23 de Novembro de 2024

As balas de hortelã que envenenaram uma cidade inteira no Halloween


Um punhado de doces é tão sinônimo de Halloween quanto uma fantasia assustadora ou uma abóbora macabra.

Mas, em 31 de outubro de 1858, guloseimas normalmente inofensivas foram responsáveis pela morte de crianças e pânico em Bradford, na Inglaterra.

Foi assim que uma tentativa de poupar alguns centavos em açúcar abalou a Grã-Bretanha vitoriana e levou a alterações nas leis do Reino Unido.

Quando William Hardacre encerrou o dia de trabalho, parabenizou a si mesmo pelo sucesso nas vendas.

Naquele dia, o dono de barraca no mercado local, conhecido por muitos como Humbug Billy, não só havia vendido cinco quilos de pastilhas de hortelã-pimenta para os moradores de Bradford, como também as tinha comprado por um excelente preço.

Ao buscar os doces no revendedor, ele havia notado que estavam mais escuros do que o normal. Pechinchou com o confeiteiro Joseph Neal e conseguiu uma economia de meio centavo por quilo.

Mas a falha de Hardacre em questionar a qualidade tornou-se um erro caro — no anoitecer do dia seguinte, vários de seus clientes estavam mortos.

De início, o médico que atendeu Elijah Wright, de nove anos, nas primeiras horas do Halloween de 1858, pensou que o menino havia morrido de cólera.

O cirurgião John Roberts achou que os sintomas — vômitos e convulsões — eram consistentes com a doença, à época comum na Inglaterra.

Uma hora depois, o pai de Joseph Scott saiu de casa em Railroad Street em busca de um médico para o filho, de 14 anos, que repentinamente ficou gravemente doente. Quando Scott voltou, já era tarde demais.

Ambos os meninos, descobriu-se mais tarde, haviam comprado doces de Humbug Billy no dia anterior — mas a ligação ainda não estava estabelecida.

Foi o dr. John Henry Bell quem suspeitou dos doces quando chegou à Jowett Street por volta das 15h.

Orlando Burran, de cinco anos, e seu irmão John Henry, de três, estavam mortos diante dele; o pai e outras duas pessoas da mesma casa também estavam doentes naquela manhã, e todos haviam comido os doces.

O médico levou então alguns doces para a análise do químico Felix Marsh Rimmington.

À medida que o dia avançava, começaram a chegar relatos de todo o distrito sobre pessoas adoecendo e morrendo.

Tendo sabido dos doces com os Burrans, a polícia foi até a casa de Hardacre, o vendedor do mercado, e descobriu que ele também estava doente, de cama, e que havia vendido cerca de 1.000 doces no dia anterior.

"A polícia ficou horrorizada ao descobrir que havia [tantos] doces em circulação", diz a dra. Lauren Padgett, curadora assistente de coleções dos Museus e Galerias do Distrito de Bradford.

"Naquele momento, já era tarde da noite de domingo, e eles saíram para as ruas tocando sinos para chamar a atenção das pessoas, gritando avisos. Eles iam de bar em bar dizendo às pessoas: 'Não comam os doces, são venenosos'."

Avisos foram rapidamente impressos e afixados em locais públicos.

Uma lista dos que estavam mortos ou gravemente doentes foi publicada no Bradford Observer e, em 4 de novembro, o número chegou a 18, o mais jovem com apenas 17 meses.

O jornal descreveu a lista crescente de vítimas como "a tragédia mais terrível que talvez já tenha se abatido sobre o distrito... [espalhando] sofrimento, luto e angústia".

Os detetives foram rápidos em descobrir como os doces foram adulterados.

Eles seguiram a trilha de Hardacre até Neal, que pensou ter substituído parte do açúcar caro dos doces por pó de gesso de Paris.

Era prática comum no século 19 usar o pó no lugar de ingredientes caros, já que podia ser comprado a preço baixo nas farmácias.

O que Neal não sabia era que, no dia no qual mandou seu colega buscar o pó de gesso, o farmacêutico Charles Hodgson estava doente e disse ao seu aprendiz não treinado, William Goddard, onde encontrar o produto.

Infelizmente, havia dois barris de pó branco sem identificação no mesmo local — um contendo o pó inócuo e o outro contendo arsênico, venenoso.

"Goddard foi até um barril que acreditava conter gesso e coletou 12 libras dele, deu-o ao jovem que o levou de volta à confeitaria, onde outro funcionário começou a fazer as pastilhas e misturá-las", diz o Dr. Padgett.

"Ele próprio ficou muito doente por ter sido exposto ao arsênico, mas, em vez de isso soar o alerta, ele continuou a produzi-los."

A situação ganhou grandes proporções após Humbug Billy retirar seu pedido e negociar um desconto nos doces de aparência estranha, que em seguida foram vendidos em sua barraca no Green Market, que mais tarde virou o Rawson Market.

Quando o químico Rimmington analisou os doces, ele declarou, na investigação, que havia encontrado "arsênico em abundância — em quantidade suficiente para destruir vidas".

Em apenas uma pastilha, ele encontrou 16 grãos de arsênico — quatro vezes a quantidade considerada uma dose venenosa e suficiente para matar alguém várias vezes.

"Foi uma quantidade absurda de arsênico", diz o historiador de doces e confeitaria Alex Hutchinson, acrescentando.

"Para nós, como consumidores do século 21, parece uma loucura que esse elemento chocantemente venenoso, inodoro e sem gosto pudesse ser armazenado em um barril sem identificação ao lado de outro material sem rótulo, e pudesse simplesmente ser entregue para alguém do outro lado do balcão."

Os envenenamentos provocaram protestos públicos, e jornais de todo o país cobriram o caso em profundidade.

O artista John Leech talvez tenha se tornado tão conhecido por seu desenho de um esqueleto misturando açúcar em uma loja de doces publicada na revista Punch, quanto por ilustrar a primeira edição de Um Conto de Natal, de Charles Dickens.

Mas o sofrimento foi mais sentido em Bradford — agora uma cidade, mas antes um distrito de 50.000 habitantes — onde "por um breve período, [foi] como se uma terrível praga nos tivesse atingido", escreveu o Bradford Observer.

Oficialmente, 20 pessoas — muitas delas crianças — morreram e outras 200 ficaram gravemente doentes, mas a dra. Padgett suspeita que os números tenham sido bastante superiores, pois os doces também foram encontrados em Leeds e em Bolton.

"Foi muito angustiante para todos", diz ela. "Bradford era muito pequena e próxima, então, quando algo acontecia na comunidade, todos eram afetados, e foi o que aconteceu nesse caso. É provável que as pessoas conhecessem alguém que foi afetado."

Em última análise, os envenenamentos de Bradford realçaram a importância de garantir a segurança dos medicamentos e produtos de consumo, de acordo com a Royal Pharmaceutical Society.

E o caso ajudou a inaugurar a Lei das Farmácias de 1868, que não só limitou a venda de produtos venenosos e medicamentos perigosos a farmacêuticos qualificados, mas também estabeleceu um quadro regulatório para a venda de componentes venenosos que até hoje exige que os medicamentos sejam devidamente rotulados.

Se estivesse em vigor uma década antes, a lei poderia ter impedido Goddard de escolher o barril errado e vender o pó venenoso. Mas não teria resolvido a questão mais ampla dos alimentos adulterados — a indústria precisava de regulamentação e reforma, diz a sra. Hutchinson.

"Até 1820, a maioria de nós vivia em aldeias ou em pequenas cidades onde conhecíamos as pessoas que forneciam os nossos alimentos. Mas, com a Revolução Industrial, os fabricantes produziam produtos em grandes quantidades e adicionavam substâncias para diluir os alimentos e preservar o seu prazo de validade, melhorar a aparência ou torná-los mais baratos. E esse foi o problema em Bradford."

Uma lei que impede a adulteração não comunicada de produtos foi finalmente aprovada em 1875 na forma da Lei de Venda de Alimentos e Drogas.

Mas os avisos poderiam ter sido levados em consideração muito antes, diz Hutchinson. Em 1820, o químico Friedrich Accum escreveu em seu livro Death in the Pot que alimentos do dia a dia como leite, farinha, cerveja e doces eram rotineiramente adulterados.

"O livro de Accum foi um grande best-seller — ele alertou os consumidores para ficarem atentos ao fato de que havia adulterantes [em seus alimentos]", diz ela.

"Mas simplesmente não havia legislação para proteger as pessoas, e acho que Bradford foi a gota d’água."

Embora tenham sido implementadas leis para evitar que uma tragédia como a de Bradford se repetisse, talvez seja chocante saber que ninguém foi condenado.

Humbug Billy nunca foi preso, mas ficou paralisado pelos efeitos de seus doces contaminados. Neal, Goddard e Hodgson foram presos por homicídio culposo e o inquérito concluiu que este último era culpado, embora tenha admitido que "o arsênico foi vendido acidentalmente e misturado sob a suposição de que era pó de gesso".

O grande júri, no entanto, rejeitou as acusações contra Neal e Goddard e, de acordo com o Bradford Observer, o próprio juiz interrompeu o processo contra Hodgson.

"Nenhum outro resultado era esperado", dizia o relatório do tribunal. "A única coisa realmente criminosa do episódio foi o que lei não podia alcançar — a prática da adulteração e o fornecimento de pós para esse fim. Se o trágico episódio ensinar esta lição, não terá sido em vão."

No final, a cadeia de acontecimentos que levou aos envenenamentos de Bradford foi "pura incompetência", acrescenta Hutchinson. "Mas, como uma história de Halloween, é uma bem horrível."

Fonte: correiobraziliense

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