26 de Novembro de 2024

Nobel de Física vai para reveladores do mundo oculto dos elétrons


O attossegundo é uma unidade de tempo tão absurdamente efêmera que se torna quase impossível compreender seu conceito. Mas a franco-sueca Anne L'Huillier, o francês Pierre Agostini e o húngaro Ferenc Krauz não apenas sabem o que isso significa: em experimentos separados, conseguiram criar pulsos dessa fração, equivalente a um quintilionésimo de segundo, ou 10 elevado à potência de 18 segundos. Pelos experimentos, venceram, nesta terça-feira (03/10), o Nobel de Física. Os estudos que, segundo a comissão do prêmio, "nos deram o primeiro vislumbre do mundo super-rápido dos elétrons em rotação", poderão levar a avanços em campos tão diversos quanto a medicina diagnóstica e os dispositivos eletrônicos, como o celular.

Ao justificar a premiação, a Real Academia Sueca de Ciências destacou que "um attossegundo é tão curto que há tantos deles em um segundo quantos os segundos que foram registrados desde o nascimento do Universo, há mais de 13 bilhões de anos". Embora no mundo regido pela mecânica a unidade pareça ficção científica, trata-se de algo corriqueiro no dos elétrons, que se deslocam dentro dos átomos — e, consequentemente, das moléculas — a essa velocidade.

"As contribuições dos laureados permitiram os estudos de processos que são tão rápidos que, antes, eram impossíveis de acompanhar e a identificação de diferentes moléculas, por exemplo, em diagnósticos médicos", afirmou o Comitê Nobel. Em seus laboratórios, os físicos desenvolveram métodos experimentais que geram pulsos de luz de attossegundos para o estudo das dinâmicas do elétron na matéria.

"É um trabalho verdadeiramente inovador", define Michael Moloney, presidente do Instituto Norte-Americano de Física (AIP), explicando que os pulsos de laser de attossegundo revelam o 'mundo oculto' da dinâmica dos elétrons dentro dos átomos. Segundo o pesquisador, as ferramentas desenvolvidas pelo trio ajudam a observar o interior atômico na escala dos elétrons que, por se movimentarem rápido demais, eram impossíveis de serem capturados.

"Não tínhamos uma luz estroboscópica rápida o suficiente para resolver o movimento dos elétrons", explica Moloney. "Essa nova janela para o mundo natural nos permite sondar a dinâmica eletrônica em sistemas atômicos e moleculares, que estão no centro das interações químicas e físicas dos materiais que sustentam todas as nossas inovações e tecnologias eletrônicas, químicas e médicas."

Quinta mulher a vencer o Nobel de Física — a primeira foi Marie Curie, em 1903 —, Anne L'Huillier estava dando aula na Universidade de Lund, na Suécia, quando foi interrompida por uma equipe da instituição. Chamada no corredor, onde um grupo de colegas e alunos a aguardava, tinha acabado de receber a ligação do Comitê Nobel. No vídeo divulgado pela assessoria de imprensa, ela se mostra surpresa e mal consegue responder às perguntas feitas por quem a está filmando. Sorridente e bastante emocionada, afirma que a honraria é um incentivo à pesquisa nesse campo. Depois, agradece e volta ao trabalho.

Na coletiva de imprensa organizada pela Universidade de Lund, mais tarde, L'Huillier contou que continuou a aula por mais 30 minutos, ainda se sentindo surpresa. Porém, o nome da física atômica era um dos mais cotados e, no ano passado, venceu o Wolf, um prêmio considerado o "pré-Nobel". Em 1987, a cientista descreveu o fenômeno dos harmônicos, ondas causadas pela interação da luz laser com átomos de gás nobre. A cientista explicou que, além de analisar a movimentação dos elétrons, seus estudos têm aplicações práticas na indústria dos semicondutores e nas técnicas de imagens médicas.

As pesquisas da física atômica abriram caminho para que, em 2001, Pierre Agostini, pesquisador na Universidade Estadual de Ohio, nos Estados Unidos, e também laureado neste ano, produzisse uma série de pulsos de luz consecutivos, cada um com a duração de 250 attosegundos. Ao mesmo tempo, o outro vencedor, Ferenc Krauz, no Instituto Max Planck, na Alemanha, trabalhava em um experimento que permitiu isolar um único pulso, de 650 attosegundos.

Em uma coletiva de imprensa em Garching, perto de Munique, Krausz disse que foi pego de surpresa pela ligação do Comitê Nobel. Ele recebeu o telefonema quando se preparava para apresentações no Instituto Max Planck de Óptica Quântica. "Um prêmio dessa magnitude exige grande humildade", disse. "Não tinha certeza se estava sonhando ou se era realidade."

 French-Swedish physicist Anne L'Huillier, talks to journalists at Lund University, in Lund, Sweden, on October 3, 2023 after the Royal Swedish Academy of Sciences in Stockholm announced that she won the 2023 Nobel Prize in Physics. (Photo by Andreas HILLERGREN / various sources / AFP) / Sweden OUT
Anne L'Huillier (foto: AFP)

Nasceu em Paris. Em 1986, obteve seu doutorado pela Universidade Pierre e Marie Curie e pelo Comissariado de Energia Atômica (CEA) Paris-Saclay. De 1986 a 1995, foi investigadora permanente no CEA e pesquisadora visitante de pós-doutorado na Universidade de Southern California e no Laboratório Nacional Lawrence Livermore National Laboratory. Em 1995, tornou-se docente na Universidade de Lund e promovida a professora titular de física atômica. Foi em 2005, enquanto estava na Universidade de Lund, que seu grupo registrou pulsos de luz a 170 attossegundos usando geração harmônica de alta ordem. L'Huillier ganhou várias homenagens e prêmios, incluindo o Prêmio Wolf em 2022. Em 2021, foi a primeira mulher a ganhar o Prêmio Max Born da Óptica pelo trabalho pioneiro em ciência do laser ultrarrápido e física de attossegundos".

Nasceu na Hungria e estudou física teórica na Universidade Eötvös Loránd e engenharia elétrica na Universidade de Tecnologia de Budapeste. Habilitou-se em física de laser e, desde 2004, é um dos diretores do Instituto Max Planck de Óptica Quântica e professor catedrático e de física experimental na Universidade Ludwig Maximilian de Munique. Krausz recebeu vários prêmios e homenagens ao longo de sua carreira, incluindo o Prêmio Wolf em 2022, ao lado da colega Anne L’Huillier. Em 2009, ele foi nomeado fellow do Instituto Norte-Americano de Física “por contribuições pioneiras no estabelecimento da ciência experimental de attossegundos, gerando luz de poucos ciclos com forma de onda controlada para observação do movimento dos elétrons na escala atômica".

Nascido na Tunísia, foi educado na França, onde cursou pós-doutorado na Universidade Aix-Marseille. Trabalhou como pesquisador no Comissariado de Energia Atômica (CEA) Paris-Saclay, onde, em 2011, desenvolveu uma técnica chamada Rabbitt (reconstrução do batimento de attossegundos por interferência de transições de dois fótons) para medir a largura dos pulsos de luz de attossegundos. Foi por esse trabalho que ele ganhou o Prêmio Nobel. Agostini é, atualmente, professor emérito da Universidade Estadual de Ohio. Ele ganhou o Prêmio William F. Meggers de 2007 “pela liderança no desenvolvimento de experimentos inovadores que fornecem percepções importantes sobre a dinâmica da resposta não linear de átomos e moléculas submetidas a fortes pulsos de laser infravermelho”.

"Essa é uma notícia fantástica e um reconhecimento há muito tempo esperado pela comunidade científica de óptica e lasers ultrarrápidos. Graças à attofísica, podemos, agora, observar processos que ocorrem na natureza em tempos tão curtos quanto trilionésimos de segundo, algo com que, até poucos anos atrás, só podíamos fantasiar. É em um mundo tão breve que ocorre o movimento dos elétrons dentro dos átomos e das moléculas, e desenvolver uma 'câmara' que nos permita observá-los é o primeiro passo para a compreensão dos processos mais fundamentais da natureza. Uma vez compreendidos, podemos dar um passo adiante e manipulá-los, por exemplo, para criar materiais para enfrentar os desafios enfrentados pela nossa sociedade. O trabalho experimental dos professores Anne L'Huillier, Pierre Agostini e Ferenc Krausz foi fundamental para o desenvolvimento dessa 'câmera fotográfica' formada por pulsos de laser com duração de attosegundos (1 attosegundo é 0,00000000000000001 segundo!). Sua criação e caracterização não foram nada fáceis. O processo que conseguiu gerar esses pulsos é chamado de geração harmônica de alta ordem, um processo altamente não linear que combina vários ramos da física: óptica laser intensa, física quântica e eletrodinâmica clássica. Embora os primeiros experimentos tenham sido desenvolvidos no fim da década de 1980, hoje ainda estamos refinando e entendendo a técnica de geração desses pulsos muito curtos."

Carlos Hernández García, professor de física aplicada e pesquisador do grupo de Aplicações de Lasers da Universidade de Salamanca, na Espanha

 

Fonte: correiobraziliense

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