A nova edição da chamada "lista suja" do trabalho escravo, publicada semestralmente pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), incluiu número recorde de empregadores que submeteram trabalhadores a condições semelhantes à escravidão. Foram acrescentados 204 novos nomes, o maior número já registrado na história. Com isso, a lista soma 473 empregadores, que exploravam 3.773 trabalhadores em condições degradantes.
A atualização de outubro inclui situações identificadas pela Inspeção do Trabalho nos anos de 2018 a 2023. Os empregadores só entram na lista depois de esgotados os recursos administrativos contra o auto de infração aplicado pelos fiscais. Mesmo que deixem de cometer o delito, eles permanecem na lista por dois anos. O total de pessoas resgatadas de situação degradante pela Inspeção do Trabalho no Brasil, desde 1995, chega a mais de 61 mil pessoas, segundo o MTE.
As atividades econômicas com maior número de empregadores incluídos na atualização são produção de carvão vegetal, criação de bovinos para corte, serviços domésticos, cultivo de café e extração e britamento de pedras.
No recorte regional, Minas Gerais lidera o ranking de estados com o maior número de casos, com 37 empregadores incluídos. O estado é o maior produtor nacional de carvão vegetal. Para além dos casos, a produção é vista como prejudicial ao meio ambiente, por impulsionar o desmatamento e contribuir para as emissões de carbono, embora seja menos poluente que o carvão vegetal.
Em seguida aparece o estado de São Paulo, com 32 registros, Bahia e Piauí, ambos com 14 empregadores. A advogada Savana Faria, especialista em direito do trabalho, destacou as localidades onde a incidência de atividades análogas à escravidão são maiores. "No Brasil, os índices de trabalho escravo são mais expressivos nas áreas rurais. Essa condição acontece devido a vários fatores, como a dificuldade de fiscalização", afirmou.
Segundo a advogada, o aumento da pobreza, nos últimos anos, e o apoio do governo à fiscalização explicam o recorde no número de novos empregadores incluídos na lista. "O baixo contingente de fiscais atuantes dificulta o recebimento e a verificação de denúncias, tornando difícil o resgate dos trabalhadores e a punição dos empregadores que recorrem a essa prática. Não se pode deixar de pontuar que o aumento da miséria no país acabou por inserir inúmeros trabalhadores em situações de subemprego. Muitos são atraídos por falsas propostas de trabalho, que, na verdade, resultaram neste tipo de situação, como denunciado recentemente", afirmou.
O ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, destacou o aumento da fiscalização como um dos motivos para o aumento da incidência e o compromisso em rediscutir a legislação trabalhista. "A nossa missão não é simplesmente libertar trabalhadores do trabalho análogo à escravidão — isso é obrigação. A nossa missão é se antecipar, para que o trabalho escravo seja erradicado do país", disse, durante o encontro nacional de dirigentes da Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), em São Paulo.
O procurador Luciano Aragão, coordenador nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Conaete) do Ministério Público do Trabalho (MPT), destacou que algumas das atividades listadas inserem-se em cadeias produtivas de alto valor.
"Enquanto não houver um compromisso das empresas do topo da cadeia produtiva de adotar medidas de diligência e prevenção ao trabalho escravo entre seus fornecedores, os casos continuarão a ocorrer, mantendo um sistema duradouro de grave violação de direitos humanos dos trabalhadores brasileiros", reforçou Aragão.
Entre as empresas listadas, chama a atenção a inclusão de uma grande cervejaria nacional, a Kaiser, controlada pelo Grupo Heineken no Brasil. Em nota enviada ao Correio, a empresa afirmou que foi incluída na lista devido a um caso de 2021, onde um grupo de motoristas da Transportadora Sider, que prestava serviços à companhia, foi resgatado de jornadas exaustivas.
"Na ocasião, nos mobilizamos para prestar todo apoio aos trabalhadores envolvidos e garantir que todos os seus direitos fundamentais fossem reestabelecidos prontamente. Além disso, asseguramos as medidas necessárias junto à transportadora, que não faz mais parte do nosso quadro de fornecedores", destacou o Grupo Heineken, que afirmou ter desenvolvido uma plataforma para o controle de terceirização.
Utilizamos cookies próprios e de terceiros para o correto funcionamento e visualização do site pelo utilizador, bem como para a recolha de estatísticas sobre a sua utilização.