O Vaticano anunciou mudanças que permitem que pessoas transgênero sejam batizadas e atuem como padrinhos durante os batismos na Igreja Católica. A decisão é uma resposta ao bispo brasileiro José Negri, da Diocese de Santo Amaro (SP), que enviou seis perguntas relacionadas às pessoas LGBTQIAP+ para o Dicastério da Doutrina da Fé, um departamento da Santa Sé.
O documento, aprovado pelo papa Francisco durante audiência realizada no dia 31 de outubro, também estabelece que pessoas trans possam ser testemunhas de casamento. Além disso, determina que filhos de casais homoafetivos devem ser batizados, mesmo que tenham nascido de barriga de aluguel, desde que "haja uma esperança bem fundamentada de que eles serão educados na fé católica".
Doutor em teologia moral e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), André Boccato define a resolução como um sinal verde para que a religião católica escute, dialogue, acompanhe e se integre às mudanças. "Respondendo à pergunta do bispo, o papa está indiretamente dando um aviso de que a Igreja Católica jamais pode excluir alguém", avalia.
Diante das questões enviadas pelo bispo brasileiro, a conclusão do pontífice e do chefe do Dicastério da Doutrina da Fé, o cardeal argentino Víctor Manuel Fernández, foi de que os sacramentos são permitidos "se não houver situações em que haja risco de causarem escândalo público ou desorientação entre os fiéis". O teólogo ressalta que, principalmente com relação ao batismo e ao matrimônio, existe um código de direito canônico da Igreja, de alcance universal.
Segundo Boccato, a decisão pode ser interpretada sob duas óticas que se completam: uma delas canônica-institucional e a outra de caráter teológico. "A grande preocupação de Francisco em seu pontificado, que completou 10 anos em março, é a de que a Igreja se aproxime das pessoas. Mais do que ser próxima, seu desejo é acolher e integrar, sem discernir."
Significado
Francis DeBernardo é diretor-executivo do New Ways Ministry ("Ministério Novos Caminhos"), organização de defesa e justiça para católicos LGBTQIAP+ sediada em Mount Rainier (Maryland). Para ele, a mudança ajudará outros católicos a enxergarem as pessoas trans como pessoas de fé. "Há uma suposição de que essas pessoas estão fora da Igreja ou não são membros fiéis, o que é totalmente falso", argumenta. "Quando outros católicos as virem nesses papéis sacramentais, entenderão a seriedade da fé transgênero."
DeBernardo ainda aponta que, antes do anúncio, não havia nenhuma restrição às pessoas LGBTQIAP na religião católica e tudo dependia de visões individuais dos padres e bispos. Agora, ele afirma que a medida ajudará na inclusão da comunidade nas igrejas. "Acredito que haverá alguma resistência, mas essas novas políticas são uma base para que pessoas trans apelem contra proibições locais", aponta.
Apesar do avanço, ele destaca que há muito a ser feito. "Ainda temos que considerar tópicos, como pessoas transgênero serem permitidas a trabalhar nas igrejas e não serem demitidas por sua identidade de gênero", destaca. Ele também diz ser preciso mais proteção dos direitos de pessoas trans em instituições católicas, particularmente em hospitais.
Brasil
Em relação ao cenário brasileiro, o teólogo André Boccato considera que mesmo em um país onde a questão LGBTQIAP+ ainda é um tabu — o Brasil está no topo do ranking de nações que mais matam pessoas trans no mundo, segundo dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) —, a carta do Vaticano terá um impacto positivo. "Será um eco, no sentido de dizer que a vida sacramental não é apenas para os santos, para os puros, para os perfeitos, mas um caminho para todos."
"O papa, de fato, sabe das resistências que há na Igreja e reconhece que elas podem gerar uma violência simbólica, existente nas religiões. Ele quer retomar o que é mais fundamental ao cristianismo, o amor. O maior dos mandamentos é amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”, conclui.
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