, no Alentejo, de magnitude 2,6, um quarto, a leste de Arouca, de 2,5.
O quase silêncio em torno das ameaças de terremotos em Portugal está associado à infraestrutura precária para lidar com a repetição de um acontecimento de quase 300 anos atrás. As estatísticas apontam que, em Lisboa, 68% dos edifícios foram construídos antes da edição da Lei de Proteção Sísmica, de 1958, legislação que foi revisada em 1983. Quer dizer: os prédios, em maioria, não estão preparados para abalos muito fortes. Além disso, a maior parte das residências não tem equipamentos básicos para lidar com as intempéries provocadas pela natureza e os moradores não dispõem de conhecimento sobre como agir. Outro exemplo importante do despreparo: apenas 16% das moradias têm seguro com cobertura contra terremoto.
“Nosso papel não é influenciar o governo a agir e fazer diferente. O que queremos é que se faça mais e melhor para conscientizar a população. Nosso foco é que o cidadão comum que nos visita saia do museu com a semente de que, se mudar coisas simples na vida, pode fazer a diferença. A meta é criar a cultura de que se vive em uma área de risco” afirma Clemente. Na avaliação dele, apesar da visão geral de que a população portuguesa “não tem essa consciência e não quer ter”, o interesse sobre o tema começa a despertar uma camada da sociedade. Tanto que, no primeiro ano de funcionamento do Quake, dos 120 mil visitantes, 70% eram portugueses. “Ao longo dos próximos dois ou três anos, essa relação tenderá a mudar, e os turistas devem ser maioria”, prevê.
Um dos trunfos para atrair os visitantes e conscientizá-los sobre terremotos é a possibilidade de imersão, de forma sensitiva, no universo de 1755. Em parte do espaço de 1.800 metros quadrados, se reproduz o que se passou em Lisboa. Sente-se, por exemplo, todo o abalo de magnitude entre 8,5 e 9 da escala Richter que destruiu uma igreja, numa réplica fiel de um exemplar da época. Pode-se ver como o fogo se espalhou rapidamente pela cidade e tornou a tragédia ainda maior. Percebe-se todo o impacto do tsunami com ondas superiores a 5 metros vindas do Rio Tejo e, em meio aos destroços, os saques que tomaram conta de toda a cidade. “Tivemos a preocupação de recriar o ambiente da época, mostrando o que se falava nas ruas, o que se comia, o cheiro das coisas”, detalha o criador do museu.
Outro ponto importante, sobretudo para os brasileiros, é como se deu a reconstrução de Lisboa, o primeiro grande projeto arquitetônico do mundo, conduzido pelo Marquês de Pombal. Quase todo o dinheiro necessário para executar o projeto que, hoje, atrai olhares do mundo todo, veio do ouro extraído do Brasil. Sem a riqueza tirada da então colônia, dificilmente o reino de Portugal teria conseguido reerguer a capital lusitana, não com a ambição com que foi projetada.
A despeito de todas as pesquisas científicas e geológicas, ainda não se pode afirmar, exatamente, a origem do terremoto, seguido de tsunami, que destruiu Lisboa em 1º de novembro de 1755. Tudo aponta que o abalo se deu a partir dos movimentos de uma placa a sudoeste do Cabo de São Vicente, ao sul do Algarve. Ali se encontram placas euroasiáticas e africanas, que se movem lentamente, poucos milímetros por ano. Essas placas acumulam muita energia, e, quando se movimentam mais bruscamente, provocam terremotos.
“Essas placas estão há anos acumulando energia lentamente. Quando se romperem novamente com força, podem provocar sérias consequências. Temos de estar conscientes disso. Nós acreditamos que só acontece com os outros”, diz Clemente. “No Chile, no Japão e na Indonésia, a movimentação das placas é mais frequente. Por isso, a população dessas regiões está mais preparada para lidar com terremotos e tsunamis”, complementa, lembrando que, no Quake, também é possível saber detalhes dos abalos que destruíram São Francisco, em 1906, e parte do Japão, mais precisamente em Fukushima, que resultou num desastre nuclear.
Alertas à parte, o empresário, que investiu 10 milhões de euros (R$ 55 milhões) para criar o Museu do Terremoto, ressalta que tem sido procurado por investidores interessados no negócio. Ele não descarta a possibilidade de abrir uma unidade em São Francisco e uma no Japão, claro, com todas as características locais. Mas, por enquanto, o Quake está focado em cumprir sua missão de educar e alertar para o enfrentamento de eventos naturais. De uma coisa, Clemente se gaba, o de ter recebido, já no seu primeiro ano de vida, um prêmio como entretenimento, honraria que dividiu com gigantes como a Disney e a Universal. “Fomos considerados o melhor experimento histórico do mundo”, destaca. A previsão é de que o museu receba 200 mil visitantes neste ano.
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