Pauline Newman, de 96 anos, ocupa um cargo vitalício como juíza federal dos EUA.
Embora queira continuar trabalhando, ela está no meio de uma batalha judicial com colegas que querem que ela se aposente.
Os EUA tornaram-se um dos centros de debates sobre se as pessoas na esfera política em algum momento se tornam velhas demais para liderar.
Os principais candidatos às eleições presidenciais dos EUA em 2024 são Joe Biden, que aos 80 anos tem o dobro da idade do americano médio; e Donald Trump, de 77 anos, que está mais de uma década além da "idade normal de se aposentar" – 65 anos, quando os americanos podem receber seus benefícios de aposentadoria.
No Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva – hoje com 77 anos – terá 81 se vier a se candidatar à reeleição em 2026, como defendido pelo PT em resolução do diretório nacional do partido, publicada em agosto.
Para além das discussões sobre o fato de as gerontocracias – sociedades governadas por pessoas mais velhas – normalmente não serem representativas da sua população, existem outras preocupações.
Um foco principal é a aptidão mental. A neurociência e a psicologia indicam que o desempenho cognitivo varia muito à medida em que as pessoas envelhecem, tornando difícil determinar se alguém pode ser velho demais para liderar.
E embora algumas competências tendam a diminuir com a idade, outras melhoram. Alguns "super idosos" até possuem a acuidade mental de pessoas muitas décadas mais jovens que eles.
Então, com qual idade alguém se torna "velho demais" para liderar – ou esta é a pergunta errada?
O volume do cérebro diminui com o tempo. Em pessoas saudáveis, o córtex pré-frontal é a região do cérebro com maior perda de volume relacionada à idade, de aproximadamente 5% por década.
Por meio de suas ligações a outras partes do cérebro, ajuda a gerir a função executiva: um conjunto complexo de processos mentais que podedria ser comparado a um termostato ou ao maestro de uma orquestra.
É fundamental para discussões sobre capacidades de liderança porque está envolvido em áreas como resolução de problemas, estabelecimento de metas e controle de impulsos.
A função executiva diminui gradualmente a partir dos 30 anos de idade, e isso acelera à medida que chegamos aos 70 anos.
A doença da substância branca – um grupo de condições causadas por danos na substância branca do cérebro – também contribui para a disfunção executiva e afeta cerca de um terço das pessoas com 65 anos ou mais.
A disfunção executiva pode se manifestar na redução do controle dos impulsos e no aumento da repetição de pensamentos e comportamentos.
Uma proporção significativa de pessoas com mais de 65 anos tem algum comprometimento das funções executivas.
"Acho que, como ponto de ruptura geral, 65 anos é razoável", diz Mark Fisher, que dirige o Centro de Neuropolítica da Universidade da Califórnia, Irvine.
Outras mudanças estruturais no cérebro também se solidificam por volta desta idade – foi demonstrado que a velocidade de processamento mental diminui por volta dos 60 anos de idade, num estudo que utilizou dados dos EUA.
O "limite" de 65 anos estaria relacionado aos EUA, onde a expectativa de vida global ao nascer é de 76 anos.
No entanto, pode ser diferente em países com expectativas de vida e sistemas de saúde marcadamente distintos (e há também desigualdades raciais e outras disparidades substanciais nos EUA que afetam a longevidade).
Por exemplo, a expectativa de vida dos homens nos EUA é de 73 anos. Isto é inferior à dos países mais ricos, mas muito superior à expectativa de vida de 60 anos dos homens em Camarões, cujo presidente, Paul Biya, de 90 anos, é considerado o líder nacional mais velho do mundo.
A expectativa de vida ao nascer não conta toda a história da longevidade, uma vez que este número é reduzido por fatores como a mortalidade infantil.
Por exemplo, uma pessoa de 80 anos nos EUA poderia esperar viver mais uma década.
Isto significa que, na realidade, não existe uma regra rígida e rápida para quando, ou mesmo se, uma pessoa será significativamente afetada pelo declínio da função executiva – especialmente quando se leva em conta que nem todos temos a mesma proficiência.
Fisher explica que, em geral, as médias podem esconder as expectativas de longevidade saudável e aptidão cognitiva, dado o que ele chama de uma "tremenda variabilidade individual" nas funções executivas.
"A bateria de testes seria a melhor maneira de determinar formalmente a função executiva de alguém, mas haverá uma grande variação em termos de como os indivíduos funcionam", diz Fisher.
Um diferencial são as comorbidades: múltiplas condições como doenças cardíacas, colesterol alto e hipertensão.
Tudo isso pode afetar a função cerebral, especialmente a função executiva. E embora o envelhecimento nem sempre venha acompanhado de doenças, torna-as mais prováveis.
De acordo com Fisher, "a hipertensão é, provavelmente junto com o próprio envelhecimento, o fator mais importante e de maior impacto no envelhecimento do cérebro como um todo e também na função executiva".
Assim, o diagnóstico precoce e o tratamento da hipertensão são uma importante área de intervenção para proteger a saúde do cérebro.
E, positivamente, esta é uma área onde os tratamentos e o conhecimento melhoram regularmente, diz Fisher.
Há também variação em quais partes do cérebro podem compensar outras que apresentam algum dano relacionado à idade.
Embora o cérebro seja geralmente muito maleável e muitos de nós possamos compensar parcialmente as interrupções em uma parte do cérebro "recrutando" outras partes da rede, outros experimentarão uma falha de compensação nos moldes da doença de Alzheimer, explica Mark Mapstone, neurocientista translacional da Universidade da Califórnia.
No entanto, nem tudo são más notícias. Existem alguns aspectos em que cérebros mais velhos apresentam melhor desempenho. Embora a capacidade de absorver novas informações diminua muito mais cedo, a capacidade de direcionar e agir com base nas informações pode melhorar até os 70 anos.
Assim, embora as pessoas de 70 anos provavelmente processam novas informações mais lentamente do que as de 30 anos, elas podem conseguir sintetizá-las melhor.
Mapstone diz que pessoas de 60 anos normalmente têm vocabulário melhor do que pessoas de 20 anos e, portanto, podem substituir melhor as palavras.
Por exemplo, um estudo descobriu que as pontuações de vocabulário aumentam até os 60 anos de idade.
"O que acontece com os cérebros mais velhos é que eles melhoram o que é chamado de inteligência cristalizada", explica Rose McDermott, especialista em psicologia política na Universidade Brown.
"Você tem esses tipos de esquemas estabelecidos e maneiras de pensar sobre as coisas. E você é capaz de integrar novas informações em estruturas existentes com muito mais rapidez e, em muitos casos, de forma criativa do que quando era mais jovem, porque não possui o mesmo grau de base de conhecimento."
Algumas pessoas, conhecidas como "super idosos", retêm as funções cognitivas de pessoas muito mais jovens. São pessoas com 80 anos ou mais e com a saúde cognitiva daquelas duas a três décadas mais jovens.
Os super idosos apresentam neurônios maiores e mais saudáveis no córtex entorrinal, uma parte do cérebro crítica para a memória. Não é novidade que eles se saem melhor em testes de memória do que seus pares.
A atividade física, a estimulação mental e a conexão social são importantes para preservar o tecido cerebral e a função cerebral.
A liderança política certamente proporciona pelo menos o desafio mental e a ligação social, e é provável que as pessoas poderosas também tenham muitos privilégios, incluindo segurança financeira e acesso a cuidados de saúde de excelência. Alguns cientistas consideram líderes como Biden super idosos.
No entanto, embora o envelhecimento apresente alguns desafios cognitivos em geral, pode apresentar problemas adicionais para os líderes políticos.
"A flexibilidade cognitiva no pensamento e na resolução de problemas é uma forma essencial de cognição para os líderes políticos se destacarem, a fim de tomarem decisões de boa qualidade sob incerteza e risco", observa Barbara Sahakian, professora de neuropsicologia clínica na Universidade de Cambridge, no Reino Unido.
No entanto, a flexibilidade cognitiva geralmente diminui com o tempo.
Algumas alterações mentais associadas à idade podem ser particularmente alarmantes para os eleitores. Por um lado, parece que o envelhecimento cerebral pode afetar as atitudes políticas.
Um novo estudo realizado por Fisher e colegas, sobre aposentados do sul da Califórnia com uma idade média de 95 anos, descobriu que, embora a ideologia política tenha permanecido globalmente consistente durante um período de seis meses, as pessoas com deficiência cognitiva mostraram inconsistência entre a sua orientação política e as escolhas políticas.
"Parece que isto é uma consequência do comprometimento cognitivo, que o comportamento político de alguém se torna relativamente desvinculado de sua posição política declarada", comentou Fisher.
No entanto, a "neuropolítica", o campo combinado da neurociência e da ciência política, tem os seus críticos.
Alguns estudiosos da deficiência argumentam que é simplista encontrar explicações biológicas para comportamentos políticos, por exemplo.
Dadas as evidências dos efeitos do envelhecimento no cérebro, Fisher e alguns colegas de diferentes disciplinas defendem avaliações cognitivos para os políticos, que não dependeriam necessariamente da idade.
"Vemos a triagem cognitiva como algo análogo às divulgações financeiras que muitas vezes se espera que os políticos façam", diz ele.
A função cognitiva é avaliada principalmente através de uma avaliação neuropsicológica – um conjunto de testes padronizados que podem ser tão detalhados e extensos que se estendem por vários dias, explica Mapstone.
Manijeh Berenji, especialista em medicina ocupacional e membro do corpo docente clínico da UC Irvine, acredita que estas avaliações dos políticos podem ser viáveis e justas.
No entanto, o conceito é altamente controverso e politizado.
A candidata presidencial republicana Nikki Haley tem liderado pedidos para que políticos com mais de 75 anos sejam submetidos a testes de competência mental. Mas a abordagem foi criticada como preconceituosa e difícil de implementar.
Hans Förstl, professor emérito de psiquiatria na Universidade Técnica de Munique, na Alemanha, acredita que seria difícil para uma avaliação captar a complexidade cognitiva e as exigências de ser um chefe de Estado.
"As atividades da vida diária, o desempenho cognitivo durante rotinas diárias e desafios são decisivos, não o desempenho durante um teste mais curto ou mais longo", diz Förstl.
"As exigências impostas a um chefe de Estado são excepcionais em todos os aspectos; nenhum teste seria capaz de avaliar essa combinação de aptidão, inteligência, experiência e sabedoria."
McDermott, por sua vez, pensa que, embora os testes sejam suficientemente sólidos, nos EUA a ideia não é viável por razões políticas.
Dada a natureza polarizada das crenças em torno de certos políticos, ela se pergunta: "Se eles fossem aprovados, a população acreditaria?"
Alguns analistas veem o debate sobre os candidatos às eleições presidenciais de 2024 nos EUA como uma oportunidade para chamar a atenção para o "etarismo tóxico" – e para a necessidade de apoio aos trabalhadores mais velhos em geral.
Quer gostemos ou não, muitos especialistas acreditam que é provável que todos tenham de trabalhar durante mais tempo no futuro.
No entanto, outros discordam. De acordo com uma sondagem da Associated Press e do instituto de pesquisa Norc Center for Public Affairs, a maioria dos eleitores vê a idade do presidente dos EUA, Joe Biden, como uma preocupação significativa.
Enquanto isso, uma pesquisa recente da CBS e da empresa de análise de dados YouGov descobriu que a maioria dos entrevistados achava que seria "muito difícil" alguém ocupar um cargo eletivo como presidente dos EUA com mais de 75 anos – o que excluiria tanto Biden quanto Trump.
Qualquer que seja a percepção da população, é difícil imaginar que testes cognitivos possam finalmente encerrar o debate.
Fonte: correiobraziliense
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