A saúde da mulher ainda é um labirinto permeado por desinformação que não poupa profissionais e, por consequência, as principais interessadas. O desconhecimento abrange em especial o climatério, envolto também em preconceitos, tabus e vergonhas diversas. A ignorância é tanta que climatério e menopausa sequer são diferenciados em suas singularidades e, portanto, tratados em suas individualidades.
As conclusões são de uma das principais pesquisadoras brasileiras em climatério, Ana Valadares, ginecologista, com pós-doutorado pela Universidade de Campinas (Unicamp), que acaba de voltar de mais um congresso internacional, dessa vez realizado nos Estados Unidos, onde especialistas em saúde da mulher se reuniram para debater e trocar experiências relacionados ao climatério.
Ana, como prefere ser chamada pela reportagem, demonstrando também simplicidade ao falar sobre essa fase complexa da mulher, é ainda professora de pós-graduação em Climatério da Universidade de Campinas (Unicamp), em São Paulo, e coordenadora do Serviço de Climatério dos Ambulatórios Especializados da Santa Casa BH.
A unidade hospitalar abriga um dos dois únicos ambulatórios voltados para a saúde da mulher, em Belo Horizonte, com atendimento exclusivo pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O outro ambulatório, ligado ao Hospital das Clínicas da capital, vinculado à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), está em seus primeiros passos para o atendimento das pacientes.
Vamos fazer um preâmbulo: a menopausa ocorre geralmente, em torno dos 50 anos, e significa dizer que a mulher teve a última menstruação, representando o fim da vida reprodutiva.
O climatério é a fase da vida que engloba o antes e o depois da menopausa, marcada por variações hormonais que provocam uma série de sinais e sintomas característicos, entre eles ondas de calor, mudanças do humor, alterações no sono e na libido, dentre outros sinais de que a produção hormonal da mulher começar a cair de forma vertiginosa, alterando diversas formas de funcionamento do organismo. Essa alteração hormonal começa, geralmente, por volta dos 40 anos.
Ana esclarece que a abordagem médica durante o climatério tem que envolver a saúde da mulher de forma global. "Hábitos de vida, a questão das doenças que aparecem nessa fase da vida, os medicamentos que ela usa e, por último, a indicação ou não da a terapia de reposição hormonal Porque não tratamos o climatério só com reposição de hormônios", explica a médica.
Ela recomenda que esse procedimento deveria ser a conduta de médicos em geral e adotada como regra para garantir a qualidade de vida da mulher.
A médica detalha a chamada 'falência ovariana', ou seja, o início do climatério com os sintomas iniciais, consequentes da queda de produção hormonal: inicialmente ocorrem os ciclos menstruais irregulares, ondas de calor, distúrbios do sono, nevoeiro cerebral e a irritabilidade.
"As principais consequências a longo prazo são a osteoporose (perda progressiva de massa óssea) e a síndrome geniturinária (resposta à perda de estrogênio da menopausa), que pode provocar coceira, ardor, infecção urinária recorrente, dor na hora de fazer xixi e na relação sexual, e a secura vaginal e dor na relação sexual", disse
Segundo a médica, em casos de apenas sintomas geniturinarios, é possível tratar os sintomas com hormônio local, por meio de cremes de uso vaginal de estrogênio e hidratantes vaginais.
Conforme a especialista em climatério há mais de 20 anos, o uso dessa medicação pode ser indicada até para as pacientes com mais de 60 anos, tendo em vista que o hormônio não é reabsorvido pelo organismo.
A prescrição, ensina a doutora Ana, da reposição hormonal via sistêmica (oral ou com gel ou adesivos) tem contraindicação para pacientes maiores de 60 anos ou, então, com mais de dez anos de pós-menopausa.
A data limite é explicado em função do envelhecimento natural das artérias com o passar dos anos."Sem o hormônio, esse envelhecimento ocorre mais rápido. Assim, uma mulher que
nunca usou hormônio (depois dos 60 anos) e na hora que começa (a reposição), o que vai acontecer com essa placa? Pode desestabilizar haver um infarto ou um AVC (acidente vascular cerebral)", ensina.
A médica disse também que uma mulher em tratamento antes da data limite não deve, necessariamente, parar a terapia hormonal após os 60 anos. "Sempre vamos colocar na balança
os benefícios e os riscos", preconiza.
Ana também enfatiza que feita a avaliação global da saúde da mulher, com um profissional especializado em climatério, é importante a paciente ser informada que há uma 'janela de oportunidade' para a reposição hormonal.
Em sua maioria, esse período ocorre entre os 50 e 60 anos. Ou então, em caso de menopausa prematura (antes dos 40 anos), a terapia sistêmica deve ser iniciada o mais rápido possível. E, de acordo com a médica, deverá ser mantida pelo menos até os 52 anos, se não houver contraindicação. "Isso ajudará na saúde cardiovascular, saúde óssea, função cognitiva e saúde genitourinaria", justifica a médica
Por quanto tempo pode-se usar a reposição hormonal? Ana responde que até "a próxima consulta". A resposta serve de deixa para outra prescrição da médica: toda mulher precisa ser permanentemente avaliada clinicamente e também por meios de exames periódicos. Indicando que a avaliação clínica deve ter periodicidade anual, caso não haja nenhuma intercorrência antes da próxima consulta agendada
Além disso, para uma vida saudável, a prescrição médica para qualquer fase da vida e independentemente de gênero: "se a mulher chega no climatério e não está com hábitos de vida saudáveis, acende-se um sinal amarelo para que comece a prestar atenção em ter um vida boa".
A recomendação inclui exercício físico, largar vícios prejudiciais à saúde, com ênfase no tabagismo, passando pela alimentação balanceada, controle da pressão arterial (principalmente para aquelas que têm histórico de hipertensão arterial na família) e monitoramento da glicemia e do colesterol.
A atenção para essa prescrição da médica, ela reforça, evita principalmente infartos fulminantes nessa fase da vida. "A principal causa de morte da mulher no Brasil e no mundo, não é câncer de mama, mas doença cardiovascular", disse.
A especialista em climatério destaca que a falta de atendimento adequado à saúde da mulher traz também 'sequelas emocionais e psicológicas'. Ela explica também que profissionais minimamente formados podem levar pacientes a círculos viciosos eivados de patologias, muitas vez tornando-se doenças crônicas.
"Por que muitas vezes quando a mulher está nessa fase da diminuição da produção hormonal,os vários distúrbios já mencionados podem ser gatilho para a depressão. O que acontece? Geralmente, a mulher vai ao posto e o que alguns médicos fazem? Prescrevem antidepressivo", afirma, para em seguida complementar: "o uso do antidepressivo pode até ser indicado, mas não é a primeira escolha. Porque muitas vezes, ele não trata a causa e, além disso, pode piorar o desejo sexual (um dos sintomas no climatério), que é também um dos efeitos colaterais do medicamento para depressão, piorando assim a já delicada condição emocional da paciente".
Com o aumento da expectativa de vida da população, em geral, a médica alerta que o temor de muitas mulheres com o climatério deveria ser suplantado pela "oportunidade para plantar a saúde na segunda metade da vida".
"A longevidade está aí e o climatério começa por volta dos 40 anos. Então, Se a mulher é bem olhada durante toda a vida, vai ter um envelhecimento muito melhor", avalia.
Ana aproveita para reiterar que em pleno século XXI e com o avanço da ciência está na hora de mudar essa realidade:"as pessoas acham que sabem (sobre climatério e menopausa) mas, na verdade sabem pouco. Principalmente, as principais interessadas."Muitos homens acham que a mulher na menopausa deixou de ser interessante. Ao contrário, nessa fase da maturidade, a mulher pode viver melhor e mais plenamente", garante a especialista.
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