Não são nômades digitais nem chegaram atraídos pelo câmbio. Pelo contrário, eles migraram apesar da desordem econômica que a Argentina vive há vários anos e sofrem, tal como os argentinos, com o aumento constante dos preços — uma inflação que ultrapassa os 140% por ano.
Os estrangeiros que optam por viver na Argentina apesar dos seus problemas somam três milhões, segundo os últimos dados do Cadastro Nacional de Pessoas. São 6,5% da população de 46 milhões do país. Isso não incluem os imigrantes que não têm residência na Argentina, número que deve ser bem maior.
“A Argentina é deliciosa em vários aspectos”, diz a americana Paige Nichols, de 36 anos, que chegou a Buenos Aires vinda de Washington há 15 anos. Para ela, a Argentina é um país que pode “deixar você louco”, mas isso não elimina as vantagens de viver numa sociedade “dinâmica e criativa”.
“A Argentina é reconhecida por ter a melhor educação da América Latina”, diz a brasileira Isla Montalier, de 29 anos, que em 2013 viajou de Sergipe para Buenos Aires para estudar medicina.
Mais de 87% dos imigrantes vêm de países sul-americanos, como é o caso de Isla.
Embora acompanhem de perto a dinâmica política do país, os estrangeiros na Argentina não podem votar nas eleições presidenciais do próximo domingo, nas quais os locais decidirão entre o ministro da Economia Sergio Massa e o autodenominado libertário Javier Milei.
"Todos conhecemos a situação do país. O que está acontecendo me atinge. Mas desde que cheguei nunca pensei em ir para outro lugar", diz Larry Montes, arquiteto de 33 anos que, antes de deixar a Venezuela em 2017, avaliou a possibilidade de se estabelecer em Santiago do Chile.
O sentimento de comunidade, a hospitalidade para com os migrantes, a energia vibrante, as universidades e a vida noturna são alguns dos motivos que explicam porque muitos estrangeiros optam por ficar na Argentina.
A BBC Mundo conversou com alguns deles sobre os motivos que os levaram a escolher a Argentina.
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No dia em que cheguei a Buenos Aires, às 5 da manhã, senti que aquele era o meu lugar no mundo. A Argentina é um país muito acolhedor com migrantes.
Em muitos outros países latino-americanos, os venezuelanos são vítimas de xenofobia. No caso da Argentina, somos uma comunidade respeitada, os argentinos nos fazem sentir parte do país.
Para dar um exemplo, no meu primeiro emprego conheci uma pessoa na casa de alguns conhecidos e na semana seguinte já estávamos comendo um churrasco na casa dele.
Sou arquiteto e desde o início encontrei trabalho no setor da construção. Os profissionais argentinos sempre me trataram com respeito em meus locais de trabalho, sempre me fizeram sentir integrado.
Acho que isso tem a ver com o passado migratório de muitas famílias argentinas, o que faz da Argentina um lugar acolhedor para estrangeiros. A maioria das pessoas abre as portas da sua casa para você, te recebe bem, te convida para comer.
Todos conhecemos a situação que o país atravessa. O que acontece me atinge. Mas desde que cheguei em 2017 nunca pensei em ir para outro lugar. Não posso sentir nada além de gratidão por este lindo país que me acolheu com tanto amor.
Às vezes digo, brincando, que fico na Argentina porque gosto de sofrer.
A Argentina tem um caos sedutor. Quero dizer que há espaço para mudança, transformação, criatividade.
Mas não estou romantizado o caos. Às vezes, este país me deixa doida. Por exemplo, se eu tiver que ir ao banco, ao supermercado e aos correios, isso pode demorar três dias: você vai ao banco e não tem sistema; você vai ao supermercado e não encontra metade dos produtos que deseja levar; você chega aos correios e eles estão em greve.
Então surge a pergunta que muitos me fazem: Por que você saiu dos Estados Unidos, um país de primeiro mundo, para morar aqui? Isso é o que muita gente não consegue entender.
Bem, porque a Argentina é deliciosa em vários aspectos. Este país me deu tudo nestes 15 anos que estou aqui: um emprego, uma comunidade de amigos, uma família escolhida, amor, abriu as suas portas e os meus olhos.
Gosto dos contrastes dos argentinos: a vontade de quebrar as regras mas o respeito por certas convenções sociais que obrigam a gente a estar sempre atenta. Claro que isso tem um lado negativo, é um país que exige muito de você, você não pode relaxar, porque não sabe o que vai encontrar.
Mas gosto da vibração, da curiosidade das pessoas, do ritmo. Na Argentina fazemos mais com muito menos, o que nos obriga a ser criativos e dinâmicos. E eu sinto que, no final das contas, isso é um ponto positivo.
Nasci em Pernes-les-Fontaines, no sul da França. Depois de terminar a universidade lá, decidi que queria morar no exterior, mas não comecei na Argentina.
Antes de chegar aqui morei na Califórnia, Estados Unidos. Em Los Angeles (LA) percebi que cada um foca na sua vida sem olhar muito para o outro e, para mim, a forma como as pessoas se relacionam é importante.
Em LA, por exemplo, não há costume de ir a um café durante o dia. A ausência desse tipo de dinâmica afeta muito a forma como as pessoas se relacionam.
Em 2011, quando cheguei à Argentina, percebi que franceses e argentinos tinham muito em comum. Parece algo pequeno, mas compartilhamos o gosto pela boa comida. E quando digo isto quero dizer que convivemos sentados à mesa: uma boa refeição, com boas conversas.
Tanto os franceses quanto os argentinos valorizam mais a ideia de comunidade do que a ideia de sucesso e fracasso individual. Esse sentimento está presente em todos os cantos do país, vê-se na educação e na saúde pública, na forma como as pessoas saem às ruas, andam à noite, se encontram. Tudo isso diz muito sobre uma sociedade.
Na Argentina nós andamos juntos. E isso é muito bom.
Desde pequena, sempre quis ser médica.
Mas estudar medicina no Brasil é muito caro. A educação no Brasil é elitista. É muito raro ver alguém que não seja branco, da classe média, média-alta, entre os médicos que se formam no meu país.
Nas universidades públicas, se você não frequentou escolas particulares, é muito difícil você passar no vestibular. Nas universidades privadas, a mensalidade é três vezes maior do que nas universidades pagas da Argentina.
É por isso que muitos brasileiros vêm estudar aqui. No meu caso, me formei em uma universidade particular.
Nesse sentido, vemos com certa preocupação – e creio poder falar por grande parte da comunidade brasileira no país – o debate sobre o futuro da educação pública na Argentina, especialmente para as crianças que estão estudando.
A Argentina é reconhecida por ter a melhor educação da América Latina. Eu me pergunto o que aconteceria neste país, que tem 50% de pessoas pobres, se não tivessem acesso à educação pública. Acho que estariam numa posição muito mais complicada.
Não estou pensando em sair do país. Percebi isso um dia em 2014, caminhando com minha mãe pela Rua Florida, quando ela me disse que precisava pensar no que faria quando voltasse ao Brasil. Respondi: “Não quero voltar para o Brasil. Adoro a vida que tenho na Argentina”.
Na Argentina descobri um país onde tudo acontece a todo momento.
Saí de Medellín (Colombia) e fui para Quito (Equador), quando tinha 19 anos. A cidade me parecia muito pequena, muito conservadora, mais parecida com a Colômbia, onde depois de um tempo você entra na monotonia da rotina.
Pelo contrário, Buenos Aires é um lugar divertido e muito criativo.
Na Argentina comecei a me dedicar à gastronomia no mundo dos vinhos há alguns anos. Graças a uma parceria abrimos um wine bar. Apesar dos problemas da Argentina, as coisas sempre foram boas para mim.
Não sei se existem tantas cidades como Buenos Aires na América Latina. Este é um lugar com gente de todo o mundo, divertido, com uma vida noturna intensa, que muitas outras cidades da América Latina não têm.
Acho que tem a ver com o fato de que a Argentina é mais segura do que a Colômbia. Mesmo agora que vemos um aumento da insegurança, em Medellín seria impossível estar na rua às 2 da madrugada.
Se fosse dar um conselho para quem quer ir para a Argentina, eu diria para conhecer outras cidades: Córdoba, Mendoza, Bariloche, não só Buenos Aires. Existem muitas oportunidades em outras províncias.
Fonte: correiobraziliense
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