23 de Novembro de 2024

Ataque a hospital de Gaza mata centenas e alastra crise


O ataque mais sangrento à Faixa de Gaza em 15 anos atraiu condenação internacional, provocou revés nos esforços da diplomacia por um cessar-fogo e incendiou o Oriente Médio, com ameaças do Irã e da milícia xiita libanesa Hezbollah. Além de médicos, enfermeiros, funcionários e pacientes, milhares de civis estavam abrigados no Hospital Batista Al-Ahli Arab, no bairro de Al-Zaytoun, região sul da Cidade de Gaza. Desesperados por conta dos bombardeios, os palestinos acreditavam estar em segurança no prédio, até às 19h desta terça-feira (17) — 13h em Brasília. Uma explosão destruiu o hospital e transformou o local em cenário de horror, com corpos espalhados pelo chão e fogo em meio às ruínas. O presidente do Irã, Ebrahim Raisi, denunciou o massacre e advertiu: "As chamas das bombas americano-israelenses, lançadas esta noite sobre as vítimas palestinas feridas no hospital em Gaza, vão consumir em breve os sionistas", declarou, citado pela agência Irna. Protestos contra o bombardeio se espalharam pela Cisjordânia, pela Jordânia, pelo Líbano e pelo Iraque. 

Por meio do WhatsApp, o porta-voz do Ministério da Saúde palestino, Ashraf Al-Qudra, citou ao Correio a existência de "centenas de vítimas". "A contagem precisa não foi completada, por conta de pedaços de corpos", explicou. "É um massacre sem precedentes e sem paralelo. As vítimas chegaram a outros hospitais sem cabeça e evisceradas. Nossos médicos realizam cirurgias nos feridos no chão e nos corredores, algumas delas sem anestesia. Um grande número de pacientes aguardam para serem operados", disse Al-Qudra, na noite desta terça-feira (madrugada de 18/10, em Gaza). Mais cedo, o Ministério da Saúde tinha feito uma estimativa entre 500 e 800 mortos, enquanto o grupo terrorista Hamas, que comanda o território palestino, falava em mil cadáveres. 

Mahmud Abbas, presidente palestino, decretou luto oficial de três dias e cancelou a reunião com o homólogo norte-americano, Joe Biden, que ocorreria nesta quarta-feira (18) em Amã. A Jordânia também desistiu de sediar a cúpula com Biden; o premiê israelense, Benjamin Netanyahu; e o líder egípcio, Abdel Fattah Al Sisi. O Ministério das Relações Exteriores jordaniano atribuiu a responsabilidade pelo bombardeio à "força ocupante". O rei Abdullah, da Jordânia, advertiu que o Oriente Médio está à beira do "abismo". Ao embarcar para Tel Aviv, Biden enviou "as mais profundas condolências" às vítimas da "explosão" e revelou-se "indignado". Também em Tel Aviv, o chanceler alemão, Olaf Scholz, participou de uma reunião com Netanyahu, depois de ele e equipe serem obrigados a deitar no chão do aeroporto, ante um ataque de foguetes vindos de Gaza. 

Críticas

O secretário-geral da ONU, António Guterres, se disse "horrorizado". "Meu coração está com as famílias das vítimas. Os hospitais e o pessoal médico são protegidos pelo direito internacional humanitário." A Organização Mundial da Saúde (OMS) condenou "veementemente" o ataque e lembrou que o Al-Ahli Arab estava "operacional". "A OMS apela à proteção ativa imediata dos civis e de profissionais da saúde. O direito humanitário internacional deve ser respeitado." O presidente da França, Emmanuel Macron, reiterou que "nada pode justificar atacar um hospital". "Nada pode justificar alvejar civis. A França condena o ataque ao Hospital Batista Al-Ahli Arab, que fez tantas vítimas palestinas. Nossos pensamentos estão com elas. Toda a luz deve ser lançada sobre as circunstâncias", cobrou. 

Familiares choram sobre o corpo de criança atingida por bombardeio em Khan Yunis
Familiares choram sobre o corpo de criança atingida por bombardeio em Khan Yunis (foto: Mohammed Adnan/AFP)

O grupo terrorista Hamas — que mais cedo tinha anunciado a morte de Ayman Nofal, comandante das Brigadas Al Qassam — culpa o Exército israelense pelo massacre. No entanto, as Forças de Defesa de Israel (IDF) negam responsabilidade e atribuem a autoria à Jihad Islâmica, outra facção extremista da Faixa de Gaza. "Após análise realizada pelos sistemas operacionais das IDF, uma barragem de foguetes foi lançada em direção a Israel, a qual passou pelas imediações do hospital, quando foi atingido", afirma o comunicado. "De acordo informações de inteligência, a organização terrorista Jihad Islâmica é a responsável pelo lançamento fracassado do foguete que atingiu o hospital", acrescenta as IDF. "Esta é a responsabilidade da Jihad Islâmica, que matou inocentes no hospital", declarou, pouco depois, o almirante Daniel Hagari, porta-voz das IDF, em pronunciamento à imprensa. A Jihad Islâmica chamou as acusações de "mentiras". 

O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, comentou o ataque em seu perfil na rede social X, o antigo Twitter. "O mundo inteiro deveria saber disso: foram terroristas bárbaros que atacaram o hospital na Faixa de Gaza, não as IDF. Aqueles que brutalmente assassinaram nossas crianças também assassinaram suas próprias crianças." Em entrevista ao Correio, Basem Naim, ex-ministro da Saúde palestino e chefe do Departamento Político do Hamas em Gaza, afirmou que o Al-Ahli Arab era um dos hospitais mais antigos do território palestino. "Era o maior hospital da Cidade de Gaza e tinha cerca de um século de funcionamento. Aviões israelenses dispararam dois mísseis contra o prédio. Dentro do hospital, milhares de palestinos — incluindo mulheres, idosos e crianças — buscavam refúgio. Além de mil mortos, mil pessoas ficaram feridas", disse. 

Ibrahim Alzeben, embaixador palestino em Brasília
Ibrahim Alzeben, embaixador palestino em Brasília (foto: Evaristo Sá/AFP)

Em Ramallah, na Cisjordânia, o embaixador palestino no Brasil, Ibrahim Alzeben, classificou o bombardeio ao hospital como "um crime hediondo". "Ele se soma a todos os crimes de guerra praticados por Israel contra o povo palestino. Chega! A comunidade internacional tem que intervir para pôr fim a essa chacina. O povo palestino está sozinho, enfrentando essa maquinária de guerra destrutiva, enquanto o mundo fica em silêncio. Chega! Esse é o nosso chamado. Até quando o povo palestino seguirá aguentando esses crimes com um silêncio absoluto da comunidade internacional?", questionou ao Correio. O diplomata acusou Israel de "crime de guerra" e disse esperar que Netanyahu e seu gabinete sejam enviados aos tribunais.

Basem Naim, ex-ministro da Saúde palestino e chefe do Departamento Político do Hamas em Gaza
Basem Naim, ex-ministro da Saúde palestino e chefe do Departamento Político do Hamas em Gaza (foto: Arquivo pessoal )
 

"Todas essas alegações de Israel sobre o ataque são uma tentativa de negar a responsabilidade pela agressão. Mas nós temos todas as evidências, inclusive imagens de câmeras de tevê e testemunhas que viram o míssil israelense atingir o hospital. A situação é extremamente grave e perigosa. Agora, Israel exige a desocupação de cinco hospitais. As organizações internacionais e a ONU afirmaram que isso é impossível, sob o ponto de vista técnico e por motivos de segurança."

Basem Naim, ex-ministro da Saúde palestino e chefe do Departamento Político do Hamas em Gaza

 

ISABELA STANGA / ESPECIAL PARA O CORREIO

Com a morte de Ayman Nofal, subiu para sete o número de comandantes do Hamas eliminados durante o conflito em Gaza. A perda de lideranças experientes pode enfraquecer o grupo terrorista, o que o obriga a se esconder e a replanejar os ataques a Israel. Nofal teria sido morto pelas tropas israelenses em um bombardeio. Por meio de um comunicado, o Hamas admitiu que um de seus comandantes morreu durante ataque "sionista" no campo de Bureij, no centro da Faixa de Gaza.

De acordo com as Forças de Defesa de Israel (IDF), outros seis chefes militares da facção foram mortos pelo governo israelense. No último sábado (14), as autoridades do país assumiram a morte de Ali Qadi, dirigente de uma unidade de elite do Hamas e apontado pelas IDF como líder dos ataques de 7 de outubro, quando 1,4 mil israelenses morreram. No mesmo dia, Israel também teria abatido Merad Abu Merad, suposto chefe do sistema aéreo do Hamas.

Palestinos diante do corpo de Ayman Nofal, um dos comandantes do Hamas, no campo de refugiados de Bureij
Palestinos diante do corpo de Ayman Nofal, um dos comandantes do Hamas, no campo de refugiados de Bureij (foto: Bashar Taleb/AFP)
 

Completam a lista Muetaz Eid, chefe do Distrito Sul de Segurança Nacional do grupo; Zachariah Abu Ma'amar, líder das Relações Internacionais do braço político do Hamas; Joad Abu Shmalah, ministro da Economia da gestão do grupo na Faixa de Gaza; e Belal Alqadra, comandante da força de elite "Nukhba" em Khan Yunis.

"Um dos objetivos de Israel e dos EUA é destruir o Hamas e substitui-los por um governo palestino não violento. O assassinato seletivo de líderes de organizações terroristas é legítimo e tem sido amplamente usado pela coligação internacional contra a Al-Qaeda e o Estado Islâmico", disse ao Correio Eytan Gilboa, especialista do Instituto de Estratégia e Segurança de Jerusalém.

Além do Hamas, Israel enfrenta a Jihad Islâmica e o Hezbollah, que atuam com o apoio do Irã. Ontem, o porta-voz da defesa israelense, Avichay Andraee, anunciou a morte de quatro terroristas vindos do Líbano que tentavam entrar em Israel com um explosivo.

Segundo Gilboa, a maior ameaça a Israel vem do Líbano. "O Hezbollah é muito mais forte do que o Hamas e a Jihad, mas também muito impopular no Líbano, que sofre grave crise. Não está claro se a intervenção dos EUA na região funcionará, mas se o Hezbollah e o Irã intervierem, pagarão um preço elevado. O Líbano será destruído."

Fonte: correiobraziliense

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