As mesmas medidas que ajudam as pessoas a reduzir o consumo de energia quando estão em casa, em viagem ou no trabalho, podem também diminuir significativamente as emissões de gases do efeito estufa, segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (IPCC, na sigla em inglês).
O motivo é que, com menor demanda de energia, menos eletricidade de baixo carbono precisa ser gerada para substituir os combustíveis fósseis e atingir a neutralidade de carbono.
Viver com menos uso de energia foi algo importante na Europa durante o último inverno, quando a invasão da Ucrânia pela Rússia restringiu o fornecimento de gás, fazendo com que os preços da energia disparassem.
E, para evitar a escassez de energia, a França implementou um "plano de sobriedade" para reduzir o consumo total de energia em 10% no prazo de dois anos.
A experiência francesa serve de exemplo para os demais países sobre como administrar altos preços de energia e atingir a neutralidade de carbono, com a possibilidade de outra crise energética iminente no inverno europeu.
Ela demonstrou que as medidas de autossuficiência podem reduzir o consumo de energia e cortar rapidamente as emissões de carbono que geram as mudanças climáticas.
Mas são necessárias mudanças mais profundas na forma de organização da sociedade para maximizar a possível contribuição dessas medidas para a descarbonização.
As medidas de autossuficiência energética pretendem limitar a quantidade de energia consumida para atender às necessidades da população. Elas podem incluir a redução do termostato do sistema de aquecimento ou passar a andar a pé ou de bicicleta, em vez de dirigir.
O plano de sobriedade energética da França em outubro de 2022 continha 15 medidas, incluindo a temperatura máxima de 19 °C nos edifícios públicos, apoio ao teletrabalho e ao compartilhamento de carros e a redução da intensidade ou desligamento da iluminação pública em certos horários.
O plano também incluiu subsídios para a instalação de sistemas de aquecimento mais eficientes, como bombas de calor.
Para reduzir o risco de apagões, o plano enviava um alerta por meio de um aplicativo denominado Ecowatt, três dias antes que o fornecimento de energia previsto caísse abaixo da demanda. O alerta pedia às residências que reduzissem seu consumo de energia, desligando aparelhos elétricos ou evitando utilizá-los em horários de pico, como o início da noite.
Aliado às pessoas que passaram a usar menos energia de qualquer forma devido ao aumento dos preços, o plano de sobriedade reduziu o consumo de energia elétrica em dezembro em quase 10%, em comparação com os anos anteriores. Esta redução variou entre os diferentes setores, de 12% na indústria até 7% nas residências, cafés, lojas e restaurantes.
Enquanto isso, proporcionalmente às diferenças de temperatura, o consumo de gás natural foi 17% menor que no inverno anterior.
Considerando que é preciso reduzir o consumo de combustíveis fósseis para combater as mudanças climáticas, o que a experiência da França revelou sobre os esforços necessários para a descarbonização?
Durante o inverno de 2022, as emissões da França caíram em cerca de 8%, em comparação com os níveis anteriores à pandemia.
Em uma pesquisa com 12 mil pessoas, conduzida pelo operador do sistema elétrico francês, a maioria delas indicou que poderá estar disposta a manter as ações tomadas durante o inverno europeu de 2022-2023.
É uma notícia alentadora. As medidas de autossuficiência não apenas reduziram as emissões de carbono por alguns meses, mas a ausência de reações adversas significativas também indica que as pessoas podem ser mais receptivas a medidas similares para restringir o uso de combustíveis fósseis.
Em dezembro de 2022, os preços do gás aumentaram em quase 130% em comparação com 2021, enquanto os preços da eletricidade mais do que dobraram em 2022.
As residências das classes mais baixas têm menos possibilidade de reduzir ainda mais seus níveis de uso de energia, que já são baixos, durante períodos de escassez. Elas também têm menos capacidade de investir em sistemas de uso mais eficiente de energia.
Já as residências das classes mais altas podem reduzir seu consumo com mais facilidade, mas seu uso é menos sensível aos aumentos do custo da energia.
A pesquisa revelou que os sistemas de aquecimento mais baratos, invariavelmente, eram os mais procurados.
Mas muitas pessoas eram relutantes ou não tinham condições de adotar essas alternativas de uso eficiente de energia, sem terem a garantia de contar com o mesmo nível de serviço e sem subsídios para cobrir o custo da instalação.
Na verdade, o plano francês de sobriedade incluiu apoio financeiro para que as residências substituíssem os sistemas de aquecimento a óleo. O subsídio foi oferecido com base na renda e podia atingir até 15,5 mil euros (cerca de R$ 80,6 mil).
Embora os preços mais altos possam induzir pequenos cortes da demanda de energia, alterações maiores para reduzir permanentemente as emissões de carbono precisarão de maiores incentivos ou regulamentação.
A Associação négaWatt elabora modelos de cenários de transição energética na França. Ela trouxe pela primeira vez o conceito de "sobriedade" ao debate público 10 anos atrás.
Como resultado, a França estabeleceu a meta de reduzir o consumo total de energia em 50% até 2050, em comparação com 2012. Mas muito poucas políticas foram adotadas desde então para atingir este objetivo.
Nos últimos anos, o consumo total de energia caiu, principalmente devido às restrições da covid-19.
Neste particular, o plano de sobriedade de energia marca uma mudança no comportamento do governo, embora as medidas de autossuficiência tenham sido adotadas devido a preocupações com a segurança energética e custos – não pela neutralidade de carbono.
Para usufruir completamente dos benefícios climáticos das medidas de autossuficiência energética, a França precisa ir além do plano atual.
A redução do uso de energia para atingir o objetivo nacional exige a integração da autossuficiência energética a um processo mais amplo de transformação da sociedade.
*Ariane Millot é pesquisadora de modelagem de sistemas energéticos do Imperial College de Londres.
*Steve Pye é professor de sistemas energéticos do University College de Londres.
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado sob licença Creative Commons. Leia aqui a versão original em inglês.
Fonte: correiobraziliense
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