Sob bombardeio desde 7 de outubro, quando o grupo terrorista Hamas invadiu o sul de Israel e matou 1,4 mil pessoas, Gaza está a ponto de sofrer um colapso humanitário. No enclave palestino, uma faixa de 11km de largura por 40km de comprimento, os 2,3 milhões de moradores enfrentam um blecaute desde quinta-feira passada (12/10). A água potável está no fim, e os alimentos escasseiam nos mercados. Hospitais recorrem a caminhões de sorvete para acomodar os cadáveres, enquanto recebem milhares de feridos. Pelo menos 500 mil palestinos fugiram do norte da Faixa de Gaza em direção ao sul. Durante a madrugada (hora local), EUA e Israel acordaram desenvolver um plano de ajuda ao território.
"Restam 24 horas de água, eletricidade e combustível", advertiu a Organização Mundial da Saúde (OMS), ao condenar o bloqueio imposto pelas autoridades israelenses ao território. "Estamos falando em 2 milhões de pessoas que não têm água, e a água está acabando, e água é vida. A vida está acabando em Gaza", disse Juliette Touma, porta-voz da UNRWA, agência da ONU para os refugiados palestinos. Até a noite desta segunda-feira (16/10), o número de mortos na guerra chegava a 4,1 mil — 2,7 mil em Gaza e 1,4 mil em Israel.
Em entrevista ao Correio, antes do anúncio do acordo entre EUA e Israel, Ali Barakeh, chefe do Departamento de Relações Nacionais do Hamas, acusou o "inimigo" de "impedir a entrada dos comboios humanitários". "Apelamos à comunidade internacional para que envie ajuda humanitária urgente à Faixa de Gaza por meio da passagem de Rafah, especialmente o abastecimento de alimentos, medicamentos, combustível e água potável", declarou um dos líderes do grupo, desde Beirute. Ontem, a passagem de Rafah foi bombardeada pela quarta vez. No fim da noite, Israel atacou alvos da milícia xiita Hezbollah no Líbano. O Irã alertou sobre uma possível "ação preventiva" contra Israel "nas próximas horas". Ante o risco de espalhamento da guerra, os EUA enviarão 2 mil fuzileiros navais (marines) para o Oriente Médio. O presidente Joe Biden desembarcará em Israel nesta quarta-feira (18), confirmou o secretário de Estado americano, Antony Blinken. O democrata se reunirá, em Amã, com líderes da Autoridade Palestina, do Egito e da Jordânia.
O Hamas anunciou que mantém 200 reféns de várias nacionalidades e que os estrangeiros serão libertados "quando as condições permitirem". Outros 50 estariam em poder de outras facções. O grupo assegurou que não teme uma ofensiva terrestre das Forças de Defesa de Israel e divulgou o primeiro vídeo com um dos sequestrados durante os atentados de 7 de outubro. "Estamos prontos para negociar indiretamente com o governo de ocupação sobre a questão dos prisioneiros, mas depois de parar a agressão contra o nosso povo na Faixa de Gaza. O massacre americano-sionista e a guerra genocida contra o nosso povo deve parar", disse Ali Barakeh, ao ser questionado sobre o destino dos reféns.
A facção terrorista tornou a disparar vários foguetes em direção a Tel Aviv e a Jerusalém, onde uma sessão do Knesset (Parlamento) teve que ser interrompida por duas vezes por conta das sirenes antiaéreas.
O ministro das Relações Exteriores da Turquia, Hakan Fidan, conversou por telefone com o líder do Hamas, Ismail Haniyeh, sobre a possibilidade de libertar os reféns. Mais cedo, Khaled Meshaal, outra antiga liderança do grupo, exigiu a soltura de 6 mil palestinos mantidos em prisões israelenses. O ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, advertiu que a guerra será longa. "O preço será alto, mas vamos vencer por Israel, pelo povo judeu e pelos valores nos quais nossos povos acreditam", declarou, durante encontro em Tel Aviv com Blinken.
Sem lugar para ir
Alheios aos esforços diplomáticos, moradores da Faixa de Gaza tentam sobreviver. A professora Huda Al Assar, 57 anos, afirma não ter para onde ir. Para a palestina, que viveu por 15 anos em Duque de Caxias (RJ) e aguarda a cidadania brasileira, deixar a cidade de Deir Al-Balah, no centro-sul da Faixa de Gaza, está fora de cogitação. "Há perigo em qualquer lugar. Isso aqui é a maior prisão sem teto do mundo. O que acontece agora não é uma guerra, mas uma tragédia. Querem acabar com tudo. Antes, quando queriam bombardear uma casa, ligavam para as pessoas e as avisavam que tinham dez minutos para sair. Agora, atacam com as pessoas dentro do imóvel", denunciou. "Ainda há muitos mortos sob os escombros. Temos medo de doenças."
Segundo Huda, os preços das frutas e dos legumes subiram muito. "A colheita ocorre sob bombas. O quilo do tomate, que custava entre 2 e 3 reais, hoje vale 7 ou até 10 reais", disse à reportagem. Ela contou que muitos palestinos que migraram para o sul começam a retornar para o norte do enclave. "Isso ocorre por vários motivos. Nem todo mundo encontrou casas para alugar. Em um edifício de quatro ou cinco apartamentos, há até 200 pessoas. Quem veio com filhos e não achou moradia voltou", acrescentou Huda.
Morador do campo de refugiados de Jabalia, no norte da Faixa de Gaza, Mohamed Abu Naser, 26, descarta fugir para o sul, mesmo que não lhe faltem motivos. "Perdi vários amigos e vizinhos nos bombardeios. Minha casa foi parcialmente danificada. Meu avô também ficou ferido", afirmou ao Correio. "Algumas pessoas foram para o sul, outras esperam para ver o que ocorrerá nas próximas horas. Se estarão vivas ou mortas, não sei. Eu não sairei daqui." Ele acusou a "ocupação israelense" de bombardear ambulâncias e prédios da Defesa Civil e admitiu um cenário de catástrofe humanitária. "Não temos água, nem eletricidade, nem internet. Pelo menos 25% de Gaza se tornaram ruínas. Cerca de mil pessoas estão sob os escombros dos prédios e casas."
Em conversa telefônica com o presidente russo, Vladimir Putin, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, assegurou que a guerra somente acabará quando o Hamas for eliminado. Ronen Bar, chefe do serviço de inteligência Shin Bet, assumiu a responsabilidade pelos ataques cometidos pelo Hamas em 7 de outubro. "Apesar de uma série de ações que empreendemos, lamentavelmente, não conseguimos fornecer um aviso suficiente que nos teria permitido impedir o atentado. Como chefe da organização, a responsabilidade por isso recai sobre mim", afirmou.
Refém
No vídeo divulgado pelo Hamas, a franco-israelense Maya Sham, 21 anos, capturada durante uma rave no kibbutz de Re'im, aparece deitada sobre uma cama, enquanto alguém lhe enfaixa o braço direito. Depois, Maya é mostrada sentada, fazendo uma declaração. "Eu sou Maya Sham, tenho 21 anos e sou de Shoham. Estou em Gaza. Eu voltava, no sábado (7) de manhã, de uma festa em Sderot. Fiquei gravemente ferida na mão. Eles me trouxeram para Gaza, e me levaram para o hospital daqui, onde fiquei por três horas. Eles têm cuidado de mim, fornecendo medicamentos. Somente peço a vocês que me levem de volta para casa o mais rápido possível, para minha família, meus pais, meus irmãos. Por favor, me tirem daqui", suplica.
"Ninguém consegue eliminar o movimento Hamas, porque nasceu do ventre do povo palestino e tem legitimidade revolucionária e legitimidade popular e eleitoral, pois venceu as eleições legislativasde 2006. O Hamas é um movimento de libertação nacional e combate a ocupação em defesa da nossa terra, do nosso povo e das nossas santidades islâmicas e cristãs. Não tem outros objetivos além de libertar as nossas terras e os nossos santuários, e não tem como alvo ninguém além da ocupação."
Ali Barakeh, chefe do Departamento de Relações Nacionais do Hamas
ISABELA STANGA / ESPECIAL PARA O CORREIO
Ualid Rabah, presidente da Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal), afirmou ao Correio que a guerra entre Israel e o Hamas acabará somente com a resolução definitiva da questão palestina. Para ele, uma solução pacífica somente será possível se Israel recuar o avanço militar em Gaza. Ualid ainda compara a visibilidade recebida pelo Hamas com a do partido israelense Likud, do premiê Benjamin Nenyahu. "O que o mundo acha da limpeza étnica e do fascismo de Israel?", questiona o líder da Fepal.
O senhor acredita que as negociações sobre o corredor humanitário darão certo?
O corredor humanitário é um elemento importante diante da crise, mas a discussão tem que ser maior. Deve haver desbloqueio da Faixa de Gaza, bem como o fim do assédio permanente de Israel na região. A grande questão é: em quanto tempo teremos uma nova chacina e uma nova discussão sobre um corredor humanitário? De quantas em quantas tréguas os palestinos serão dizimados? É preciso cessar a totalidade da problemática palestina. Sem isso, nós continuaremos a discutir os corredores humanitários.
O Hamas possui poder bélico para levar a guerra por mais quanto tempo?
O problema não é o Hamas, é quanto tempo Israel continuará ocupando a Palestina. Quanto tempo ele seguirá com o regime de apartheid reconhecido pela ONU e por todas as organizações de direitos humanos internacionais. Há três meses, a ONU relatou que a Faixa de Gaza é uma prisão a céu aberto. Israel deve parar.
Como o Hamas é visto pela comunidade palestina?
Nós enxergamos a Palestina como um todo. Os palestinos têm o direito de pensar como quiserem. Nós queremos saber o que o mundo acha do Likud, o que o mundo acha da limpeza étnica e do fascismo de Israel. É isso que queremos saber.
O conflito pode ser resolvido por meio da diplomacia?
Isso foi tentado. Em 1993, os palestinos assinaram um acordo na Casa Branca que era prejudicial a eles, pois aceitaram apenas 22% do seu território histórico. A única obrigação de Israel era se retirar dos territórios palestinos. Somente haverá solução pacífica se a máquina de assassinato coletivo de Israel for contida, bem como os Estados Unidos, que, no momento, comandam o genocídio palestino.
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