Uma dieta vegana é caracterizada pela exclusão de qualquer produto que tenha origem animal, enquanto os vegetarianos incluem laticínios e ovos em suas refeições. Essas escolhas são frequentemente motivadas por preocupações éticas, ambientais, de saúde ou por amor aos animais. Quando bem equilibradas e planejadas, podem apoiar a saúde geral e o bem-estar dos adeptos humanos — pesquisas as relacionam, por exemplo, a riscos menores de problemas cardiovasculares. Agora, estudos científicos revelam que essa também é uma alternativa viável na hora de escolher o cardápio dos pets. Cientistas e veterinários debatem os prós e os contras da prática que, muitas vezes, passa do tutor para os bichinhos.
Um estudo realizado na Universidade de Winchester, no Reino Unido, e publicado, neste mês, na revista Plos One mostra que gatos com dietas veganas são mais saudáveis que aqueles cujo regime inclui derivados de animais. Segundo o trabalho, muitos alimentos para os pets tradicionalmente têm carne cozida como principal fonte de proteína, mas, atualmente, uma variedade crescente de produtos adota fontes alternativas, como plantas ou fungos. Porém, veterinários têm dúvidas sobre a possibilidade de a ausência de carne, ovos e laticínios ser mais saudável.
Para avaliar a segurança dessa forma de alimentação, Andrew Knight, autor principal, e colegas analisaram um questionário respondido por 1.369 tutores. Os participantes, que tinham apenas um gato, relataram informações sobre como os animais eram alimentados — dieta vegana (9%) e baseada em carne (91%) — por pelo menos um ano. Os itens envolviam uma série de perguntas sobre a saúde dos pets e o regime adotado.
Os participantes relataram que as dietas veganas estavam associadas a um menor risco em vários indicadores de saúde. Por exemplo, esses tutores tendiam a reportar menos visitas a clínicas veterinárias, menos uso de medicamentos e uma maior probabilidade de que os veterinários descrevessem os gatos como saudáveis. A pesquisa também investigou 22 distúrbios de saúde nos tutores, com 37% dos veganos relatando pelo menos um problema, contra 42% entre os humanos que comiam carne.
Na avaliação dos autores, os resultados apoiam a viabilidade das dietas veganas para gatos, mas ainda é preciso analisar detalhadamente o conteúdo de nutrientes desse regime alimentar, ponderam. "As evidências consolidadas, agora, claramente apoiam o uso de dietas veganas nutricionalmente equilibradas. Essa é a dieta mais provável, com base nas informações científicas disponíveis, para quem busca uma boa saúde animal", enfatiza Knight.
Segundo o pesquisador, essa também é uma alternativa para animais alérgicos. "Quando as dietas são livres de riscos comuns da alimentação à base de carne, especialmente alérgenos de origem animal, os benefícios para a saúde parecem estar associados comumente à redução de problemas ligados a alergias tanto em gatos quanto em cães alimentados com dietas veganas", explica.
Menos riscos
Um estudo mais antigo, também da Universidade de Winchester, obteve resultados semelhantes ao avaliar mais de 2.500 cães. Os achados, publicados em 2022 na revista Plos One, revelam que dietas veganas nutricionalmente saudáveis podem ser melhores e menos perigosas do que alimentos convencionais ou à base de carne crua. A análise dos resultados da pesquisa, feita por meio de questionários, indicou, ainda, que, em geral, os cães com dietas tradicionais parecem ter uma saúde menos robusta.
Para os autores, porém, existem fatores que dificultam concluir que as dietas de carne crua são a opção mais saudável para os cães. Os animais do estudo que comiam carne crua eram mais jovens, o que pode explicar parte das diferenças observadas. Além disso, eram menos propensos a visitar um veterinário. Embora isso possa indicar uma melhor saúde, estudos anteriores sugerem que os tutores de cães com dietas de carne crua tendem a procurar menos atendimento médico para os pets.
Conforme os autores, é necessário realizar mais pesquisas para confirmar se a carne crua ou as dietas veganas têm impactos distintos na saúde dos animais. Eles sugerem que estudos abrangentes e de longo prazo — envolvendo cães com diversos tipos de alimentação, informações de exames veterinários e registros médicos — podem oferecer resultados mais confiáveis.
"Seria insano"
No dia a dia da escritora e instrutora de yoga Shirlene Moreira, 37, os benefícios parecem ser evidentes. Ela é vegetariana há 15 anos e caminha rumo ao veganismo. Tutora do cachorro Fofinho, também incluiu o vegetarianismo na rotina do mascote da família. "Não acredito que meu pet gostaria de comer outros animais, isso seria insano. Se incluir carne na alimentação fosse sinônimo de saúde, eu também comeria. Mas não há comprovação que me leve a querer oferecer qualquer tipo de animal ao meu amigo. O veterinário dele nunca falou algo do tipo. Se falasse, eu trocaria a dieta. Ele nunca ficou doente comendo assim, mas passou muito mal quando ingeriu carne", relata.
Marina Zimmermann, veterinária da Clínica Vet do Bem, em Brasília, e nutróloga veterinária, conta que não recomenda a alimentação vegana e vegetariana aos clientes. "Para ser adequada, ela necessita de muita suplementação, e o tutor deve seguir à risca a dieta. Cães e gatos são carnívoros e, para essa dieta suprir as necessidades fisiológicas da espécie, demanda muito esforço", justifica.
Segundo a especialista, mesmo que esse regime alimentar supra as necessidades do animal, ainda há riscos. "Pode trazer problemas e complicações, como excesso de carboidratos, fatores antinutricionais das leguminosas e resíduos de pesticidas, caso os alimentos não sejam orgânicos", alerta. "Na maioria das vezes, tutores que seguem essa alimentação querem a mesma dieta para seus animais. Em alguns casos, há indicação, como pacientes renais crônicos ou com alergias graves à proteína animal."
Caminho contrário também desafia
"Se feitas de maneira adequada e com o acompanhamento correto, essas dietas podem suprir as necessidades do bicho. Conseguimos balancear macro e micronutrientes, pois dispomos de muitos suplementos e ferramentas para chegar até lá. A questão é: A que custo? Quão duradoura seria essa dieta quando não respeitamos a fisiologia e anatomia do indivíduo? Grande parte do meu trabalho é baseada em fazer o caminho contrário, pois, hoje, os animais já se alimentam de forma mais 'vegetariana' do que carnívora. A maioria das rações tem milho e soja em sua composição. Há excesso de calorias, excesso de carboidratos. A conta chega todos os dias ao consultório. Atendendo diariamente animais com fígado alterado, problemas endócrinos, problemas de pele e neoplasias. E apenas com mudanças na dieta, conseguimos observar melhoras em 50% a 60% dos casos. Os animais até têm a necessidade desses macronutrientes, mas, como para nós, humanos, essa é uma grande fonte de energia. Se não gastar, é acumulada, gerando um produto final: gordura, que é sinônimo de inflamação."
Camila Mesquita Garcia, veterinária especialista em nutrição
Cientistas da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, investigaram a composição de duas dietas pets veganas. Conforme o trabalho, publicado em março, na revista Journal of Animal Science, o objetivo da equipe era testar se as formulações eram capazes de fornecer todos os nutrientes necessários para cães.
A equipe liderada por Kelly Swanson, professor do Departamento de Ciências Animais da universidade, realizou um teste comparativo envolvendo duas formulações veganas, uma contendo grãos e outra, sem, e as comparou com rações à base de frango. Durante um período de três semanas, eles alimentaram cães da raça beagle com esses diferentes alimentos e coletaram amostras de sangue e fecais. Nesse último caso, para análise do microbioma dos animais.
Os pesquisadores também avaliaram as composições das dietas alimentares utilizadas no estudo. Segundo eles, as formulações veganas foram criadas por nutricionistas veterinários e consistiam em uma mistura de alimentos integrais, incluindo ingredientes como lentilhas, grão-de-bico, batata doce, abóbora, maçã, mirtilo, ervilha e cenoura. Todas as rações atendiam aos padrões estabelecidos pela Associação Americana de Oficiais de Controle de Alimentos (AAFCO) para garantir uma nutrição completa e balanceada aos pets.
Ao observar os resultados, os cientistas notaram que alguns metabólitos — substâncias químicas que indicam o estado de saúde — diferiam entre os animais com dietas veganas e à base de frango. De forma relevante, os triglicerídeos e o colesterol foram significativamente mais baixos em cães alimentados com dietas veganas. A equipe acredita que esse regime pode beneficiar pets obesos e ajudar a manter um peso saudável.
Quando analisaram o microbioma fecal e o que foi produzido por esses micróbios, os investigadores detectaram mudanças positivas que podem ser relacionadas às fibras presentes nas rações veganas. Além disso, os metabólitos fenol e indol, que contribuem para o odor fecal, diminuíram drasticamente em cães alimentados com essas dietas; o que significa que o mau cheiro das fezes diminuiu.
Caseiros
Apesar dos resultados, Swanson pondera que as dietas avaliadas foram formuladas por nutricionistas veterinários, e que os alimentos veganos caseiros podem não fornecer uma nutrição adequada. Para o líder da pesquisa, a questão principal é prover aos animais os benefícios e nutrientes a partir da alimentação, independente dos ingredientes utilizados. "Contanto que consumam os nutrientes essenciais nas quantidades e nas proporções corretas, os cães podem ser veganos, vegetarianos ou carnívoros", afirma, em nota. "No entanto, o conhecimento da composição dos ingredientes e das necessidades é fundamental. Qualquer um pode preparar uma refeição vegana para seu cachorro. Mas sem uma formulação cuidadosa, você pode ter algo realmente desequilibrado."
O alerta também é feito por Thiago Borba, veterinário em Brasília. Ele recomenda cautela na escolha da alimentação oferecida aos pets. "Na natureza, eles não são veganos. Uma adaptação para a nova dieta é algo que deve ser feito seguindo todas as indicações de especialistas em nutrição animal", diz. "Vale ressaltar que essa mudança partirá do dono do pet. Então, o tutor deve estar pronto para fazer de maneira responsável. A fisiologia do trato digestivo de cães e gatos é mais voltada para o consumo de proteína animal. Com isso, a introdução de uma alimentação com outras fontes de proteína deve ser acompanhada diariamente."
Fonte: correiobraziliense
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