23 de Novembro de 2024

Bomba de cortisol atenua sintomas de pacientes


Uma terapia de reposição hormonal inovadora, que imita de forma mais precisa os padrões naturais dos ritmos circadianos e ultradianos — ciclos naturais do corpo humano —, mostrou-se eficaz na melhoria dos sintomas em pacientes com disfunções adrenais. Localizadas acima dos rins, as duas pequenas glândulas desempenham um papel crucial na produção de hormônios. Os resultados do ensaio clínico da Universidade de Bristol, no Reino Unido, foram divulgados nesta quinta-feira (19/10), na revista Journal of Internal Medicine. Segundo o artigo, o tratamento diminuiu a fadiga em aproximadamente 10%, melhorou o humor e aumentou os níveis de energia dos pacientes em 30%, logo pela manhã. 

Segundo os pesquisadores, níveis baixos de um hormônio fundamental, o cortisol, estão geralmente associados a condições médicas como a doença de Addison e a hiperplasia adrenal congênita. Essa substância desempenha um papel vital na regulação de diversos processos corporais, desde funções cognitivas, formação de memória, até o metabolismo e respostas imunológicas, bem como o controle da pressão arterial e dos níveis de açúcar no sangue.

Embora não seja comum, o tratamento envolve a reposição diária de hidrocortisona ao longo da vida. No entanto, a terapia de reposição hormonal mais comum, apesar de restaurar os níveis de cortisol, ainda apresenta desafios para a qualidade de vida. Cientistas acreditam que isso ocorre devido à incapacidade das opções atuais de imitar adequadamente os ritmos naturais do corpo.

Sincronia 

Considerada inovadora pelos cientistas de Bristol, a terapia, chamada Pulsatility, é fruto de uma década de pesquisa pela equipe da Universidade. Ela foi desenvolvida para fornecer hidrocortisona de reposição aos pacientes por meio de uma bomba que se assemelha ao padrão natural de secreção rítmica do cortisol. "Nosso corpo, os sistemas dentro dele e os hormônios estão perfeitamente sincronizados, o que é conhecido como homeostase. A bomba está efetivamente atuando como uma glândula adrenal artificial, e a estamos programando para que ela produza um padrão fisiológico normal de cortisol. Esse tipo de tecnologia poderia, e deveria, ser usado em qualquer outro sistema hormonal endócrino", reforçou Georgina Russell, professora honorária da Faculdade de Medicina da Universidade de Bristol e autora principal do artigo.

Mariana Arraes, endocrinologista e metabologista, em Brasília, explica que o cortisol também ajuda o organismo a controlar os sentimentos em momentos de muita emoção. "Também chamado de hormônio do estresse, o cortisol prepara o nosso corpo para situações de muita tensão, seja para enfrentar o perigo ou para fugir dele. Quando há insuficiência adrenal, o deficit do hormônio no organismo impacta negativamente o corpo, causando perda de peso, fadiga e anemia."

Para testar a eficiência do equipamento criado, os pesquisadores realizaram um estudo denominado Pulses. No ensaio, 20 participantes com idades entre 18 e 64 anos diagnosticados com insuficiência adrenal receberam, durante seis semanas, a medicação oral usual de hidrocortisona, administrada três vezes ao dia, ou a mesma dose de hidrocortisona, porém por meio de pulsos discretos a cada três horas, logo abaixo da pele, com uma bomba de infusão portátil. O dispositivo permite imitar os padrões normais de cortisol. Para garantir a precisão, os pacientes receberam um medicamento placebo, para que ninguém soubesse qual terapêutica estava sendo utilizada antes do momento correto.

Emoções

Segundo Russell, a equipe analisou diversas variáveis importantes para pacientes, médicos e cientistas. "Somos neurocientistas, então nossa ênfase estava predominantemente no que os pacientes descrevem sobre fadiga, humor, emoção e processamento cerebral. Medimos o humor e os níveis de energia dos pacientes ao longo do estudo usando um smartphone, bem como questionários validados e tarefas psicológicas objetivas em momentos definidos do estudo."

Os cientistas também realizaram ressonância magnética funcional no fim de cada fase de tratamento. "Nossos pacientes foram submetidos a uma tarefa de estimulação emocional chamada Fert (Teste de Reconhecimento de Expressão Facial) enquanto estavam no aparelho de ressonância magnética, a fim de observar como seus cérebros processavam informações emocionais", descreve a neurocientista.

Ao observar os resultados, os pesquisadores notaram que, apesar de terem avaliado apenas os sintomas psicológicos e metabólicos, a terapia com bomba diminuiu a fadiga em aproximadamente 10%, melhorou o humor e aumentou os níveis de energia dos pacientes em 30% logo pela manhã, período do dia que costuma ser especialmente difícil para quem sofre da condição. As varreduras de ressonância magnética também revelaram alterações na maneira como o cérebro processa informações emocionais.

 

 

Milena Caldato, diretora do Departamento de Adrenal e Hipertensão da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem), ressalta que a reposição de cortisol deve ser muito bem planejada, aumentando seus níveis nas horas certas, e baixando as taxas, se necessário. "O que tem acontecido na maioria das terapias é que elas não fazem o ritmo circadiano. O cortisol é um hormônio que tem de ser baixo na hora de dormir, enquanto que, ao acordarmos, devemos ter um pico da substância. Mesmo dormindo, o corpo faz um pico para poder despertar."

Apesar de os resultados da pesquisa da Universidade de Bristol serem animadores, os pesquisadores ressaltam que a terapêutica com a bomba não será viável para todos e que é necessário mais estudo. "As coisas estão sempre mudando, hoje sabemos muito mais sobre a fisiologia hormonal normal em comparação com 10 anos atrás. A terapia com bomba é um bom primeiro passo, mas o trabalho que realizamos no estudo Pulses precisa ser aprimorado. Essa terapia não será a resposta certa para todos os pacientes, é incômodo ter que usar uma bomba. Esperamos que isso inspire as empresas farmacêuticas a examinar mais de perto todas as formas de terapia de reposição para que se ajustem aos padrões hormonais normais", sublinhou Georgina Russel, principal autora.

Os próximos passos do trabalho incluem a personalização da abordagem com bomba, já que os cientistas acreditam que um tamanho único não serve para todos. Eles também pretendem realizar um estudo multicêntrico definitivo e maior, incluindo mais de 200 participantes, com a terapia de reposição pulsátil de cortisol. (IA)

 

"É importante fazer essa busca por novas formas de terapia para tentar melhorar a qualidade de vida. Se agora já conseguimos fazer a pessoa sobreviver, é preciso buscar melhores formas dela viver bem, ter um sono melhor, maior disposição e até mesmo diminuir os casos de osteoporose, porque o corticoide em excesso também causa osteoporose. Além de estudar novas formas de terapia é importante procurar novos formatos. Também é preciso rediscutir se os remédios antigos podem ser usados de outras maneiras, com dose menor ou mudança de horário. Muitas vezes, com custo baixo consegue-se o resultado almejado, e eu me preocupo bastante com essa questão do custo dessa reposição."

Milena Caldato, diretora do Departamento de Adrenal e Hipertensão da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM)

 

 

Fonte: correiobraziliense

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