O escritor Tiago Brunet se define como "treinador de líderes", "mentor de grandes personalidades" e "especialista em pessoas". Ele tem seu próprio método de treinamento e vende cursos e palestras sobre liderança e aperfeiçoamento pessoal, para ensinar as pessoas a terem uma "vida de paz e prosperidade". Morador da Flórida, nos EUA, ele cobra R$ 2.977 reais pelo curso presencial de três dias em São Paulo.
Mas ele não é um coach típico: Tiago é evangélico e seu método de treinamento é todo baseado em princípios religiosos cristãos. Em seu site, o consultor define seu curso como "o primeiro 100% baseado em princípios milenares.”
Um dos três pilares do seu método, por exemplo, gira em torno da fé e de como ter "acesso à vida eterna", de como "agradar e Deus" e "ter uma relação íntima com Deus".
Com 6,3 milhões de seguidores, Tiago faz parte de um grupo de influenciadores evangélicos que se diferencia de outros religiosos famosos nas redes sociais porque privilegia temas que poderiam facilmente ter saído de um livro de autoajuda.
São os "coaches evangélicos": youtubers, cantores e pastores com pregações e conteúdo essencialmente motivacional.
Muitos não se definem como "treinadores" nem oferecem cursos pagos, mas fazem uso frequente de palavras como "autoconhecimento", "metas" e "superação".
Quem descreve esse nicho dentro do universo cristão nas redes é a pesquisa Radar Evangélico, feita pela consultoria Nosotros, que mapeou os 44 maiores influenciadores evangélicos do Brasil.
Muitos deles são praticamente desconhecidos por quem não é protestante, explica o antropólogo Juliano Spyer, coordenador do estudo e fundador da Nosotros; mas grandes celebridades no meio evangélico. Acumulam seguidores, mobilizam a atenção dos religiosos e pautam temas que ocupam a mente de milhões de brasileiros.
Cerca de 30% deles têm um conteúdo que os coloca no grupo dos "coaches evangélicos", segundo a pesquisa.
Há também os pregadores que a análise categoriza como mais políticos. Eles promovem nomes de direita e conservadores e fazem pressão para influenciar políticas públicas — eles são 25% dos maiores produtores de conteúdo protestante.
E a maioria (45%) são os devocionais, que falam sobre religião em si, valores e orações. Nesse grupo, predominam "cantores e cantoras gospel que se fazem presentes em muitas igrejas a partir de hinos e louvores", diz o estudo.
Para chegar a essa divisão, os pesquisadores usaram um método chamado Análise de Redes Sociais (ARS), que combina Matemática, Sociologia e Ciência de Dados.
Os dados dos principais influenciadores evangélicos alimentaram um programa que mapeia as conexões entre eles e os grupos nos quais as pessoas estão densamente interligadas, explica Spyer.
A partir dos resultados, os pesquisadores analisaram o que existe em comum entre os religiosos de cada grupo, ou seja, quais os temas prevalentes e comuns entre eles.
Um dos maiores nomes citado pelo estudo é o youtuber Deive Leonardo, que tem 14,7 milhões de seguidores em sua rede social mais seguida — comparável ao número de seguidores do economista e ex-BBB Gil do Vigor, por exemplo.
Diferentemente de Tiago Brunet, Deive Leonardo não se define como treinador e se apresenta somente como pregador religioso. No entanto, a análise do seu conteúdo pelo Radar Evangélico o coloca no mesmo grupo que Tiago.
Deive faz pregações sobre temas como ansiedade, controle de emoções e processos de tomada de decisões.
No vídeo de abertura de seu canal, ele fala como "abraçar cada etapa" e "cultivar uma mentalidade de crescimento", como "aceitar falhas como parte do caminho" e "exercitar o autoconhecimento".
Esse tipo de vocabulário motivacional não é estranho ao ambiente religioso, explica o antropólogo Juliano Spyer, da nosotros. A novidade é uma espécie de "especialização" nesse tema da superação.
"A gente já conhece a relação entre igreja e bem estar, igreja e saúde mental. O que a gente vem percebendo é uma especialização nesse assunto motivacional, como se ele emergisse a partir de um espaço mais complexo, que é a religião."
"Ou seja, deixar de lado a questão mais teológica da religião — por exemplo, analisando versículos bíblicos — para escolher um determinado grupo de temas que falam especificamente sobre 'metas' ou sobre a melhora da situação financeira", explica o pesquisador.
Em seu livro Colocando a Vida em Ordem (Editora Vida), por exemplo, Deive Leonardo propõe um caminho para o leitor organizar todas as áreas de sua vida e encontrar um propósito para ela em apenas 31 dias.
"Somente os que não desistem mudam a história. Você só será lembrado e deixará um legado consistente nesta terra se não abandonar sua missão", escreve ele em um trecho do livro.
A BBC Brasil tentou contato com Deive Leonardo e Tiago Brunet, mas não teve resposta.
A semelhança dos influenciadores evangélicos mais motivacionais com coaches de sucesso profissional não é coincidência. De acordo com a análise de Spyer, os influencers que podem ser colocados no grupo dos "coaches", em geral, são mais ligados ao mundo empresarial e identificados com a teologia da prosperidade.
A teologia da prosperidade é um conceito criado pelo professor da UFRJ Ricardo Mariano para falar sobre as igrejas que, influenciadas pelo televangelismo americano, têm como algo central a associação da religiosidade com conquistas materiais e melhoras no estilo de vida.
"Às vezes, olhando de fora, as pessoas julgam esse grupo de igrejas de uma maneira muito cruel por conta da relação com dinheiro", afirma Spyer. "Mas é importante prestar atenção no quanto essa prosperidade está apresentada no sentido amplo: prosperidade familiar, no relacionamento entre as pessoas; prosperidade no sentido de ter acesso a bens ou serviços como planos de saúde, lazer."
Ou seja, o ganho de patrimônio seria uma consequência ou uma espécie de recompensa por seguir uma série de preceitos e também permitiria que os seguidores sejam cristãos melhores, na visão do antropólogo.
Como em outros grupos "temáticos" de influenciadores, entre os produtores de conteúdo mais motivacional as mulheres têm um papel de destaque.
A atriz Bruna Hamú (que foi do elenco de Malhação), por exemplo, dá "dicas práticas" de como "encontrar o seu propósito" e fala em "superação de limites". A BBC tentou contato com ela, mas não teve resposta.
Outros nomes citados pela pesquisa são as cantoras Gabriela Rocha e Priscilla Alcântara.
O estudo também aponta que, nas redes sociais, os protestantes mais conhecidos fora do campo evangélico não são os mais importantes no meio religioso.
"Quando se pensa em evangélicos, as pessoas pensam em nomes como Silas Malafaia, Edir Macedo ou Marco Feliciano como 'porta-vozes' da comunidade. Mas nossa análise mostra que, na verdade, essas figuras polêmicas estão de certa forma isoladas — têm bastante seguidores, mas não estão interconectadas com a rede mais ampla de comunicação", afirma Spyer.
O deputado Marco Feliciano (PL-SP), por exemplo, é bastante "isolado": ele tem apenas 12 conexões que ligam seu perfil aos outros 44 influenciadores com mais de 2 milhões de seguidores.
Já na outra ponta, a cantora e pastora Eyshila tem 66 conexões com outros influenciadores. Embora ela não tenha o maior número de seguidores (4,4 milhões), sua rede de contatos a coloca em uma das posições mais influentes.
Ela é membro Assembleia de Deus Vitória em Cristo, a mesma igreja de Silas Malafaia, mas tem um perfil bem diferente do pastor nas redes. Enquanto ele se encontra no grupo dos que fazem conteúdo político, Eyshila tem um perfil "devocional" e diplomático, evitando polarização e polêmicas.
“A grande surpresa do estudo é o tamanho e a influência de produtores de conteúdo como o Deive Leonardo e Eyshila, que são enormes dentro da comunidade evangélica, mas praticamente desconhecidos fora dela", diz Spyer.
Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/articles/c4n879prr6do
Fonte: correiobraziliense
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