Os maus-tratos contra animais são utilizados como "entretenimento" nas mídias digitais, gerando lucro para os criadores de conteúdo. Pelo menos é o que indica um estudo do Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA) publicado na revista Biological Conservation (o estudo pode ser lido na íntegra, em inglês, neste link). O biólogo Antônio Carvalho, autor do estudo, fez um monitoramento em mais de 50 horas de conteúdo distribuído em 411 vídeos de abuso animal nas redes sociais. Os vídeos renderam mais de 1,14 milhão de dólares em lucro, beneficiando 79 canais.
Entre 39 países alvos da pesquisa que tinham este tipo de conteúdo, foram usadas várias ferramentas, desde saltos altos a lança-granadas, para expor e ferir mais de 96 espécies de animais. Dessas espécies, 68 são animais silvestres, como botos-cor-de-rosa, capivaras, tigres, tartarugas, peixes, macacos e sapos. Cerca de 65 espécies são alvo de comércio internacional de animais e protegidas pela Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Silvestres Ameaçadas da Fauna e da Flora (CITES).
O monitoramento de vídeos revela cenas de crueldade, como esmagamento de animais para prazer sexual, resgates encenados, abates para festivais religiosos e comerciais, e exposição de animais silvestres no "turismo de selfies" e como pets — as duas últimas classificadas como práticas de "sofrimento oculto". “Influenciadores digitais são vistos como especialistas por muitas pessoas e seus maus exemplos fazem com que atividades ilegais sejam replicadas”, alerta Carvalho.
O INMA estima que a categoria de conteúdo que mais gerou monetização foi a de vídeos de uso de animais silvestres como pets, que somam lucro de cerca de US$ 730 mil. Os vídeos com sofrimento visível tiveram quase 360 milhões de visualizações e algumas dessas produções estão disponíveis desde 2006. Segundo Carvalho, em alguns vídeos, os produtores de conteúdo incentivam crianças a maltratar animais, com experiências com sal em sapos e a destruição de ninhos de vespas. “É perturbador saber que alguns adultos estão dispostos a incentivar a violência em seus próprios filhos para ganharem curtidas e seguidores”, lamenta.
Mais de 155 empresas anunciantes foram identificadas nos vídeos — algumas delas com histórico relacionado a campanhas eco-friendly e pet-friendly — recebendo ao todo 880 milhões de visualizações. “Muitas empresas anunciantes conhecidas pelo compromisso com a sustentabilidade estão alheias a conexão da imagem com vídeos de crueldade aos animais”, relata a pesquisadora Thamyrys Souza, coautora do estudo.
Durante a pesquisa, apenas 70 vídeos foram removidos do YouTube, enquanto a maioria segue circulando pelo site. Carvalho tem a esperança que o estudo possa servir de alerta para anunciantes que financiam essas produções e possa embasar, também, medidas legais punitivas contra os abusadores de animais.
O Correio entrou em contato com a assessoria de imprensa do YouTube (pelo grupo Google) na tarde desta terça-feira (17/10) e aguarda uma possível manifestação da empresa sobre a pesquisa. Em caso de resposta, o texto será atualizado.
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