Cientistas do Hospital Massachusetts General, nos Estados Unidos, descobriram mais indícios de que terapias à base do hormônio irisina, naturalmente estimulado pela prática de exercícios, têm potencial para combater o Alzheimer. A relação entre as atividades físicas e o hormônio já foi observada em experimentos com ratos. Agora, o grupo demonstra o fenômeno nos primeiros modelos 3D de cultura de células humanas da doença neurodegenerativa, criados por eles.
Segundo o trabalho, publicado, nesta sexta-feira (08/09), na revista Neuron, a prática de exercícios aumenta os níveis circulantes da irisina, que regula o metabolismo da glicose e dos lipídios no tecido adiposo. Estudos mostram que esse hormônio está presente no cérebro de humanos e de camundongos, e os níveis são reduzidos, em ambas as espécies, em caso de Alzheimer.
Para verificar se a irisina influencia na ligação entre a prática de atividades físicas e a redução da beta-amiloide, os pesquisadores aplicaram o hormônio no modelo de cultura celular inédito. "Descobrimos que o tratamento levou a uma redução notável dos problemas", relata, em nota, Se Hoon Choi, pesquisador da Unidade de Genética e Envelhecimento do hospital e coautor do ensaio.
Um dos efeitos observados foi que o hormônio estava ligado ao aumento de atividade da neprilisina, enzima que consegue degradar as placas de beta-amiloide, uma das proteínas que contribuem para o desenvolvimento da neurodegeneração. "Ela é produzida a partir da proteína precursora da amiloide (APP), encontrada no cérebro. Quando a APP é quebrada, pode formar fragmentos, chamados beta-amiloide, que podem se acumular no cérebro e formar placas tóxicas para os neurônios", explica o neurologista Marcelo Lobo, do Hospital Santa Lúcia, em Brasília.
Os cientistas também identificaram que a integrina V/5, uma proteína presente na membrana celular, é o receptor no qual a irisina se conecta aos astrócitos, uma célula não neuronal do sistema nervoso, fazendo com que eles sejam estimulados a aumentar a produção de neprilisina, que ajuda na redução dos níveis de beta-amiloide. Ao se conectar ao V/5, o hormônio irisina também diminui a ativação das proteínas ERK e STAT3, um processo que, segundo os cientistas, é crucial para o aumento da neprilisina.
Na avaliação de Lobo, a irisina poderia ajudar a reduzir a deposição de beta-amiloide de outras maneiras, como "aumentando a produção de proteínas que ajudam a remover beta-amiloide do cérebro, reduzindo a produção de proteínas que promovem a formação de beta-amiloide e protegendo os neurônios do dano causado pela beta-amiloide".
Estudos anteriores também demonstraram que, em ratos, a irisina injetada na corrente sanguínea consegue alcançar o cérebro, o que sugere que esse hormônio pode ter potencial terapêutico para o tratamento de doenças neurológicas. "Nossas descobertas indicam que a irisina é um importante mediador dos aumentos nos níveis de neprilisina provocados pela prática de atividade física. O resultado sugere um novo caminho para terapias alvo destinadas à prevenção e ao tratamento da doença de Alzheimer", enfatiza Rudolph Tanzi, autor sênior do trabalho e diretor da Unidade de Pesquisa em Genética e Envelhecimento do hospital americano.
José Guilherme Giocondo, psiquiatra e mestre em neurociências pela Universidade de Coimbra, pondera que, apesar de comprovada a relação, talvez não seja possível criar um tratamento baseado nos resultados obtidos pela pesquisa. Segundo ele, o objetivo de estudos como esse é encontrar os chamados biomarcadores, substâncias presentes no organismo que podem servir para diagnosticar, tratar ou fornecer prognósticos específicos para determinada patologia.
"No caso da irisina e das doenças demenciais, há sempre uma dificuldade maior, a multicausalidade. Fatores como genética, sedentarismo, hábitos alimentares, tabagismo e comorbidades psíquicas são essenciais para a progressão ou não desses casos", explica. "Se comprovada, tal relação certamente ajudará a entender ainda mais um conjunto de doenças que são relativamente recentes, do ponto de vista de descrição médica, e na elaboração de novas estratégias terapêuticas. A mera relação, mesmo que comprovada, dificilmente encerrará em si um novo tratamento", diz.
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