22 de Novembro de 2024

Viajar no tempo é possível? O que diz a Física


A série Doctor Who, sem dúvida, é uma das histórias mais famosas sobre viagens no tempo.

Ao lado de A Máquina do Tempo, de H. G. Wells, e da trilogia De Volta para o Futuro, Doctor Who — que completa 60 anos em 2023 — explora as tentações e os paradoxos de visitar o passado e se aventurar no futuro.

Na série de TV, o Doutor viaja pelo tempo na Tardis — uma nave sofisticada que pode ir a qualquer lugar, no tempo e no espaço. A Tardis ficou famosa por desafiar nossa compreensão do espaço físico, já que a nave é maior por dentro do que parece por fora.

E a Tardis tem também uma aparência única. Uma falha no seu sistema de camuflagem fez com que ela assumisse a forma de uma antiga cabine telefônica policial britânica e não conseguisse mais mudar o seu aspecto.

Na série, a função de camuflagem é chamada de "circuito camaleão" — um erro lamentável, já que os camaleões mudam de cor principalmente para avisar uns aos outros, não como disfarce.

De qualquer forma, por mais que as viagens no tempo possam ser importantes para Doctor Who, a série nunca tenta basear as capacidades da Tardis em nada que se assemelhe à física do mundo real. Seria estranho reclamar disso — afinal, Doctor Who pretende ser um conto de fadas, sem se basear na ficção científica realista.

E no mundo real? Será que, algum dia, conseguiremos construir uma máquina do tempo e viajar para o passado distante, ou ver nossos tatatatatatatataranetos no futuro?

Para responder a esta pergunta, é preciso compreender como realmente funciona o tempo — algo que os físicos estão longe de conhecer com certeza.

O que podemos afirmar com convicção no momento é que viajar para o futuro é possível, mas voltar ao passado pode ser extremamente difícil, ou absolutamente impossível.

Vamos começar com a teoria da relatividade de Albert Einstein. Ela descreve o que é o espaço, o tempo, a massa e a gravidade.

Uma conclusão fundamental da teoria da relatividade é que o fluxo de tempo não é constante. O tempo pode acelerar ou andar mais lentamente, dependendo das circunstâncias.

"É aqui que pode entrar a viagem no tempo, ela é cientificamente precisa e existem repercussões no mundo real", afirma a astrofísica Emma Osborne, da Universidade de York, no Reino Unido.

O tempo passa mais devagar, por exemplo, se você viajar em alta velocidade — embora seja preciso chegar perto da velocidade da luz para observar efeitos significativos.

Tal fenômeno gera o paradoxo dos gêmeos, em que um de dois gêmeos idênticos se torna astronauta e sai em disparada pelo espaço, perto da velocidade da luz. Enquanto isso, o outro irmão permanece em terra firme.

O resultado é que o astronauta irá envelhecer mais lentamente do que o irmão gêmeo que mora na Terra.

"Se você viajar e voltar, você realmente será mais jovem que o seu irmão gêmeo", segundo o físico quântico Vlatko Vedral, da Universidade de Oxford, no Reino Unido.

Os gêmeos Scott e Mark Kelly viveram esta experiência entre 2015 e 2016, quando Scott passou meses no espaço, mesmo não tendo atingido velocidades próximas à da luz.

Da mesma forma, o tempo passa mais devagar se você estiver em um campo gravitacional intenso, como um buraco negro.

"A sua cabeça envelhece mais rápido que os seus pés, pois a gravidade da Terra é mais forte nos pés", segundo Osborne.

Doctor Who abordou este fenômeno no final da sua 10ª temporada. No episódio intitulado World Enough and Time ("Mundo e Tempo Suficientes"), o 12º Doutor e seus amigos ficam presos em uma espaçonave perto de um buraco negro.

Na frente da nave, mais perto do buraco negro, o tempo passa mais lentamente do que na parte de trás. Com isso, um pequeno grupo de cybermen (raça fictícia de ciborgues) na parte traseira da nave consegue se transformar em um imenso exército em questão de minutos, do ponto de vista do Doutor.

Esse mesmo efeito da gravidade sobre o tempo também foi incluído no roteiro do filme Interestelar (2014).

No nosso dia a dia, esses efeitos da teoria da relatividade são pequenos demais para podermos observá-los. Mas eles afetam os satélites que usamos para nos orientar pelo GPS, o sistema de posicionamento global.

"Os relógios no céu andam mais rápido que os relógios na Terra" e precisam ser constantemente acertados, segundo Osborne.

"Se não acertássemos, o Google Maps apresentaria erros de cerca de 10 km por dia."

A teoria da relatividade indica que é possível viajar para o futuro. E, na verdade, não precisamos nem mesmo de uma máquina do tempo.

Precisamos "apenas" viajar em velocidades próximas à da luz ou passar algum tempo em um intenso campo gravitacional.

Na teoria da relatividade, essas duas ações são essencialmente equivalentes. Das duas formas, você irá atravessar um período de tempo subjetivo relativamente pequeno, enquanto décadas ou séculos se passam no restante do Universo.

Portanto, se você quiser observar o que irá acontecer daqui a centenas de anos, aqui está a receita.

Mas visitar o passado parece extremamente mais difícil.

"Pode ser possível ou não", segundo o físico teórico Barak Shoshany, da Universidade Brock em St. Catharines, no Canadá.

"No momento, os conhecimentos que temos são simplesmente insuficientes, possivelmente teorias insuficientes."

A relatividade oferece algumas opções para viagens para trás no tempo, mas elas são muito mais teóricas.

"As pessoas ficam presas em nós, tentando encontrar formas de redisposição do espaço-tempo para fazer com que a viagem ao passado seja possível", segundo a cosmóloga teórica Katie Mack, do Instituto de Física Teórica Perimeter em Waterloo, no Canadá.

Uma forma é criar uma curva de tempo fechado — um caminho através do espaço e do tempo que volta ao princípio sobre si mesmo.

Uma pessoa que seguisse esse caminho acabaria por se encontrar de volta ao mesmo tempo e lugar de onde começou.

O filósofo e matemático austríaco Kurt Gödel (1906-1978) publicou uma descrição matemática desse caminho em um estudo de 1949. Muitos outros autores se seguiram desde então.

Mas esse não parece ser um caminho promissor, por diversos motivos.

"Não sabemos se isso existe em algum lugar do Universo", afirma Vedral.

"Na verdade, é algo puramente teórico, não existem evidências."

Também não está tão claro como isso pode ser feito.

"Mesmo se tivéssemos poderes tecnológicos muito maiores do que temos atualmente, parece improvável que conseguíssemos criar curvas de tempo fechado de propósito", afirma a filósofa Emily Adlam, da Universidade Chapman na Califórnia (Estados Unidos).

E, segundo Vedral, mesmo se pudéssemos, não iríamos querer fazê-lo.

"Você estaria literalmente repetindo exatamente a mesma coisa inúmeras vezes", afirma ele.

Doctor Who exibiu uma configuração parecida no clássico episódio Heaven Sent ("Enviado ao Paraíso"), da nona temporada da série.

Nele, o 12º Doutor vive as mesmas horas repetidas inúmeras vezes por bilhões de anos. Mas não havia uma curva de tempo fechado, apenas o uso repetido de um aparelho de teletransporte.

Em um estudo de 1991, o físico americano Richard Gott apresentou uma descrição matemática de um cenário similar. Nele, duas "cordas cósmicas" se moviam uma atrás da outra, em direções opostas. Segundo seus cálculos, isso criaria curvas de tempo fechado em torno das cordas.

Parece uma solução viável, mas onde podemos encontrar um par de cordas cósmicas?

Elas são fenômenos hipotéticos que podem ter se formado logo no início do Universo, segundo algumas teorias. Mas, até agora, nenhuma foi encontrada.

"Não temos razões para acreditar que as cordas cósmicas existam", segundo Mack.

E, mesmo se elas existirem, encontrar duas delas se movendo livremente em paralelo seria um golpe de sorte inacreditável.

"Não temos razão para acreditar que isso possa acontecer", afirma ela.

Mas a teoria da relatividade oferece outra possibilidade: os buracos de minhoca.

Teoricamente, é possível dobrar o espaço-tempo como se fosse uma folha de papel. Poderíamos, então, perfurar um túnel através do espaço-tempo para criar um atalho entre duas partes separadas por longa distância.

"Os buracos de minhoca, teoricamente, são possíveis na relatividade geral", segundo Vedral.

Mas, aqui, os problemas novamente se acumulam. Em primeiro lugar, não temos evidências de que os buracos de minhoca realmente existam.

"Foi demonstrado matematicamente que eles podem existir, mas sua existência física é outra questão", afirma Osborne.

E, se eles realmente existirem, sua vida será incrivelmente curta.

"Muitas vezes, os buracos de minhoca são descritos como dois buracos negros que se uniram", segundo Osborne. Por isso, o buraco de minhoca teria um campo gravitacional incrivelmente intenso.

"Ele desabaria sob sua própria gravidade."

Os buracos de minhoca reais também teriam tamanho microscópico. Seria impossível colocar uma bactéria dentro deles, que dirá uma pessoa.

Teoricamente, estes dois problemas podem ser resolvidos, mas à custa de uma enorme quantidade de algo conhecido como "energia negativa".

Ela pode ocorrer na menor escala absoluta, dentro de espaços menores do que os átomos.

Um campo de energia deve ter energia geral positiva, mas pode haver minúsculos bolsões de energia negativa no seu interior, segundo Osborne.

"Seria preciso fazer com que esses minúsculos bolsões de energia negativa local se expandissem", explica ela.

"Não acho que seja possível, de nenhuma forma."

Vedral acrescenta que esta "não parece ser uma proposta muito realista".

Até aqui, falamos sobre as viagens no tempo com base na relatividade. E quanto à outra grande teoria do Universo, a mecânica quântica?

Enquanto a relatividade descreve o comportamento de grandes objetos, como seres humanos e galáxias, a mecânica quântica descreve o muito pequeno — particularmente, partículas menores que os átomos, como elétrons e fótons. E, nessas escalas muito pequenas, as formas de operação da física confundem a nossa intuição.

Uma das observações curiosas que surgiram da teoria quântica é a não localidade. Uma alteração no estado de uma partícula em um local pode influenciar instantaneamente outra partícula "entrelaçada" em outro lugar. Einstein chamou este fenômeno de "ação fantasmagórica à distância".

Tal fenômeno já foi "demonstrado experimentalmente várias vezes" em pesquisas vencedoras do Prêmio Nobel, segundo Emily Adlam.

"Muitos físicos não estão nada satisfeitos com a possibilidade da não localidade", afirma ela.

Isso porque, para que o efeito seja instantâneo, a informação deve ser transmitida de um local para outro em velocidade maior que a da luz — o que, supostamente, é impossível.

Em resposta, alguns físicos propuseram formas alternativas de interpretar esses experimentos. E essas interpretações eliminam a não localidade — mas interferem na nossa compreensão do tempo.

"Em vez de ter um efeito não local instantâneo, você simplesmente enviaria o seu efeito para o futuro e, em algum ponto, ele daria meia-volta e retornaria para o passado", explica Adlam.

"Pareceria algo instantâneo." Mas, na verdade, o efeito teria viajado para o futuro e voltado.

Esta interpretação parece introduzir a "retrocausalidade" — ou seja, eventos futuros causando efeitos no passado.

É uma explicação que contraria a nossa intuição. Nós imaginamos que os eventos acontecem em linha reta, do passado até o presente e então para o futuro.

Mas, nessas peculiares configurações quânticas, as informações podem viajar para o futuro e, então, voltar para o passado.

A primeira questão a ser observada é que esta interpretação dos experimentos está longe de ser universalmente aceita. Muitos físicos quânticos defendem que introduzir a retrocausalidade é tão perturbador quanto a não localidade, ou até pior.

Mesmo se a retrocausalidade for real, ela provavelmente não irá nos transformar em Senhores do Tempo.

Para Adlam, "a retrocausalidade não é bem a mesma coisa que a viagem no tempo".

De um lado, todas as nossas observações sobre a não localidade envolvem quantidades minúsculas de partículas. Aumentar a sua escala para o tamanho humano, ou mesmo para algo menor, como uma folha de papel, seria um enorme desafio.

Segundo Adlam, até mesmo enviar uma mensagem para o passado é impossível. "A retrocausalidade é camuflada muito especificamente pela sua forma de implementação."

Para compreender melhor a questão, pense em um experimento. Vamos supor que João realize uma medição no laboratório. Mas o seu resultado depende de uma medição que Bete irá fazer mais tarde.

Em outras palavras, o experimento de Bete no futuro controla o resultado do experimento de João no passado. Mas isso só funciona se o experimento de Bete destruir todos os registros do que João fez e observou.

"Em certo sentido, você meio que estaria enviando um sinal para o passado, mas apenas destruindo todos os registros de tudo o que aconteceu", explica Adlam. "Você não conseguiria fazer uso prático disso, pois precisaria necessariamente destruir os registros da realização e envio daquele sinal."

É isso o que acontece. Na nossa compreensão atual do Universo, podemos potencialmente viajar para o futuro, mas visitar o passado pode ser completamente impossível.

A única lacuna restante é o fato de que estamos nos baseando em teorias incompletas. A relatividade e a mecânica quântica funcionam muito bem para certos aspectos do Universo, mas elas não são compatíveis entre si.

Ou seja, precisamos de uma teoria mais profunda que unifique as duas, que ainda não foi desenvolvida, mesmo depois de décadas de esforços.

"Enquanto não tivermos essa teoria, não podemos ter certeza", afirma Barak Shoshany.

E é claro que existem outras formas de analisar esta questão. No tempo necessário para ler esta reportagem, por exemplo, você já viajou cerca de sete minutos. Por isso, seja bem-vindo ao futuro!

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.

Fonte: correiobraziliense

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