Executados há mais de mil anos com leveza e controle, os movimentos do tai chi chuan, arte marcial chinesa, podem ajudar a retardar a progressão da doença de Parkinson, segundo um estudo publicado na revista Journal of Neurology Neurosurgery & Psychiatry . Com 4 milhões de casos mundiais e 150 mil novos diagnósticos por ano somente no Brasil, essa é a condição neurodegenerativa que mais cresce por ano e, embora tratável, não tem cura.
A pesquisa, da Universidade Jiao Tong de Xangai, na China, é observacional, ou seja, demonstra uma associação, embora não estabeleça uma relação de causa e efeito. Porém, os autores acreditam que os resultados podem ser parcialmente explicados pela ação do tai chi no sistema motor, prejudicado pelo Parkinson. A doença danifica células da dopamina, uma substância natural que faz a troca de mensagens entre as células nervosas, o que acarreta problemas de equilíbrio e mobilidade.
Outros exercícios físicos, especialmente os mais vigorosos, também demonstraram impactos positivos no retardo da doença degenerativa. Mas a arte marcial chinesa pode se destacar porque, além de dispensar preparo físico extraordinário, envolve movimentos lentos e bem praticados, o que exige atenção nos detalhes da execução, além de equilíbrio.
Os pesquisadores da Universidade Jiao Tong de Xangai acompanharam um grupo de 334 pacientes de Parkinson ao longo de cinco anos, entre janeiro de 2016 e junho de 2021. Desses, 147 praticavam tai chi duas vezes por semana durante uma hora, sob supervisão. Os demais seguiram o tratamento padrão, também ministrado ao primeiro grupo, mas não participavam das aulas. A progressão da doença, medida por diversos parâmetros, incluindo a necessidade de aumentar a medicação, foi monitorada pelos autores do estudo em novembro de 2019, outubro de 2020 e junho de 2021.
Os exames periódicos também avaliaram qualidade do sono, cognição, humor, funcionamento do sistema nervoso autônomo (como controle das evacuações e problemas cardiovasculares), movimentos involuntários, queda na resposta ao medicamento, alucinações e síndrome de pernas inquietas. O rastreamento foi feito com três escalas usadas tradicionalmente para analisar a progressão da doença de Parkinson.
Depois de equilibrar fatores que podem interferir na gravidade, incluindo idade, uso de remédios e escolaridade, os pesquisadores descobriram que a progressão do mal neurodegenerativo foi mais lenta entre os pacientes que faziam tai chi. Em 2019, 71% dos praticantes da arte marcial precisaram aumentar a medicação, contra 85,5% no outro grupo. Em 2020, a diferença também foi acentuada: 87,5% contra 96%.
Segundo os autores, a função cognitiva deteriorou-se mais lentamente no grupo de tai chi, assim como outros sintomas não associados ao movimento. Já o sono e a qualidade de vida melhoraram significativamente, na avaliação dos participantes. Quanto às complicações associadas ao Parkinson, elas foram menores nos praticantes da arte marcial: 1,4% contra 7,5% (movimentos involuntários, ou discinesia); 0% contra 1,6% (contração muscular involuntária, ou distonia); 0% contra 2% (alucinações); 3% contra 10% (comprometimento cognitivo leve); e 7% contra 15,5% (síndrome das pernas inquietas).
Quedas, tonturas e dores nas costas foram os três efeitos colaterais relatados pelos participantes do estudo, eram menores no grupo do tai chi. Embora 23 pessoas tenham sofrido fraturas, elas foram menos significativas entre os praticantes do exercício: seis contra 17.
Os pesquisadores reconhecem que uma limitação importante do estudo é o tamanho pequeno da amostra. Além disso, os participantes estavam no estágio inicial da doença quando a pesquisa começou. Porém, Gen Li, do Departamento de Neurologia da universidade e principal autor do estudo, está animado com os resultados. "Ficamos surpresos ao descobrir o efeito benéfico em mais de cinco anos de prática, pois não há pesquisas focadas no impacto de esportes na doença de Parkinson a longo prazo", diz. "Os médicos deveriam enfatizar a importância da atividade física, especialmente as que podem retardar a necessidade de aumentar as terapias antiparkinsonianas", acredita.
Gen Li ressalta que a equipe vai estudar, agora, o impacto da arte marcial em pessoas com a condição mais avançada, o que exigirá cuidados extras, devido ao risco de quedas.
No artigo, os pesquisadores escreveram que "a doença de Parkinson pode piorar progressivamente a função motora e os sintomas não motores com o tempo, resultando em incapacidade e influenciando a qualidade de vida". E concluíram: "o efeito benéfico a longo prazo sobre poderia prolongar o tempo sem incapacidade, levando a uma maior qualidade de vida, a uma menor carga para os cuidadores e a um menor consumo de medicamentos."
Alastair Noyce, pesquisador do Instituto de Saúde Populacional da Universidade Queen Mary, de Londres, conta que, como neurologista, já recomenda o tai chi e outras modalidades para pacientes de Parkinson. "Mas compreender quais formas de exercício são mais benéficas é um objetivo importante para melhorar o tratamento dos pacientes a longo prazo", diz. "É um estudo observacional, portanto há limitações no desenho da pesquisa, mas os resultados são encorajadores", considera o médico.
"Embora, por ser um estudo observacional, seja difícil estabelecer uma correlação de causa-efeito, o fato é que essa contribuição científica demonstra que o treino sustentado de tai chi leva a uma melhoria sintomática notável, sustentada ao longo do tempo. De particular importância, vale ressaltar que os pacientes que praticaram exercícios de tai chi demonstraram uma progressão mais lenta da doença, especialmente refletida em aspectos como sintomatologia global, movimento e equilíbrio. Além disso, outro aspecto da progressão mais lenta da doença é a redução da necessidade de aumento da medicação antiparkinsoniana ao longo do tempo e menor comprometimento cognitivo. Finalmente, também foi observada uma melhoria significativa nos sintomas não motores. Na minha opinião, o aspecto mais relevante é a demonstração de que essa arte marcial retarda a progressão da doença neurodegenerativa e, possivelmente devido a essa progressão mais lenta, obtém-se um benefício global, com melhorias notáveis em numerosos indicadores e sintomas motores e não motores."
José Luis Lanciego, pesquisador sênior do Programa de Terapia Gênica em Doenças Neurodegenerativas do Centro de Pesquisa Médica Aplicada (CIMA) da Universidade de Navarra.
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