Angústia, esperança, ansiedade, decepção. Familiares dos civis sequestrados pelo movimento fundamentalista islâmico Hamas, durante o massacre de 7 de outubro, no sul de Israel, alternavam sentimentos conflitantes poucas horas depois do anúncio do acordo firmado entre o governo de Benjamin Netanyahu e a facção extremista para a libertação de 50 dos quase 240 reféns. A expectativa era de que a trégua teria início às 10h desta quinta-feira (5h em Brasília) e uma duração de quatro dias.
No entanto, Tzachi Hanegbi, conselheiro de Segurança Nacional de Netanyahu, assegurou que os reféns somente deverão ser soltos a partir desta sexta-feira (24/11). O governo israelense alertou que, enquanto não houver libertações, a guerra seguirá, "como de costume". Em troca dos reféns, Israel se compromete a entregar 150 prisioneiros palestinos. David Barnea, chefe da Mossad, a agência de inteligência israelense, viajou ao Catar e recebeu a lista com os nomes dos capturados pelo Hamas — mulheres, mães, crianças e jovens até 19 anos.
O Correio apurou que o Ministério da Justiça israelense também divulgou uma lista com 300 nomes de detentos — 221 são provenientes da Cisjordânia, 74 de Jerusalém e cinco da Faixa de Gaza. Entre eles, estão 40 mulheres, 47 militantes do Hamas e 62 do Fatah. O preso mais jovem tem 14 anos. O nome de Isra'a Ja'abis, 38 anos, uma palestina detida desde 2015 e com queimaduras em mais de 50% do corpo, figura no possível intercâmbio. A lista será reduzida a 150 nomes.
O acordo prevê, ainda, a entrada de 200 a 300 caminhões com ajuda humanitária na Faixa de Gaza — oito com combustível e gás. Netanyahu confirmou que o Comitê Internacional da Cruz Vermelha terá acesso aos demais reféns e entregará medicamentos para eles. Em discurso na televisão, o premiê disse que o pacto com o Hamas foi a "escolha certa", acusou o grupo de "manter a mão no gatilho" e deixou claro que a guerra continuará, após a trégua, até o fim do grupo.
"Progresso"
Neto de Yocheved Lifshitz — a refém de 85 anos libertada pelo Hamas em 23 de outubro — e de Oded Lifshitz, 83, que segue no cativeiro, Daniel Lifshitz, 35, disse à reportagem que o acordo é "um grande progresso". "Vejo o fato de as pessoas voltarem para suas casas, as mulheres e crianças, como algo incrível. Espero que isso ocorra com todos. Meu avô não faz parte deste acordo, que não abrange homens com mais de 19 anos", sublinhou, por telefone.
Ex-goleiro do Maccabi Tel Aviv, Daniel contou que a avó se recupera fisicamente, mas mostra preocupação em relação aos demais reféns e, especialmente, ao marido, Oded. "Não temos nenhuma informação sobre a saúde dele." O casal foi levado de Nir Oz, um kibbutz situado a 600m de Gaza, que teve 25% da população assassinada ou sequestrada. "Ao todo, 75 moradores se tornaram reféns. Todas essas pessoas são como se fossem meus familiares", lamentou Daniel.
Por telefone, Avraham Shamriz, 61, pai do refém Alon Shamriz, 26, capturado no kibbutz de Kfar Aza (a 2km de Gaza), se disse "muito decepcionado". "Eu esperava que todos fossem libertados. Infelizmente, vi que serão apenas crianças, suas mães e algumas mulheres. O meu filho também é minha criança", desabafou. "Nosso governo não age de forma correta. A trégua era uma chance para ambos os lados. Se algum sequestrado for morto, ninguém será libertado por Israel."
Amigo de Noa Argamani — a israelense de 26 anos que aparece em vídeo aos gritos, na garupa de uma moto, enquanto era levada para Gaza —, Amit Parpara, 26, disse ao Correio que considera compreensível o acordo incluir mães e crianças.
"Eu queria Noa de volta, mas acho que todos devem regressar para Israel. Cada um dos reféns. Noa é uma pessoa amável. Nós nos conhecemos há dois anos e meio. Gosta de organizar festas e muito divertida. Liora, a mãe dela, tem câncer no cérebro em estágio avançado, e era Noa quem cuidava dela", afirmou Amit. "Nossa esperança é que ela retorne antes de a mãe falecer. Cada minuto conta." Hoje, Liora e dois artistas que compuseram uma música em homenagem a Noa se apresentarão em Tel Aviv.
Embaixador palestino em Brasília, Ibrahim Alzeben explicou ao Correio que as partes acordaram libertar prisioneiros com menos de 19 anos mantidos em centros de detenção de Israel. "São quase crianças. Israel enviará as listas nas próximas horas. Com base em nossa experiência com os israelenses, pode haver uma mudança de nomes a qualquer momento", observou. Ele ressaltou que quase 8 mil presos palestinos aguardam a liberdade. "Alguns têm mais de 30 anos no cativeiro." Segundo Alzeben, a maioria dos prisioneiros palestinos serão levados para a Cisjordânia.
Alzeben espera que a trégua seja seguida por medidas práticas e por garantias internacionais. "A Faixa de Gaza está praticamente destruída e carece de todas as necessidades básicas. Infelizmente, as declarações de líderes da guerra em Israel não são bom presságio", advertiu o embaixador.
Consultada pelo Correio, uma fonte da Embaixada de Israel em Brasília reagiu ao acordo com ceticismo. "Até as coisas com o Hamas estarem feitas, elas não estão feitas", disse, por telefone, sob condição de anonimato. "O Hamas tem uma natureza díficil, em que é difícil fechar acordos. Até o último momento, tudo pode acontecer. E o último momento é quando as pessoas (reféns) estiverem nas mãos dos israelenses", acrescentou. Ao ser questionada sobre o fato de o Hamas interpretar o acordo com uma "vitória" do povo palestino, a fonte diplomática garantiu que o grupo extremista não age com boa vontade. "O Hamas não estava preparado para trocar prisioneiros. Eles agiram sob pressão. A situação não é boa nem para eles nem para nós. Ainda estamos contando nossos mortos. É uma guerra."
"É um terror"
Israel manteve, nesta quarta-feira (22), os bombardeios à Faixa de Gaza. Em Deir Al Balah (centro), o engenheiro civil Mohammed Al Assar relatou ao Correio uma situação "muito tensa". "É um terror, um massacre. Os bombardeios estão no ponto máximo", desabafou, por meio do WhatsApp. De acordo com ele, uma bomba caiu a 500m de sua casa, na terça-feira. "O cheiro da fumaça era insuportável. Há pouco, em intervalo de menos de uma hora, escutei quatro explosões." A professora Huda Al Assar, mãe de Mohammed, disse que podia sentir o odor de fósforo branco — munição proibida. "Estou passando mal por causa do cheiro forte", disse.
"É um sinal de que a paz é possível. Mas é preciso contar com vontade política de negociar. A negociação é uma alternativa existente e com baixos custos humanos e materiais. Vejo um passo importante e na direção pacífica certa. Esperamos que continuem os esforços para deter, de forma abrangente, as agressões e os massacres. Isso deve dar esperança de uma solução abrangente e justa para a questão palestina, que aguarda justiça há sete décadas. Não existe a necessidade de continuar a ocupação israelense das terras do Estado da Palestina. A coragem é necessária no campo da negociação, não no campo da guerra, da destruição e dos massacres."
Ibrahim Alzeben, embaixador palestino em Brasília
"Nosso governo não está agindo da forma correta. Estou muito desapontado. A trégua era uma oportunidade para ambos os lados. Se algo ocorrer com os reféns depois do acordo, como algum deles ser executado, Israel ficará muito chateado e recomeçará a guerra. Agora, o Hamas tem uma grande oportunidade de libertar todos os reféns e de obter a soltura de todos os palestinos detidos em prisões israelenses. Se algum sequestrado for morto, sabemos que ninguém será libertado das cadeias daqui de Israel. Seria um grande prejuízo para o Hamas."
Avraham Lulu Shamriz, 61, pai do refém Alon Shamriz, 26, capturado no kibbutz de Kfar Aza (a 2km de Gaza)
Aos 57 anos, Ali Barakeh vive em Beirute, capital do Líbano, de onde exerce o cargo de chefe do Departamento de Relações Nacionais do Hamas. Em entrevista ao Correio, por meio do WhatsApp, um dos líderes do movimento fundamentalista islâmico no exílio disse que a trégua humanitária e o acordo firmado por Israel são uma "conquista" para os palestinos. Segundo ele, Israel viu-se forçado a submeter-se às condições da "resistência palestina". Barakeh assegurou que o grupo está pronto para libertar todos os reféns civis, sob a condição de que Israel esvazie suas prisões de detentos palestinos.
Como o senhor vê a importância do acordo e que benefícios o Hamas espera obter dele?
Nós consideramos que alcançar uma trégua humanitária e concluir um acordo de troca de prisioneiros de ambos os lados é uma conquista para o povo palestino, que se manteve firme nessa batalha e não se rendeu nem recuou. Da mesma forma, vemos que o fracasso da opção militar israelense para esmagar o Hamas e recuperar os prisioneiros de Gaza forçou o inimigo a recuar e a submeter-se às condições da resistência palestina.
Netanyahu disse que o acordo não significa o fim da guerra e que Israel destruirá o Hamas...
As palavras de Netanyahu são ridículas e sem valor. Ele fracassou em obter suas metas nesses últimos 47 dias. Então,se submeteu a uma trégua temporária e concordou com o acordo dos prisioneiros. Ele se envolveu nisso e quis sair do atoleiro de Gaza, que se tornou um cemitério para o exército da ocupação.
Quantos prisioneiros palestinos serão libertados em troca dos reféns?
Durante essa trégua, mulheres e crianças serão libertadas de ambos os lados — 50 israelenses e 150 palestinos.
Por qual motivo o Hamas fez 240 reféns durante o ataque de 7 de outubro?
O Hamas é um movimento de libertação nacional que realiza operações de resistência contra a ocupação e que busca libertar a Palestina e os prisioneiros, além de devolver os refugiados para suas casas. A operação de 7 de outubro vem no contexto de responder aos contínuos crimes da ocupação contra nossa terra, nosso povo e nossas santidades islâmicas e cristãs.
Que tipo de mensagem o Hamas pretende enviar ao aceitar esse acordo?
O movimento Hamas está pronto para libertar todos os prisioneiros (reféns) civis. Estamos prontos para finalizar um segundo acordo abrangente, no qual libertaremos todos os prisioneiros, em troca de todos os palestinos que se encontram nas prisões da ocupação. (RC)
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