04 de Dezembro de 2024

Israel não tem plano para Gaza depois da guerra, dizem especialistas


O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, prometeu “mudar o Oriente Médio”.

Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, garantiu que “não há como voltar atrás”.

Mas à medida que as forças israelenses intensificam seus ataques na Faixa de Gaza e reiteram avisos à população palestina para evacuar e abrir caminho, muitos levantam duas questões: para onde vai a guerra e o que virá depois?

Após os hediondos ataques de 7 de outubro, autoridades israelenses afirmaram repetidas vezes que pretendem destruir o Hamas da Faixa de Gaza, militar e politicamente.

Mas, para além de demonstrarem um poder militar implacável e esmagador, não está claro como atingirão este objetivo.

“Não é possível dar um passo tão histórico sem um plano para o dia seguinte”, disse Michael Milshtein, diretor do Fórum de Estudos Palestinos do Centro Moshe Dayan, da Universidade de Tel Aviv.

Milshtein, ex-chefe do departamento de Assuntos Palestinos da Inteligência Militar Israelense, teme que o planejamento tenha apenas começado.

“Temos que fazer isso imediatamente", ele diz.

Diplomatas de países ocidentais dizem estar envolvidos em intensas negociações com Israel sobre o futuro, mas até agora nada está claro.

“Não existe nenhum plano fixo”, me disse um deles, sob anonimato. “Dá para esboçar algumas ideias no papel, mas torná-las realidade exigirá semanas, meses de diplomacia”, acrescentou.

Existem planos militares que vão desde degradar a capacidade militar do Hamas até a tomada do controle de grandes áreas da Faixa de Gaza. Mas profissionais com vasta experiência em crises anteriores dizem que o planejamento termina aí.

“Não creio que exista uma solução viável para Gaza no dia seguinte à retirada das nossas forças”, afirma Haim Tomer, um ex-alto funcionário do serviço de inteligência de Israel, o Mossad.

Israelenses são quase unânimes em dizer que o Hamas deve ser derrotado, que os massacres de 7 de outubro foram simplesmente atrozes e que não se pode permitir que a organização governe Gaza novamente.

Mas o Hamas, diz Milshtein, é uma ideia, não algo que Israel possa simplesmente apagar.

“Não é como Berlim em 1945, quando uma bandeira foi colocada no Reichstag e tudo acabou.”

Um paralelo melhor, explica ele, é o Iraque em 2003, onde forças aliadas lideradas pelos EUA tentaram eliminar todos os vestígios do regime de Saddam Hussein.

A chamada "des-Ba'acificação" (o processo no qual o partido Ba'ath de Hussein foi banido e declarado ilegal) foi um desastre.

Centenas de milhares de funcionários iraquianos e membros das forças armadas ficaram sem trabalho, lançando as sementes de uma insurgência devastadora.

Veteranos americanos desse conflito estão neste momento em Israel compartilhando com militares israelenses suas experiências em lugares como Fallujah e Mosul.

“Espero que eles expliquem aos israelenses que cometeram grandes erros no Iraque”, diz Milshtein.

"Por exemplo, que não criem ilusões de erradicar o partido no poder ou de mudar a mentalidade do povo. Isso não vai acontecer."

Muitos palestinos concordam.

“O Hamas é uma organização popular com muitas raízes”, diz Mustafa Barghouti, presidente da Iniciativa Nacional Palestina. “Se quiserem eliminar o Hamas, terão de limpar etnicamente toda Gaza.”

Essa ideia – de que Israel pretende secretamente forçar centenas de milhares de palestinos a abandonarem a Faixa de Gaza e se mudarem para o Egito – desperta os temores mais profundos dos palestinos.

Para uma população já constituída em grande parte por refugiados – aqueles que fugiram ou foram expulsos das suas casas quando o Estado de Israel foi fundado – a ideia de outro êxodo em massa evoca memórias dos acontecimentos traumáticos de 1948.

“Fugir significa uma passagem só de ida”, diz Diana Buttu, ex-porta-voz da Organização para a Libertação da Palestina (OLP). “Significa não voltar.”

Analistas israelenses, incluindo antigos altos funcionários, se referiram várias vezes a uma necessidade de que palestinos sejam alojados, temporariamente, do outro lado da fronteira, no Sinai.

Giora Eiland, ex-chefe do Conselho de Segurança Nacional de Israel, afirma que a única forma de Israel concretizar suas ambições militares em Gaza sem matar muitos palestinianos inocentes é a evacuação de Gaza pelos civis.

“Eles deveriam cruzar a fronteira para o Egito”, diz ele, seja “temporária ou permanentemente”.

Aos receios dos palestinos soma-se uma frase do discurso do presidente Joe Biden, em 20 de outubro, quando pediu ao Congresso dos EUA que aprovasse recursos para apoiar Israel e a Ucrânia.

O texto se refere à crise que “poderia muito bem levar ao deslocamento transfronteiriço e a maiores necessidades humanitárias regionais”.

Até agora, Israel não disse querer que os palestinos atravessem a fronteira.

O que as Forças de Defesa Israelenses (FDI) têm repetido aos civis é que estes se deslocam para “áreas seguras” no sul, sem definir exatamente a que áreas se referem.

No Egito, por sua vez, o presidente Abdel Fattah el Sissi já alertou que a guerra de Israel em Gaza poderia ser “uma tentativa de forçar os habitantes civis” a emigrar para aquele país.

Mas, assumindo que ainda haverá palestinos na Faixa de Gaza quando tudo isto acabar, quem irá governá-los?

“Essa é a pergunta de um milhão de dólares”, diz Milshtein.

Na opinião dele, Israel deveria apoiar a criação de um novo governo, liderado pelos próprios palestinos de Gaza, com a participação dos líderes locais e o apoio dos Estados Unidos, do Egito e talvez da Arábia Saudita.

Deveria também incluir líderes do Fatah, grupo palestino rival que o Hamas expulsou violentamente de Gaza um ano depois de vencer as eleições em 2006.

O Fatah é o partido que controla a Autoridade Nacional Palestina (AP), com sede na cidade de Ramallah, na Cisjordânia.

Mas tanto a AP como o seu presidente, Mahmoud Abbas, são muito impopulares entre os palestinos, seja na Cisjordânia ou na Faixa de Gaza.

De acordo com Diana Buttu, a AP pode desejar secretamente regressar a Gaza, mas não se isso significar "cavalgar nas costas de um tanque israelense".

A veterana política palestina Hanan Ashrawi, que trabalhou brevemente na AP na década de 1990, se irrita com a ideia de estrangeiros, incluindo Israel, mais uma vez tentando determinar como os palestinos conduzem suas vidas.

"As pessoas pensam que isso é um tabuleiro de xadrez e que podem mover alguns peões aqui e ali e conseguir um xeque-mate no final. Isso não vai acontecer", diz.

“Eles podem encontrar alguns que queiram ajudar”, afirma, “mas a maior parte da população em Gaza não aceitará isso bem”.

Mesmo aqueles que já enfrentaram guerras em Gaza, embora não nesta escala, reconhecem que existe uma profunda apreensão e uma sensação de que quase tudo já foi tentado antes.

O ex-funcionário do Mossad Haim Tomer disse que suspenderia as operações militares por um mês como parte de um plano para libertar primeiro os reféns.

Em 2012, após uma onda anterior de combates em Gaza, Tomer acompanhou o diretor da Mossad ao Cairo para conversas secretas que resultaram num cessar-fogo.

Naquela ocasião, os representantes do Hamas, diz ele, estavam “do outro lado da rua”, com autoridades egípcias agindo como intermediários.

Tomer acredita que um mecanismo semelhante poderia ser usado agora, mas acrescenta, quase certamente, que Israel teria de estar disposto a pagar um preço elevado.

"Não me importo se libertarmos alguns milhares de prisioneiros do Hamas. Quero ver o nosso povo voltar para casa."

Ele explica que, uma vez que isso aconteça, Israel poderá decidir se retomará as operações militares em grande escala ou optará por um cessar-fogo de longo prazo.

O que está claro, diz ele, é que, sem separar fisicamente esse território e arrastá-lo para o Mediterrâneo, Israel está destinado a lidar com a Faixa de Gaza indefinidamente.

"É como um osso na garganta."

Fonte: correiobraziliense

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