Apesar de ter sido uma das principais apostas do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, o processo de adesão do Brasil à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o chamado clube dos ricos, não tem avançado desde a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Diplomatas estrangeiros admitem que o processo está parado e não veem movimento algum na direção da OCDE, pois o país ainda precisa se enquadrar em 122 dos 230 instrumentos legais previstos.
Procurado, o Ministério da Fazenda evitou comentar sobre o assunto, mas negou que o processo esteja paralisado e encaminhou a demanda para o Ministério das Relações Exteriores, que coordena o grupo de trabalho interministerial sobre o processo de acessão do Brasil. De acordo com fontes da chancelaria, a adesão do país à OCDE está "em processo de avaliação interna". Elas garantem, contudo, que a pauta não está parada e que, até dezembro, haverá algum encaminhamento. Segundo os técnicos, os últimos processos de países latino-americanos, Colômbia e Costa Rica, demoraram sete anos. "Trata-se de um processo negociador demorado", disse uma fonte do Itamaraty.
A acessão de um país à OCDE consiste em um rigoroso trâmite de avaliação por parte da entidade e de seus membros, das políticas públicas brasileiras e do alinhamento do país às boas práticas internacionais, e geralmente leva mais de cinco anos. Áreas como tributária, gestão, governança, combate à corrupção são os principais calcanhares de Aquiles do Brasil para fazer parte desse grupo seleto de países.
A expectativa do governo anterior com a adesão do Brasil à OCDE era, por exemplo, "ampliar a integração do país à economia mundial por meio do aprimoramento do ambiente de negócios", além do alinhamento de políticas públicas "às melhores práticas internacionais".
Em conversa com o Correio, diplomatas de representações europeias não demonstraram surpresa com a paralisação do processo de adesão, pois, historicamente, nos mandatos anteriores, Lula não demonstrava interesse em tornar-se membro pleno da OCDE. "Não vejo uma palha sendo movida pelo governo para avançar no processo de adesão da OCDE", disse um representante de um país europeu.
Especialistas lembram que o atual conselheiro do presidente e ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim nunca demonstrou muito apreço para o Brasil ser membro efetivo do clube dos ricos, pois sempre defendeu um alinhamento mais ideológico entre emergentes e no eixo Sul-Sul. "Existem resistências dentro do Itamaraty quanto aos reais ganhos de entrar em um foro no qual seríamos totalmente 'rule-taker', ou seja, as principais decisões não passariam pelo Brasil", disse um especialista que atua próximo às embaixadas e ao Congresso.
Segundo esse analista, o mais interessado para fazer o processo de adesão do Brasil à OCDE é o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que pediu um levantamento dos projetos legislativos do Congresso nessa direção, como a Medida Provisória nº 1.152/2022, que foi transformada na Lei nº 14.596, em junho deste ano, e traz mudanças relacionadas ao cálculo e à documentação dos preços de transferência no país. Esse levantamento ainda está sendo feito.
Especialistas lembram que uma das poucas vezes em que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mencionou a OCDE foi na defesa pela aprovação da volta do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Com isso, a União voltou a ter o voto de minerva em caso de empate das decisões do tribunal.
Criada em 1961, a OCDE tem 38 membros plenos atualmente, que respondem por 80% do comércio e dos investimentos globais. O último país a concluir o processo de acessão foi a Costa Rica, em 2021.
O pedido de adesão do Brasil à OCDE não é recente. Foi formalizado em 2017, no governo Michel Temer (MDB), após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), e tornou-se uma das principais bandeiras do governo Jair Bolsonaro. Apenas em janeiro de 2022, a OCDE fez o convite oficial para o Brasil e mais cinco países: Argentina, Peru, Bulgária, Croácia e Romênia. Em junho do mesmo ano, o roteiro de acessão à organização do Brasil e de mais quatro países: Peru, Bulgária, Croácia e Romênia, foi aprovado pela entidade. E, em setembro, o governo brasileiro enviou à OCDE o memorando inicial, avaliando o grau de alinhamento das legislações e das práticas do país aos padrões da entidade.
Depois disso, houve as eleições gerais e essa agenda ficou de lado no fim do ano passado. "Após a revisão indicada pelo secretariado da OCDE, os membros do Comitê Gestor aprovaram os termos do memorando inicial, que foi formalmente enviado pelo Ministério das Relações Exteriores à Organização no dia 30 de setembro de 2022. O Memorando Inicial é um documento composto por 1.170 páginas, dividido em 32 capítulos temáticos, que descrevem a situação atual das políticas públicas praticadas no Brasil em relação a 230 instrumentos legais da OCDE, tendo o Brasil já aderido a 108, solicitado a adesão a 45 e ainda não aderido a 77 desses instrumentos", destacou o texto do último relatório do processo de adesão do Brasil na OCDE, referente ao quadrimestre de setembro a dezembro de 2022.
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