Quando ocorrem danos parciais na medula espinhal, a paralisia inicial pode ser seguida por uma espontânea e natural recuperação da função motora. No entanto, em casos de lesões completas, isso não acontece. Nesse caso, para obter uma reabilitação significativa, são necessárias estratégias que promovam a regeneração das fibras nervosas, que têm papel fundamental na comunicação entre diferentes partes do corpo, transmitindo sinais elétricos e informações. Agora, pesquisadores dos Estados Unidos e da Suíça descobriram que, para restabelecer a atividade funcional após a lesão medular grave, o crescimento dos neurônios e de suas fibras deve ser direcionado até suas regiões-alvo naturais. A equipe testou a abordagem em ratos e obteve resultados promissores: os animais voltaram a andar.
O tratamento desenvolvido fez com que os axônios — um tipo de fibra nervosa que permite a comunicação entre os neurônios — voltassem a crescer após uma lesão na medula espinhal. As cobaias recuperaram a capacidade de andar, exibindo padrões de marcha semelhantes àquelas que restabeleceram a habilidade naturalmente após lesões parciais.
Mark Anderson, autor sênior do estudo, conta que alcançar a recuperação funcional nas cobaias foi um grande desafio. Primeiro, o grupo precisou descobrir se seria possível regenerar as fibras nervosas. "Há cinco anos, demonstramos que é possível regenerar as fibras nervosas em lesões anatômicas completas da medula espinhal. No entanto, também observamos que isso não é suficiente para restaurar a função motora porque as novas fibras não conseguem estabelecer conexões adequadas do outro lado da lesão", detalha, em nota, o cientista do Wyss Center for Bio and Neuroengineering, nos Estados Unidos.
Bernardo Drummond Braga, chefe do Departamento de Coluna do Instituto de Neurologia de Goiânia, reforça que a maior dificuldade na regeneração é, de fato, o neurônio encontrar o outro lado. "Em uma lesão medular completa, ocorre a perda da comunicação do cérebro com a parte desconectada da medula. Uma informação que sai do cérebro para mover a perna não consegue atingir a musculatura responsável pelo movimento. Por ser uma lesão completa, todas as funções dos neurônios da medula são perdidas", conta.
O médico brasileiro compara a situação ao rompimento de uma corda de sisal cheia de pequenos filamentos. "Ligar a corda de volta, filamento por filamento, parece impossível. Agora imagine se essa conexão de filamento por filamento não for realizada com as pontas corretas. Ou seja, se o fio do braço for conectado errado ao da perna. Isso não traria uma resposta funcional adequada, e o grupo combinado de impulsos nervosos não levaria a uma função ordenada."
No novo estudo, Anderson e os colegas buscaram descobrir se direcionar a regeneração de axônios de subpopulações neuronais para suas regiões-alvo naturais poderia levar a uma restauração funcional significativa após lesão na medula espinhal. Primeiro, eles usaram análises genéticas avançadas para identificar grupos de células nervosas que permitem a melhora da caminhada após o problema. Para isso, o grupo, incluindo cientistas das universidades da Califórnia e de Harvard, usou equipamentos de última geração da Escola Politécnica Federal de Lausana, na Suíça.
"Nossas observações usando sequenciamento de RNA nuclear unicelular não apenas expuseram os axônios específicos que devem se regenerar, mas também revelaram que esses axônios devem se reconectar aos seus alvos naturais para restaurar a função motora", afirma, em nota, Jordan Squair, o primeiro autor do estudo, publicado na edição desta semana da revista Science.
Depois, partiu-se para o processo de regeneração, que foi desenvolvido em três etapas principais. "Primeiro, programas de crescimento desativados em células nervosas são reativados. Segundo, substâncias nas quais as fibras nervosas podem crescer são induzidas na área da lesão, permitindo que os axônios se regenerem através da lesão. Terceiro, são fornecidas substâncias que atraem e orientam as fibras nervosas para que cresçam de volta às suas regiões alvo naturais", explica Michael Sofroniew, autor sênior do estudo e professor da Universidade da Califórnia.
Segundo o pesquisador, os resultados indicam que uma combinação certa de intervenções possibilita a regeneração de fibras nervosas e guiá-las até suas regiões-alvo naturais."Se isso for alcançado, algum grau de recuperação da função é possível. Até agora, a recuperação foi apenas parcial e longe do normal, mas é encorajadora", avalia.
Francisco Gondim, neurologista da Academia Brasileira de Neurologia, acredita que o caminho ainda é longo até a possibilidade de que a abordagem seja utilizada em humanos. "Esse tipo de regeneração segue princípios diferentes da em animais experimentais. Em animais, principalmente camundongos e ratos, ela ocorrerá de modo mais facilitado", explica. "Trata-se de uma descoberta importante como um novo princípio terapêutico, mas, até que possa ser testado em humanos, a distância é muito longa."
Segundo o médico, muitas terapias com resultados satisfatórios em animais não tiveram o mesmo efeito em humanos. "O princípio abordado no trabalho faz sentido e, eventualmente, deverá ter utilidade clínica, mas pode demorar décadas. Daí a necessidade de moderar as expectativas dos pacientes. É um campo difícil e complexo."
Os pesquisadores também reconhecem que promover a regeneração em modelos maiores que roedores é mais complexo e requer outras estratégias. Grégoire Courtine, autor sênior do estudo, indica a possibilidade de uma combinação de estratégias. "Esperamos que a nossa terapia genética atue em sinergia com os nossos outros procedimentos que envolvem estimulação elétrica da medula espinhal. Acreditamos que uma solução completa para o tratamento de lesões na medula espinhal exigirá ambas as abordagens, terapia genética para regenerar as fibras nervosas relevantes e estimulação da medula espinhal para maximizar a capacidade tanto dessas fibras quanto da medula espinhal abaixo da lesão de produzir movimento", diz o pesquisador da instituição suíça.
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