Imagine uma criança que não pode brincar. Que tem dificuldade para mastigar e engolir porque a traqueia está fechada – e, por isso, é submetida a cirurgias recorrentes –, e, ainda por cima, sofre com dores crônicas. A descrição faz parte de uma lista de sintomas e limitações físicas associadas à epidermólise bolhosa (EB), doença genética que, entre outros sintomas, causa bolhas internas e externas pelo corpo.
No Brasil, calcula-se que haja 5 mil pacientes da EB. Em Uberaba, no Triângulo Mineiro, o Hospital Pênfigo, fundado em 1957, é uma das poucas unidades hospitalares que tratam a enfermidade. A fundadora da instituição, Aparecida Conceição Ferreira, amiga de Chico Xavier, sempre contou com doações diversas, incluindo parte da receita arrecadada com os livros psicografados pelo médium.
A doença não tem cura. O tratamento depende de uma equipe de profissionais especializados em várias áreas da medicina e que podem apenas prescrever cuidados paliativos - curativos e cirurgias para "enxugar gelo", descreve Ana Luiza Muzzi, mãe do Theo, de 5 anos.
Depois de uma breve relato sobre a história de Theo, que a faz ficar com os olhos marejados, Ana Luiza faz uma pausa e adianta que em breve travará outra batalha, que acontece cotidianamente – em consultórios médicos, hospitais e em casa, onde uma home-care foi montada para suprir os cuidados que a doença exige.
Ela garante que o filho vai frequentar uma escola. "Nem que seja com o acompanhamento de uma enfermeira", afirma. Um pouco antes, a reportagem do Estado de Minas conversou com Cláudia Maria Portela Euletério, de 64 anos, que só pôde concluir o ensino médio graças a professores particulares contratados pelos pais.
A história de Cláudia é única não só por fazer parte de um grupo acometido por uma doença rara, mas por sua sobrevida, já que a expectativa de vida de quem sofre com EB é, em média, de 20 anos. "O que trouxe você até aqui?", pergunta a reportagem. "Os meus pais, a minha família (irmãos e primos) e a minha fé. Penso que eu tenho uma missão", responde ela.
Cláudia fundou a primeira associação de pacientes da EB em Minas Gerais e trouxe a Debra Internacional para o Brasil. A Associação Nacional de Epidermólise Bolhosa (Debra) foi fundada em 1978, no Reino Unido, por um casal de médicos que teve um filho diagnosticado com a EB. Ela conta que, até a idade adulta, não chegou a conhecer ninguém que teve o diagnóstico confirmada da doença. A irmã mais velha de Cláudia, por sinal, morreu aos três meses de idade, mas não teve diagnóstico de EB.
A missão de Cláudia já rendeu quatro congressos da Debra Brasil, que reúne pacientes, parentes, amigos e profissionais afins ao tratamento da doença. Neste ano, o encontro foi sediado em Belo Horizonte, nesta sexta-feira (22/09), no Palácio das Mangabeiras, antiga residência oficial dos governadores mineiros.
Nele, a reportagem encontrou uma artista brasileira, aclamada pela crítica nacional e internacional – a balarina e coreógrafa Deborah Colker. "Theo é o meu primeiro neto e sou apaixonada por ele", contou à plateia. À reportagem, a bailarina revelou a experiência dolorosa que foi descobrir, no nascimento do neto, a epidermólise bolhosa.
Theo nasceu já com as marcas em um pé, na mão e na cabeça. Um atrito qualquer pode provocar as bolhas, que precisam ser estouradas com seringas – para evitar lesões mais graves – higienizadas e tratadas com curativos específicos, que costumam ser caros. Mas Deborah corrige a reportagem: "não são caros. São necessários", pontua. Em média, um paciente precisa R$ 30 mil mensais para ser cuidado adequadamente.
O 4º Congresso Debra Brasil trouxe uma esperança para os pacientes de EB. A partir do mês que vem, começa a ser comercializada nos Estados Unidos uma injeção que poderá minimizar o sofrimento provocado pelo estouro das bolhas.
O presidente da Debra Brasil, o administrador de empresas Leandro Rossi, tio de Theo, de três anos, filho da Maria Luiza, contou que o medicamento, além de minimizar o sofrimento das dores provocadas pelas bolhas e diminuir sequelas, ainda traz a promessa de diminuir em até 90% o risco de carcinomas.
Em função dessa esperança, Deborah Colker se despediu apressada da repórter para entrar na sala onde acontecia a palestra sobre o novo medicamento. Afinal, essa é uma "doença cruel", lembra a coreógrafa. Com sequelas não só físicas, mas também psicológicas.
E foi pensando nisso que Larissa Miranda Teixeira, 26 anos, que vive as agruras da doença, formou-se este ano em psicologia. "O meu próximo desafio é começar a atender na clínica. A minha vivência pode ajudar pessoas a enfrentar seus desafios", diz.
O operador de retroescavadeira Edson de Oliveira, pai de dois filhos com EB, contou que o maior desafio é ver os filhos sofrendo com a dores e as limitações provocadas pela doença. Não bastasse isso, ele precisou entrar na Justiça para garantir tratamento adequado para Caio, de 2 anos, e Gulherme, de 15 anos. "Eles sofrem mais do que a gente, é claro. Mas doí muito ver o sofrimento deles", lamenta.
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