O Kremlin lançou uma ampla campanha para forçar ucranianos em territórios ocupados a tornarem-se russos, segundo informou investigação liderada pela União Europeia de Radiodifusão (EBU), uma aliança de meios de comunicação de serviço público que inclui a BBC e entrevistou refugiados.
Sem a cidadania russa, ucranianos enfrentam restrições no atendimento de saúde e têm limitações para circular pelas ruas.
Refugiados entrevistados denunciaram uma implacável propaganda pró-Rússia nas terras ocupadas.
Refugiada, Larysa disse à Rede de Jornalismo Investigativo da EBU que uma de suas amigas, diabética, não recebeu insulina — parte fundamental do tratamento — até que solicitasse um passaporte russo.
Outra amiga teve que se tornar cidadã russa para tratar o braço quebrado, disse Larysa.
Ela também falou de outros tipos de pressões que forçam os ucranianos a agir como se fossem russos.
"As aposentadorias não são pagas sem passaportes russos, a alimentação fica indisponível e os serviços médicos estão fora de questão. Existe muita fiscalização nas ruas. Eles nos param a todo momento, checam os documentos e dizem que não vão deixar você passar sem um passaporte russo na próxima vez."
"Então as pessoas precisam obter esses documentos. Porque se alguém, digamos, tem vacas em um lugar e vende leite em outro, é impossível circular entre as duas localidades."
O relato de Larysa sobre a pressão para obter passaportes russos é corroborado por outros refugiados, como Lyudmyla (nome fictício) da parte ocupada da região de Zaporizhzhia.
"Quando você vai para um hospital, precisa de passaporte russo. Sem isso não vão te tratar. Ao dirigir sem um passaporte russo e ser parado, eles podem simplesmente levar seu veículo. Então as pessoas são forçadas a obtê-los. Os aposentados são obrigados a fazer passaportes russos para receber os pagamentos. É uma questão de sobrevivência."
No passado, a Rússia entregou passaportes a residentes das regiões separatistas da Geórgia e da Ossétia do Sul, e depois usou essa estratégia como parte da sua justificativa para invadir a Geórgia em 2008.
Mas Lyudmyla e sua amiga Oksana (nome fictício) dizem que a principal razão pela qual deixaram as suas casas foi porque seus filhos foram forçados a estudar pelo sistema escolar russo.
"Acabamos saindo após a abertura de uma escola russa à qual fomos forçados a aderir. Nos disseram que, se não deixássemos os nossos filhos irem para lá, eles iriam levá-los embora e nos tirar a guarda."
"Quando você manda seus filhos para a escola, você deve ter um passaporte russo. Se você não tiver o documento, seu filho terá problemas e você terá problemas."
"Que tipo de problemas? Você perderá seus direitos sobre eles. Eles levarão nossos filhos embora e pronto, você ficará sem filhos", denuncia Lyudmyla.
No início de 2023, a Rússia anunciou novo material didático visando a justificar a sua invasão da Ucrânia.
Os livros retratam falsamente a Ucrânia como um Estado agressivo governado por extremistas nacionalistas e manipulado pelo Ocidente, que usaria o país como uma "arma de guerra" contra a Rússia.
Oksana diz que saiu porque temia ver seu filho de 20 anos convocado para o exército russo e forçado a lutar contra os ucranianos.
O historiador Artem Petryk esteve na cidade de Kherson, no sul, enquanto foi ocupada pelos russos entre fevereiro e novembro de 2022. Ele descreveu os esforços russos para influenciar os corações e mentes da população local.
"Desde os primeiros dias da ocupação, eles tomaram o controle da televisão e começaram a transmitir rádio russa. Divulgaram uma onda de falsidades sobre a Ucrânia e o Ocidente, tentando glorificar o exército e o Estado russos."
"Instalaram por toda a cidade outdoors com retratos de czares e comandantes russos, e havia slogans dizendo que Kherson era uma cidade com história russa, que ficariam lá para sempre, e assim por diante."
"Eles tentaram impor a identidade russa usando o espaço público. Contavam nos outdoors os dias até então com bandeira russa, os dias de Rússia na região e, claro, tentaram estabelecer o controle sobre as escolas. Eles trouxeram o currículo escolar deles, principalmente as aulas de história, claro, e tentaram impor suas visões de mundo", relata Petryk.
Larysa descreve a estratégia como "russificação".
"Funciona como as armas — não as que disparam, mas as morais. Às vezes, essa munição moral dói mais do que uma metralhadora. Porque as metralhadoras disparam uma vez e pronto, mas a arma moral oprime você todos os dias. Isso é muito difícil", diz Larysa.
Fonte: correiobraziliense
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