22 de Novembro de 2024

Por que 'ESG' virou algo sem sentido?


Em 2015, a expectativa tomou conta da capital francesa, Paris, onde os líderes mundiais estavam reunidos para a COP21, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.

Depois de semanas de intensos debates, foi apresentada uma promessa no dia 12 de dezembro: 196 países se comprometeram a tomar medidas contra as mudanças climáticas, com o objetivo de zerar suas emissões de carbono até 2050.

Para as empresas, a decisão simbolizou o início do movimento chamado "ESG", que consiste em manter o foco nas questões ambientais ("environmental", em inglês), sociais e de governança na tomada de decisões comerciais.

Empresas de todo o mundo criaram campanhas individuais ambiciosas para atingir o objetivo de emissão zero. Surgiram diversas estratégias de investimento concentradas nas práticas de ESG, que frequentemente incluíam transições para a energia verde e a retirada de investimentos em combustíveis fósseis.

Um exemplo foi a empresa norte-americana de telecomunicações Verizon, que se comprometeu a gerar energia renovável equivalente a 50% do seu consumo anual de eletricidade até 2025. Já a seguradora francesa Axa prometeu romper seus laços com a indústria de carvão até 2030.

E, depois do assassinato de George Floyd nos Estados Unidos em 2020, empresas multinacionais como a Apple, AbbVie, Facebook, Pfizer, Johnson & Johnson e Procter & Gamble prometeram investir o montante combinado de US$ 340 bilhões (cerca de R$ 1,7 trilhão) para promover causas relacionadas à justiça racial.

O anúncio desses vultosos compromissos com a prática de ESG, muitas vezes, serviu para impulsionar os preços das ações e a reputação das empresas. Mas, ao longo dos anos, a sigla criou mais confusão do que mudanças positivas – e até problemas.

Na verdade, alguns desses compromissos de ESG criaram inúmeras dificuldades para os executivos, segundo a professora clínica Alison Taylor, da Escola de Negócios Stern da Universidade de Nova York, nos Estados Unidos.

O movimento ESG é cada vez mais rotulado de capitalismo "woke" e acusado de permitir a prática do "greenwashing".

Por isso, Taylor afirma que mesmo as empresas que continuam a prometer emissões zero deixaram de rotular suas decisões comerciais como prática de ESG.

Essa medida pode trazer alívio para as empresas que enfrentaram reações cada vez mais adversas por terem adotado o termo sem realizar mudanças substanciais, particularmente em uma época de expectativas cada vez maiores do público em relação à responsabilidade empresarial.

A fragilidade do movimento ESG como um todo – que foi, em muitos aspectos, um importante catalisador para sua queda – pode muito bem ter sido seu próprio nome, que se transformou em um slogan genérico com pouco significado concreto.

O professor de finanças Alex Edmans, da London Business School, afirma, em primeiro lugar, que as três palavras representadas pela sigla não se encaixam.

"Ambiental e social descrevem a forma como servimos à sociedade como um todo", explica ele. "Governança é sobre como geramos retorno."

Um plano de emissões zero, por exemplo, é um compromisso ambiental. Garantir contratações igualitárias certamente é um compromisso social. E a governança se refere à estrutura da política corporativa, como a relação salarial entre o CEO (diretor-executivo) e os funcionários.

Mas, muitas vezes, essas ambições são funcionalmente incompatíveis entre si.

A consultora de ESG de Londres Tara Shirvani, ex-chefe de integração de ESG para projetos de infraestrutura do Banco Mundial, concorda que a falta de clareza gerada por um termo tão abrangente é consequência da reunião de três palavras que dificultam sua aplicação na prática.

"Vamos considerar, por exemplo, uma empresa de mineração de lítio. Você precisa de muito lítio para a revolução que é a transição energética", explica ela.

Uma empresa poderá buscar fornecedores de lítio na América Latina, que usa eletricidade verde nas suas operações de mineração. Assim, ela atenderá o compromisso "E" ("environmental", ambiental) da expressão.

Mas uma eventual investigação pode concluir que aquele fornecedor viola as leis trabalhistas locais. Com isso, o componente "S" (social) da iniciativa ESG não será cumprido.

Sem uma definição sólida – e, muitas vezes, uma forma realista de cumprir a promessa – "ESG" acabou representando diferentes coisas para pessoas diferentes.

Muitos acreditam, por exemplo, que o termo só se aplica a investimentos em instrumentos financeiros verdes ou ao apoio a empresas que prometem reduzir suas emissões de carbono. Outros acreditam em interpretações mais amplas, como os investimentos socialmente responsáveis.

Mas as empresas vêm adotando de bom grado a qualificação ESG para todo tipo de decisões comerciais. E muitos investidores apoiaram alegremente os compromissos com as práticas de ESG.

A empresa de consultoria PwC calcula que os investimentos institucionais voltados à prática de ESG aumentem em 84% entre 2022 e 2026, elevando os ativos sob gestão ao astronômico nível de US$ 33,9 trilhões (cerca de R$ 166 trilhões).

Para as empresas, havia uma certa vantagem ao afirmar seu comprometimento com a prática de ESG, como sua inclusão em certos fundos negociados em bolsa (ETFs) ou o apelo aos pequenos investidores que desejam, cada vez mais, alinhar seus portfólios de investimento aos seus valores pessoais.

O próprio executivo-chefe da financeira BlackRock, Larry Fink, começou a escrever suas cartas anuais – um modelo na comunidade financeira – pedindo mais atenção aos riscos climáticos e consideração pela sociedade como um todo, além dos lucros.

Para algumas empresas, essas mudanças melhoraram sua reputação, atingindo as manchetes e conquistando elogios dos investidores. Mas, paralelamente, a corrida para adotar as práticas de ESG nas empresas levou ao uso excessivo do termo e desvalorizou seu significado, segundo Edmans.

"As pessoas dizem que qualquer coisa boa em uma empresa é ESG", explica ele. "Por isso, tem havido casos em que se diz, 'oh, esta empresa é bem administrada, vamos chamar isso de bom ESG'."

O resultado, segundo Shirvani, é que "na verdade, não surpreende que você tenha grandes investidores e outros deixando de agrupar estes três termos como algo único".

O uso excessivo da expressão logo começou a revelar as falhas estruturais das práticas de ESG, o que gerou problemas para muitas companhias, depois de inúmeros elogios.

Nos Estados Unidos, investir em ESG se tornou uma questão política controversa entre alguns governantes.

O governador da Flórida, Ron DeSantis, defende que esquerdistas "woke" estão usando ESG como mecanismo para priorizar a ideologia sobre os lucros. Republicanos do Texas apresentaram leis contra a prática de ESG e o ex-vice-presidente americano Mike Pence afirmou que os investidores em ESG estão tentando atingir no mundo corporativo o que eles não conseguiram nas urnas.

No Reino Unido, o primeiro-ministro Rishi Sunak afirmou que as leis propostas sobre emissões zero ultrapassam os limites do governo e ameaçam os direitos do povo britânico.

Por outro lado, os proponentes de ESG indicam falhas das empresas em relação aos compromissos com a sustentabilidade.

Desiree Fixler, ex-chefe de sustentabilidade do braço de administração de ativos do Deutsche Bank, DWS Group, denunciou a empresa por ludibriar o público, exagerando as alegadas práticas de ESG nos seus fundos.

Instituições financeiras como o Bank of America, Citi e Santander deixaram de disponibilizar fundos para um ETF climático após reunirem a imprensa na COP27 de 2021 em Glasgow, no Reino Unido.

Já a Netflix sofreu ataques depois de dispensar conteúdo e talentos, reduzindo sua diversidade, enquanto marcas como a H&M, KLM, Nike e Samsung se envolveram em litígios contra a prática do greenwashing.

"Sou alguém geralmente considerado defensor de ESG e preciso admitir que parte da reação negativa é muito válida", afirma Edmans. "Os fundos dizem 'invista em mim, vou mudar o mundo', mas eles não mudam o mundo, na verdade. E é por isso que algumas pessoas, agora, têm prevenção contra eles."

Alguns dos executivos de hoje em dia podem estar dispostos a lavar as mãos em relação à expressão ESG, mas Taylor afirma que a próxima geração de líderes pode adotar esse conceito mais amplo com mais insistência, talvez sem usar o mesmo rótulo.

"Eu explico para meus alunos que houve uma época em que as empresas eram politicamente neutras", ela conta. Mas, para eles, a noção de uma empresa separada da política é uma relíquia do passado. "Eles me dizem que esta opção não existe mais."

Seus alunos talvez não estejam buscando compromissos identificados como iniciativas de ESG, segundo Taylor, mas eles mantêm a visão de que o papel das empresas na sociedade deve reconhecer os movimentos à sua volta, sejam eles as iniciativas de promoção da diversidade ou o abandono dos combustíveis fósseis.

E, em meio às mudanças climáticas e às questões sociais do mundo globalizado, as empresas enfrentam avaliações cada vez mais rigorosas das suas práticas comerciais.

Quer as empresas adotem ou recusem a terminologia ESG, seus investidores vêm pressionando cada vez mais para que elas trabalhem com preocupações ambientais, sociais e de governança em mente – seja qual for o nome escolhido para designá-las.

 

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Worklife.

Fonte: correiobraziliense

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