Se tudo correr conforme o planejado, familiares de 13 civis sequestrados pelo grupo extremista Hamas, em 7 de outubro, terão na noite desta sexta-feira (24) o melhor shabat (dia de descanso judaico) de suas vidas. Poderão reencontrar entes queridos, depois de 48 dias de cativeiro na Faixa de Gaza. De acordo com o governo do Catar, às 7h (2h em Brasília), teria início a trégua humanitária entre Israel e Hamas, mediada por Doha, pelo Cairo e por Washington. Às 16h (hora local), os 13 reféns — mulheres e crianças — cruzarão a passagem de Rafah, no sul de Gaza, e entrarão no Egito. Depois, serão conduzidos até Israel com a ajuda do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) e do Crescente Vermelho.
"Outros cativos serão soltos no curso dos dias de cessar-fogo. A ajuda humanitária começará a entrar em Gaza tão logo a trégua comece", anunciou Majed Al Ansari, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do Catar. Também nesta sexta-feira, pelo menos 39 prisioneiros palestinos serão soltos por Israel.
O gabinete do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, recebeu a lista com os 13 nomes e notificou as respectivas famílias. De acordo com o jornal Yedioth Ahronoth, militares das Forças de Defesa de Israel (IDF) recepcionarão o primeiro grupo de libertados com atendimento médico e psicológico na base aérea de Hatzerim, no sul de Israel. Eles terão a oportunidade de conversar por telefone ou de se reunirem pessoalmente com os parentes, antes de serem levados para um de cinco hospitais da região.
O ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, alertou que, após a pausa nos combates, a guerra deverá se estender por pelo menos dois meses. Na noite desta quinta-feira, o Hamas se recusou a permitir que a Cruz Vermelha visitasse os reféns não inclusos na primeira parte do acordo. O presidente dos EUA, Joe Biden, disse que está de "dedos cruzados" para que o pacto seja respeitado.
Angústia
Morador de Beersheba, o médico veterinário Alex Sherman, 61 anos, tem enfrentado a angústia desde a manhã daquele 7 de outubro, quando o filho Ron, 19, soldado das IDF, foi sequestrado pelo Hamas. "Não sabemos absolutamente nada sobre a situação de nosso filho. A única informação que tivemos foi por meio de um vídeo publicado pelo Hamas, no qual ele aparece sendo levado vivo para Gaza. A Cruz Vermelha, lamentavelmente, não o viu e nada pode dizer sobre ele e outros sequestrados", desabafou ao Correio, por telefone. Alex nasceu na Argentina; ele e Ron têm dupla nacionalidade.
"Estou muito de acordo com um pacto para libertar crianças e mães. É algo provido de muita razão, inclusive do ponto de vista moral", disse Alex. "Os militares, inclusive meu filho, não serão soltos tão rapidamente." O pai contou que, às 6h30 de 7 de outubro, Ron telefonou para os pais. "Ele nos contou que sua base estava sendo atacada. Pelo WhatsApp, disse que os terroristas estavam ao lado do portão da base e que nos amava. A comunicação terminou às 7h12. Ficamos aterrorizados e pensamos no pior."
Por telefone, Osama Hamdan, um dos líderes sêniores do Hamas, disse ao Correio que, desde o início da guerra, Israel declarou que resgataria os 240 reféns à força. "Depois de 48 dias de bombardeios em Gaza e de matarem milhares de palestinos, eles não foram capazes de destruir o Hamas. São incapazes de derrotar os palestinos. Eles não teriam seus cidadãos de volta, a menos que negociassem isso", sublinhou. "Isso mostra que Israel não atingiu suas metas e o expôs enquanto força ocupante. Mais de 150 palestinos, mulheres e crianças que estavam nas prisões israelenses, estarão de volta; o portão de Rafah será aberto para a entrada de ajuda médica, de combustível e de alimentos."
Hamdan admitiu uma "completa falha de segurança e das linhas de defesa de Israel". No entanto, ressaltou que o grupo extremista "fará o que puder" para libertar mais reféns mantidos em Gaza. "Se encontrarmos alguns deles, faremos de tudo para devolvê-los para casa."
Nas horas que antecederam a trégua, Israel bombardeou 300 alvos em Gaza. No campo de refugiados de Jabaliya (norte), 27 palestinos morreram durante um ataque israelense a uma escola da ONU que abrigava refugiados. As IDF anunciaram a prisão de Mohammed Abu Salmiya, diretor-geral do Hospital Al-Shifa, na Cidade de Gaza, acusado de "atividade terrorista".
"Não foi uma negociação fácil"
"Eu não participei diretamente das negociações. Elas não envolveram o Hamas e Israel diretamente, mas mediadores. Catar e Egito mediaram essas negociações. Não foi fácil. Estamos lidando com os israelenses, que continuam mentindo e dizendo 'sim' e 'não' ao mesmo tempo. Eles rejeitaram algumas boas ideias, que, se as tivessem aceitado, poderiam ter sido implementadas três anos atrás.
De qualquer forma, estamos satisfeitos com o que ocorreu. As negociações mostraram à comunidade internacional que o problema é a ocupação israelense e que o Hamas manteve uma postura positiva em relação a todos os mediadores. Israel deseja destruir não apenas o Hamas, toda a nação palestina. Ele nem mesmo reconhecem a Palestina como uma nação e conversam com outros países árabes como se os palestinos não tivessem nacionalidade.
Se eles continuarem com a guerra, a destruição ocorrerá dentro de Israel. Como todos sabem, Israel tem problemas políticos e militares internos entre o Exército e a inteligência, além de problemas econômicos. Nós nos preparamos para uma longa resistência com uma desfesa bastante flexível. Na última semana, destruímos 95 tanques e veículos militares israelenses. Eles têm que calcular isso e levar esse fato em consideração."
Osama Hamdan é um dos líderes sêniores do Hamas
Claudio Lottenberg, presidente da Confederação Israelita do Brasil (Conib) e do Conselho Deliberativo da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein
Como o senhor vê o acordo entre Israel e Hamas?
Vejo como um alento para que se inicie um caminho, ainda longo, rumo a um processo de paz no Oriente Médio. Em 7 de outubro, um grupo terrorista matou, de forma cruel e atroz, civis inocentes e sequestrou 250 pessoas, proporcionando uma reação de defesa de um país, que, legitimamente, busca resgatar estas pessoas. Essa guerra é entre um Estado e uma organização terrorista. O fato de se iniciar um diálogo, com a troca entre essas pessoas inocentes e presos, pode trazer um apelo positivo para os próximos passos. Quando Israel trocou o soldado Gilad Shalit por 1.027 prisioneiros, ficou patente uma grande diferença: Israel valoriza a vida; o Hamas, a morte. Esse passo, possivelmente, deverá ser seguido por outras trocas e tréguas, mas fica a questão: resolve a questão do conflito? Resolve a questão de paz entre Israel e Palestina? Não minha leitura, não, mas a paz se constrói. Portanto, é um começo.
Há risco de crescimento do antissemitismo no mundo?
Isto acontece, como fruto de uma mistura de entendimento do quadro real e histórico das relações entre Israel e palestinos. Passados os primeiros dias, a raiz para o conflito atual — os reféns, os civis do Estado de Israel — foi deixada de lado. A mídia focou na defesa de Israel como sem fundamento. Não menciona, ou o faz de forma incompleta, o fato de o Hamas se esconder dentro de hospitais, escolas, templos religiosos. Esquece que ele não permite que civis palestinos abandonem suas casas e busquem locais seguros. Essa interpretação favorece um discurso prejudicado a Israel e recrudesce o antissemitismo.
E as críticas de que Israel usa força desproporcional?
O que é proporcional? Buscar uma festa rave e matar 1,4 mil pessoas? Sequestrar 250 pessoas e mantê-las confinadas para uma troca? Uma guerra nunca é proporcional. Uma guerra é uma guerra. Aqueles que querem usar esse tipo de comparação estão relativizando. (RC)
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