23 de Novembro de 2024

Ansiedade climática: 'Não quero que meu filho seja mais um peso para o mundo'


"Não consigo me ver como responsável pela vida de outro ser humano, por gerar uma nova vida que se tornaria mais um fardo para um planeta que já está tão sobrecarregado", diz Julia Borges, estudante de Agricultura e Engenharia de 23 anos de Recife.

Assim como ela, mais pessoas ao redor do mundo, inclusive de países emergentes, estão desistindo de ter filhos devido a preocupações sobre as mudanças climáticas e seu impacto no futuro do planeta.

Especialistas chamam esse fenômeno de "ansiedade climática", ou seja, um sentimento de angústia relacionado aos impactos do aquecimento global e dos eventos extremos.

Um levantamento feito pelo Google a pedido da BBC mostrou que, só em português, as buscas por esse termo aumentaram 73 vezes nos primeiros dez meses deste ano comparado a igual período em 2017.

Segundo Julia, "comecei a imaginar minha cidade e minha universidade debaixo d'água".

"Tive crises de ansiedade, a ponto de pensar em desistir da minha própria vida, porque não sabia lidar com tudo isso", conta.

Fazer um curso de liderança climática pouco ajudou — pelo contrário, só aumentou seu sentimento de responsabilidade pelo que estava acontecendo, diz ela.

Logo, Julia chegou à conclusão de que não seria correto ter um filho.

Em 2022, uma equipe da Universidade de Nottingham perguntou a adultos em 11 países se a ansiedade ou o sofrimento com as mudanças climáticas os fizeram pensar que não deveriam ter filhos, ou se os fizeram se arrepender de tê-los.

A proporção que afirmou ter esses pensamentos — às vezes, frequentemente ou sempre — variou de 27% no Japão a 74% na Índia. O estudo está programado para ser publicado no próximo ano.

Uma pesquisa anterior publicada na revista científica Lancet, com base em um levantamento de 2021 com 10 mil pessoas de 16 a 25 anos, descobriu que mais de 40% dos entrevistados na Austrália, Brasil, Índia e Filipinas disseram que as mudanças climáticas fizeram com que ficassem mais hesitantes em ter filhos.

Na França, Portugal, Reino Unido e EUA, a taxa ficou entre 30% e 40%. Na Nigéria, foi de 23%.

E uma análise de 13 estudos anteriores realizados entre 2012 e 2022, publicada neste mês por pesquisadores da Universidade College London, no Reino Unido, revelou que as preocupações com as mudanças climáticas eram geralmente associadas ao desejo de ter menos filhos.

Isso ocorreu geralmente porque os participantes estavam preocupados com o impacto que as mudanças climáticas poderiam ter na vida de seus filhos, ou porque sentiam, como Julia, que ter mais filhos só adicionaria pressão aos recursos do planeta.

No entanto, em dois estudos na Zâmbia e Etiópia, os pesquisadores afirmam que a visão dominante era de que "famílias menores estão em uma posição melhor para se sustentarem durante condições ambientais adversas".

Em 2019, a cantora americana Miley Cyrus afirmou que não teria filhos devido ao estado do planeta, e a congressista dos EUA, Alexandria Ocasio-Cortez, questionou no Instagram se seria certo trazer crianças para um mundo prejudicado pelas mudanças climáticas.

O mesmo debate parece estar acontecendo agora em países que estão na linha de frente da crise climática.

A preocupação de Julia com as mudanças climáticas aumentou ainda mais em maio de 2022, quando Recife foi atingido por uma tempestade que causou inundações e deslizamentos, resultando em mais de 120 mortes na região.

"Apenas três dias antes dessas chuvas intensas, eu havia dado uma palestra para crianças de uma ONG local, sobre o tema da crise climática. Justo no local, pois mais tarde aquela foi a área mais afetada pelas inundações", diz Julia.

"Isso realmente me afetou, no sentido de como podemos pensar nas crianças no futuro se as crianças do presente já estão em perigo?"

Duas outras mulheres em países distantes do Brasil também foram fortemente influenciadas por eventos climáticos graves que atribuem às mudanças climáticas.

Shristi Singh Shrestha, uma ativista nepalesa pelos direitos dos animais, visitou este ano o vilarejo de sua família e ficou horrorizada ao encontrar pessoas passando fome devido à seca.

Todas as colheitas haviam secado, e elas não conseguiram encontrar água mesmo após cavar um poço de 60 metros.

Enquanto isso, em um distrito vizinho, uma aldeia havia sido arrastada por enchentes.

Shristi, 40 anos, já estava preocupada com as mudanças climáticas muito antes disso.

Oito anos atrás, ela costumava olhar para sua bebê dormindo e se preocupava com o mundo que herdaria.

"Compreender como este mundo funciona, como as mudanças climáticas estão tornando as vidas piores, tanto para animais quanto para crianças — essa percepção me fazia chorar todos os dias. Era muito horrível para mim", conta.

Shristi jurou naquela época não ter mais filhos.

Essa nova tragédia no vilarejo — que resultou em meninas sendo casadas por pais que não podiam alimentá-las — fez com que ela passasse noites sem dormir, assolada pela ansiedade climática.

Por Caroline Hickman, psicoterapeuta da Universidade de Bath

A ansiedade climática, ou eco-ansiedade, é a angústia saudável que sentimos ao observar o que está acontecendo em nosso mundo em transformação.

Estamos enfrentando ameaças pessoais e planetárias devido ao nosso clima em rápida mudança.

E isso nos faz sentir ansiosos e temerosos pelo nosso futuro e pelo futuro de nossos filhos.

Não se trata apenas de ansiedade, mas também de tristeza, depressão, luto, desespero, raiva, frustração e confusão.

Muitas vezes, temos momentos de esperança ou otimismo, mas pode ser difícil sustentá-los à medida que estamos avançando rapidamente na direção errada e não estamos tomando medidas suficientes para desacelerar a crise climática.

Para Ayomide Olude, de 24 anos, que trabalha em uma ONG de sustentabilidade na Nigéria, a experiência de filmar um documentário em uma comunidade pesqueira costeira no ano passado fortaleceu sua determinação de nunca ter filhos.

Os moradores de Folu, a 100 km a leste de Lagos, mostraram a ela um cais que costumava ser usado no passado para se divertir à beira-mar, quase todo ele já submerso.

"Durante as marés de tempestade, a água da inundação agora atinge bastante profundamente no vilarejo, então as pessoas estão deixando suas casas", diz Ayomide.

"Este era o local de um boom imobiliário no passado, mas agora você vê casas abandonadas e algumas partes do vilarejo já estão submersas."

Pescadores lhe contaram que seu trabalho agora anda incerto, pois as tempestades se tornaram mais intensas.

Ayomide diz que muitas vezes ouve jovens nigerianos discutirem suas ansiedades em um "café climático" que ela organiza no estado de Ogun, ao norte de Lagos, um ambiente no qual as pessoas são incentivadas a compartilhar o que sabem e sentem sobre as mudanças climáticas.

A experiência em Folu acentuou suas próprias preocupações.

Assim como Julia no Brasil, ela enfrenta pressão da sociedade e de sua família para ter filhos, mas afirma que nada a persuadirá a mudar de ideia.

"Em uma sociedade na qual as mulheres têm pouco poder de decisão e na qual existem crenças religiosas de que se deve ter filhos, é preciso uma força considerável e determinação para dizer isso em público", diz ela.

"Meus pais estão chateados, e não falamos muito sobre isso. Tento não pensar nisso, embora me sinta triste por eles."

Por sua vez, Shristi tem que lidar com parentes que continuam perguntando quando ela terá o segundo filho.

No entanto, as três mulheres afirmam que seus cônjuges apoiam a decisão delas.

A psicoterapeuta da Universidade de Bath, Caroline Hickman, autora principal do estudo de 2021 na revista científica Lancet, argumenta que a ansiedade climática é uma resposta saudável à crise climática.

Ela aconselha quem estiver passando por essa sensação a entrar em contato com outras pessoas que sentem o mesmo e colaborar com elas em medidas práticas para enfrentar a crise.

"Essas dificuldades não estão indo embora, então precisamos aprender a enfrentá-las."

Caroline Hickman, Universidade de Bath.

Julia seguiu por esse caminho. Ela ajudou a mapear áreas vulneráveis a enchentes e deslizamentos e trabalha para uma ONG local que educa as pessoas sobre o clima e o meio ambiente.

"O que me ajudou a aliviar parte dessa ansiedade foi me tornar uma agente de mudança e transformação em minha comunidade", diz ela.

No entanto, suas preocupações persistem.

"Ainda consigo sentir aquele desespero, mas tenho trabalhado nisso com meu terapeuta — o que ajuda a falar sobre isso."

*Reportagem adicional de Paula Adamo Idoeta.

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Fonte: correiobraziliense

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