20 de Setembro de 2024

As plataformas de emprego para mães que priorizam família sem abandonar carreira


Na maior parte da sua vida profissional, Becky White não teria pensado em trocar seu cargo como executiva de marketing por um emprego em meio período. Ela adorava o seu trabalho e tinha orgulho da carreira que construiu.

Mas, dois anos atrás, quando teve seu segundo filho (um menino, que ela sabia que seria o último), mudou de opinião.

White mora nos Estados Unidos com o marido e seus quatro filhos. Ela começou a buscar formas de reduzir sua jornada de trabalho e passar mais tempo em casa.

"Hesitei em fazer essa pausa", relembra ela. "Sofri muita angústia e hesitação para sair voluntariamente do mercado de trabalho. Queria manter minha identidade e minha trajetória profissional."

Pesquisando na internet, ela encontrou a plataforma The Mom Project, que apresenta oportunidades de trabalho flexível em período integral e em meio período para mulheres. White percebeu que talvez houvesse uma forma de passar mais tempo com seu bebê e continuar trabalhando.

Ela conseguiu rapidamente um emprego em meio período no setor de marketing digital de uma marca de cosméticos para a pele. Posteriormente, assumiu outros trabalhos como freelancer com diferentes empresas, todos encontrados pela plataforma.

Os horários eram flexíveis e ninguém se preocupava em saber quando ou onde ela trabalhava, desde que atingisse suas metas, diz ela.

White tem pouco mais de 40 anos. Recentemente, decidiu que estava na hora de voltar a trabalhar em tempo integral. Agora, trabalha em casa como diretora de marketing de uma empresa de tecnologia de Pittsburgh, nos Estados Unidos.

Ela afirma que seus empregos em meio período tiveram importância fundamental para ajudá-la a retornar sem perder o pique.

"Tive o benefício dessas experiências que me permitiram migrar de volta com mais facilidade", conta.

À medida que cada vez mais mulheres e cuidadores procuram equilibrar suas prioridades profissionais e familiares, trabalhadores americanos vêm procurando plataformas para talentos digitais, como The Mom Project e The Second Shift, em busca de oportunidades de trabalho flexíveis.

Algumas dessas plataformas já estão disponíveis online há alguns anos, mas estão crescendo mais rápido que nunca e apresentam boas oportunidades para os cuidadores, que representam cerca de três quartos dos profissionais dos Estados Unidos. E plataformas similares existem em todo o mundo, em países como Reino Unido, Austrália e até mesmo Brasil.

Essa tendência faz parte de uma mudança mais ampla ocorrida após a pandemia, que está levando os profissionais a assumir o controle do equilíbrio entre a sua vida pessoal e o trabalho, moldando carreiras que atendam às necessidades, objetivos e fases da vida de cada um.

"As mulheres cuidam das suas carreiras de forma holística", segundo Tami Forman, fundadora da organização sem fins lucrativos Path Forward, que promove estágios em meio de carreira para profissionais que deixaram o trabalho para cuidar de responsabilidades pessoais.

Para Forman, "elas compreendem que, em diferentes fases da vida, podem precisar ou querer se afastar e, depois, retomar as atividades. Infelizmente, não existe muito suporte cultural para ajudar as mulheres neste processo."

"Por isso, qualquer organização que consiga manter as mulheres no mercado de trabalho de alguma forma e facilitar o seu retorno como se nunca tivessem saído é muito importante."

Pesquisas indicam que as mulheres que saem do mercado de trabalho para cuidar dos filhos não apenas enfrentam dificuldades para retomar o trabalho remunerado, mas também pagam um alto preço em termos salariais ao longo da vida.

Essas plataformas para talentos cresceram desde a pandemia e, agora, oferecem um possível caminho para desafiar os padrões e remover as barreiras para o retorno ao trabalho, permitindo que mulheres e cuidadores exerçam suas profissões sem sacrificar suas responsabilidades familiares.

Ainda assim, especialistas afirmam que a popularidade das plataformas reafirma uma realidade preocupante: quando o assunto é criar ambientes de trabalho verdadeiramente flexíveis, muitas empresas ficam aquém das expectativas.

Será que as plataformas online oferecem soluções sustentáveis ou servem apenas de remendo para um problema mais profundo?

A pandemia impôs sérias dificuldades para as mães que trabalham.

Elas deixaram o mercado de trabalho em números recorde, levadas principalmente pelo aumento das responsabilidades de assistência, um problema particularmente acentuado nos Estados Unidos.

Ao mesmo tempo, setores tradicionalmente dominados pelas mulheres, como enfermagem, educação e hospedagem, sofreram enormes perdas de postos de trabalho durante os lockdowns e as medidas de distanciamento social.

Mas, atualmente, o quadro parece um pouco melhor. O número de mulheres no mercado de trabalho é recorde, e o aumento mais significativo ocorreu entre as mães de crianças pequenas.

Um relatório do Projeto Hamilton do centro de estudos americano Brookings Institution indica que mais de 70% das mulheres com filhos com menos de cinco anos estão no mercado de trabalho, contra 68,9% antes da pandemia.

O crescimento do trabalho remoto age como força motriz dessa mudança, em grande parte para os trabalhadores do conhecimento — aqueles que usam principalmente seus conhecimentos, informações e inteligência para desenvolver o seu trabalho.

Mas muitas mães e cuidadores buscam um nível de flexibilidade que vá além de simplesmente trabalhar em casa. Eles podem precisar pegar os filhos na escola no meio do dia ou comparecer a outros compromissos familiares. E podem também querer trabalhar em jornadas não lineares, em vez do cronograma fixo das 9h às 17h.

Essa percepção cada vez maior alimentou o crescimento das plataformas de talentos voltadas aos cuidadores.

Somente neste ano, The Mom Project, por exemplo, recebeu 400 mil novos membros. A companhia afirma que sua base de usuários tem mais de 1,5 milhão de pessoas.

E a comunidade de usuários The Second Shift também aumentou exponencialmente nos últimos três anos, segundo a empresa.

Durante a pandemia, a The Second Shift começou a promover webinários gratuitos para seus membros, abordando os prejuízos à saúde mental e emocional, além do trabalho invisível das mulheres e dos pais e mães que trabalham.

Desde então, a empresa formou uma plataforma de conteúdo, que inclui redes sociais, canal no YouTube e um podcast.

As mães e os cuidadores atraídos por essas plataformas buscam acomodar o trabalho não apenas por necessidades financeiras, mas também devido às suas ambições profissionais de permanecer no mercado de trabalho, segundo a professora de administração Laura M. Little, da Escola de Negócios Terry da Universidade da Geórgia, nos Estados Unidos.

Little afirma que "elas precisam trazer dinheiro para casa e querem manter uma identidade social, além da sua identidade como mães".

Tanto as mães quanto seus empregadores continuam se beneficiando desse desenvolvimento, especialmente no curto prazo, segundo a professora.

Os empregadores ganham acesso a profissionais altamente qualificados, que podem ter sido ignorados anteriormente, para diversificar seu banco de talentos. Já as mulheres conseguem manter suas habilidades em dia.

"Elas passam a ter controle sobre o que estão fazendo e quando estão fazendo, sem precisar trabalhar em tempo integral quando não querem ou quando não podem", assinala Little.

Julie Teninbaum, designer gráfica da geração X que mora perto de Boston, nos Estados Unidos, encontrou sua primeira oportunidade como freelancer na plataforma The Second Shift, em 2016. Na época, seus filhos tinham quatro e dois anos de idade.

O projeto envolvia a criação de infográficos para uma importante empresa de tecnologia. Ela recebeu US$ 20 mil (cerca de R$ 97 mil) pelo serviço.

Ela conta que conseguir aquele trabalho fez toda a diferença para sua carreira como freelancer: "aquilo me fez sentir que poderia continuar, mesmo com minha vida caótica, enquanto encaixava meu trabalho entre trocas de fraldas e cochilos".

Agora, os filhos de Teninbaum estão mais velhos e suas horas de trabalho acompanham os horários da escola.

Ela conta que sua renda é mais ou menos parecida ao que estaria ganhando se trabalhasse em uma empresa em tempo integral.

Nos últimos anos, Tenimbaum formou uma rede de clientes, incluindo alguns que conheceu através dos recrutadores da The Second Shift.

"Eles ofereceram apoio, me senti como se eles estivessem procurando e me ajudando a conseguir trabalho", conta.

As plataformas online podem ter mudado a vida de muitas mulheres que procuravam equilibrar sua vida profissional com as responsabilidades de cuidadoras, mas especialistas se preocupam com seus possíveis efeitos de longo prazo.

Esse temor se baseia, em grande parte, nos preconceitos inerentes à estrutura de trabalho atual. Mulheres que decidem assumir cargos flexíveis ou em meio período podem encontrar perspectivas de crescimento limitadas e salários mais baixos, em comparação com os profissionais que trabalham em tempo integral.

Os profissionais costumam pagar o preço da flexibilidade, segundo a professora de administração Ellen Ernst Kossek, da Escola de Negócios Mitchell E. Daniels da Universidade Purdue, nos Estados Unidos.

Kossek explica que as pesquisas indicam a existência de estigmatização real ou indireta da flexibilidade.

Alguns gerentes mantêm preconceitos contra funcionários que trabalham de forma flexível e os consideram menos comprometidos e menos produtivos, em comparação com seus colegas que trabalham em horários tradicionais.

Essas soluções ajudam a satisfazer a necessidade imediata de trabalho flexível entre os cuidadores, mas também destacam a falta de esforço por parte da maioria dos empregadores para tornar os empregos mais administráveis e os ambientes de trabalho mais familiares.

"Eles não estão enfrentando as limitações da oferta e o alto custo da assistência infantil e ainda consideram que as mães irão atender à maior parte das necessidades", afirma Kossek.

"Prefiro que essas plataformas continuem existindo — elas oferecem às mulheres a flexibilidade de que elas precisam — mas os empregadores estão se safando com facilidade. No longo prazo, elas não são a solução."

Mas as plataformas podem ser parte de uma solução mais ampla.

Antes da pandemia, a empresa americana de serviços financeiros Synchrony, cujos funcionários são principalmente mulheres, era muito tradicional, segundo conta o diretor de recursos humanos da empresa, D. J. Castro: "a grande maioria trabalhava no escritório e passávamos tempo demais discutindo se um cargo poderia ser exercido em casa".

Em 2020, a empresa investiu US$ 1,5 milhão (cerca de R$ 7,3 milhões) no The Mom Project e contratou diversas funcionárias através da plataforma.

Castro conta que a parceria com a plataforma durante a pandemia abriu os olhos da empresa.

Desde então, a Synchrony introduziu uma série de opções de trabalho flexível, permitindo que os funcionários decidissem como e onde trabalhar. A empresa consulta seus funcionários com frequência, para garantir que sejam oferecidos benefícios mais relevantes.

"Nós aprendemos que, se você quiser se diferenciar, atrair e reter talentos diversificados, especialmente mulheres e cuidadores, é preciso repensar radicalmente a velha escola sobre como as pessoas estão fazendo seu trabalho", afirma ele.

Mas, a menos que haja uma mudança em massa no sentimento dos empregadores, a necessidade de plataformas e organizações que apoiem os cuidadores nas várias etapas da carreira continuará a existir, segundo Tami Forman, da Path Forward.

Para ela, ajudar as pessoas a encontrar formas criativas de equilibrar a carreira e o cuidado com os filhos é fundamental.

"Em condições normais, o impacto financeiro de sair do mercado de trabalho é imenso."

Becky White destaca que é muito grata ao The Mom Project, pela oportunidade de tempo essencial que conseguiu para ela e seu bebê e, paralelamente, manter-se ativa no mercado de trabalho.

"Para mim, foi a manutenção do equilíbrio", conta. "Queria continuar trabalhando e manter minha identidade, mas também queria ser uma mãe mais interativa."

E White conseguiu.

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Worklife.

Fonte: correiobraziliense

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