O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva e o líder ucraniano Volodymyr Zelensky se encontrarão na quarta-feira (20/09), às 16 horas, em Nova York.
A reunião deve encerrar uma sequência de quase 9 meses de desencontros e trocas de farpas entre os líderes.
O governo brasileiro, porém, tenta relativizar a importância do encontro, embora Lula tenha recebido mais de 60 pedidos de reunião e Zelensky seja um dos poucos líderes com quem ele se encontrará, além do presidente dos EUA, Joe Biden, e provavelmente o primeiro-ministro alemão, Olaf Scholz.
"Se (o presidente russo Vladimir) Putin pedisse uma agenda e se comprometesse com o horário oferecido, o presidente Lula igualmente o encontraria", afirmou à BBC News Brasil um diplomata sênior do Brasil em NY.
Recentemente, Lula chegou a dizer que Putin não seria preso se viesse ao Brasil, embora tenha uma ordem de prisão ativa do Tribunal Penal Internacional , do qual o Brasil é signatário. O presidente mais tarde recuou da declaração, embora tenha dito que não sabe qual a serventia do TPI.
Desde sua eleição, Lula tem defendido a criação de uma espécie de "clube da paz", capaz de construir uma solução diplomática para o fim do conflito que já dura um ano e meio.
Em abril, o brasileiro afirmou que "Putin não pode ficar com o terreno da Ucrânia. Talvez se discuta a Crimeia. Mas o que ele invadiu de novo, tem que se repensar. O Zelensky não pode querer tudo. O mundo precisa de tranquilidade (..) A gente precisa encontrar uma solução".
A Crimeia foi ocupada pela Rússia em 2014, antes da nova ofensiva de Putin iniciada no ano passado.
A proposta foi inicialmente mal recebida por Zelensky, que já afirmou não estar disposto a ceder territórios à Rússia, e vista com ceticismo pelos americanos e europeus. Os membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) têm financiado o esforço bélico ucraniano.
Para o governo ucraniano, a posição do Brasil não é neutra nem equidistante. Ao propor um cessar-fogo para abrir negociações, o Brasil estaria privilegiando a Rússia, que teria congelada suas posições de ocupação de territórios ucranianos e ganharia tempo para preparar a defesa dessas áreas.
Também gerou frustração que o assessor internacional de Lula, Celso Amorim, tenha feito uma visita a Putin e demorado para repetir o gesto com Zelensky - o que foi percebido como mais um sinal de uma posição pró-Kremlin do Brasil.
O governo Lula nega e diz que pra manter a posição de imparcialidade, o presidente brasileiro até agora evitou visitas a Moscou.
Em maio, durante o encontro do G-7, em Hiroshima, no Japão, do qual tanto Zelensky quanto Lula participaram na condição de convidados, havia a expectativa de que eles se reunissem, mas a viagem acabou em desencontro.
Segundo o governo brasileiro, Lula ofereceu quatro horários ao colega na ocasião, mas nada agradou ao ucraniano. Já Zelensky disse que foi Lula quem demorou a responder ao pedido de conversa.
"No G-7, Zelensky foi tratado como um super star pelos americanos e os europeus. Estava em busca de armas e ficou soberbo, viu o encontro com Lula como algo menor", disse à BBC News Brasil um auxiliar de Lula.
Na ocasião, Zelensky estava preparando a contraofensiva à Rússia a ser lançada no verão, no Hemisfério Norte, e buscava abastecer seu arsenal. Lula já havia dito q Scholz e a Biden que o Brasil não cederia armamentos à Ucrânia.
"Nós nem temos armamentos pra ceder", disse o senador Jaques Wagner (PT-BA) nesta segunda, em tom de piada, ao confirmar que a posição do Brasil pela solução diplomática não deve se alterar depois da conversa com o ucraniano.
Wagner deverá participar da conversa com Zelensky, além do assessor internacional Celso Amorim e do chanceler Mauro Vieira.
Agora, porém, o momento de Zelensky é diferente em relação a maio, notam diplomatas brasileiros. Auxiliares de Lula vêem Zelensky em sua "maior baixa de popularidade" desde o início do conflito.
Ainda sem resultados militares robustos na contraofensiva à Rússia, tendo tido que demitir seu ministro da defesa recentemente sob alegações de corrupção e recebido críticas públicas sobre sua estratégia militar dos americanos, os maiores financiadores do esforço bélico ucraniano, Zelensky não atravessa uma boa fase e talvez isso tenha aumentado sua disposição para encontrar com Lula.
"O presidente brasileiro é um líder global e certamente uma figurinha que faltava no álbum de fotos de Zelensky", diz outro embaixador brasileiro que participa das negociações de bilaterais na ONU.
Há alguns dias, o chanceler ucraniano Dmitri Kuleba ligou ao colega brasileiro Mauro Vieira para pedir o encontro com Lula em NY, o que levou os brasileiros a se questionar se Zelensky estaria agora mais interessado em saídas diplomáticas que Lula possa ajudar a costurar e menos em armas - que o Brasil já afirmou que não dará.
No ano que vem, com as eleições americanas, é possível que a principal fonte de financiamento dos ucranianos, o governo dos EUA, seque. E faltaria a Zelensky uma maior entrada com países do Sul Global, interlocução que Lula poderia ajudar a fazer.
Tudo isso, no entanto, a depender da disposição do ucraniano de cumprir a agenda e ao desenrolar da conversa, ressaltam os diplomatas brasileiros, que não escondem o clima de desconfiança que cerca a realização da reunião.
Mudanças de horários e cancelamento de compromissos são comuns às margens da Assembleia Geral da ONU, mas um novo desencontro entre Zelensky e Lula geraria ruídos políticos de parte a parte, o que o Brasil quer evitar.
O temor é que o ucraniano acabe por eclipsar as prioridades de Lula na viagem: seu discurso de abertura na Assembleia Geral da ONU nesta terça e o encontro bilateral com Biden, na quarta.
A expectativa é que Zelensky se desloque ao hotel onde Lula está hospedado. O brasileiro tem tentado restringir ao máximo sua circulação por conta das dores no quadril.
Depois de voltar ao Brasil, o presidente será submetido a uma cirurgia para sanar o desgaste na cabeça do fêmur que o acomete.
Fonte: correiobraziliense
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