Para alívio da equipe econômica do governo, que busca alternativas para fechar as contas, o Supremo Tribunal Federal (STF) desarmou, ontem, a maior bomba fiscal herdada do governo de Jair Bolsonaro. O julgamento ainda não terminou — o ministro André Mendonça pediu vista —, mas oito magistrados já declararam voto reconhecendo que o pagamento de precatórios (dívidas judiciais com trânsito em julgado) não está vinculado aos limites de gastos previstos na emenda à Constituição aprovada no governo anterior que ficou conhecida como PEC do Calote.
Quando o julgamento de duas ações diretas de inconstitucionalidade (Adin) for concluído, o Palácio do Planalto poderá enviar ao Congresso Nacional pedido de crédito extraordinário para honrar, já no ano que vem, o pagamento de precatórios acumulados desde 2022 que somam R$ 95 bilhões — recursos que não serão enquadrados nas regras fiscais. Isso abrirá uma folga nas contas da União em um momento em que a equipe econômica trabalha para entregar, no ano que vem, a meta de deficit zero que consta do Projeto de Lei Orçamentária Anual enviado ao Parlamento.
O ministro relator, Luiz Fux, votou pela inconstitucionalidade do teto para pagamento de precatórios. A medida havia sido tomada pelo governo anterior para empurrar para exercícios futuros parte da dívida da União já reconhecida pela Justiça. Se o limite aprovado em 2021 pelo Congresso funcionou para que a equipe do então ministro da Economia, Paulo Guedes, pudesse fechar as contas do ano passado, também criou uma bola de neve para as gestões futuras, pois o que ultrapassava o teto acabava sendo rolado automaticamente para os exercícios seguintes.
Por isso, pontos da PEC do Calote foram questionados na Suprema Corte pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e pelo PDT, que queriam que o governo voltasse a ser obrigado a pagar, entre 2022 e 2026, o montante dos precatórios que extrapolava o teto de gastos. Para a Advocacia-Geral da União (AGU), a medida do governo Bolsonaro criou "um volume significativo e crescente de despesa artificialmente represada", que só começaria a ser paga em 2027. Além disso, argumentou que o limite para pagamento de precatórios "não veio acompanhado de qualquer perspectiva de solução com vistas a equacionar o passivo que será acumulado a médio e longo prazos, de sorte a viabilizar seu pagamento efetivo após a data final estabelecida para a vigência do referido regime".
Também votaram pela inconstitucionalidade de pontos da PEC do calote os ministros Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Cristiano Zanin e Gilmar Mendes. André Mendonça, que pediu vista, tem 90 dias para devolver o processo ao Plenário da Corte.
A proposta do governo inclui também uma mudança na forma de contabilizar os precatórios, em que o valor principal da dívida entra na conta como despesa primária, enquanto os juros passam a ser contabilizados como despesa financeira — que não entra no teto do novo arcabouço fiscal.
Segundo estimativas do Ministério da Fazenda apresentadas pela AGU, se a bomba fiscal do governo Bolsonaro não fosse desativada, a dívida acumulada com precatórios poderia chegar a R$ 250 bilhões em 2027, sendo R$ 95 bilhões só com o passivo de 2022 a 2024.
Para Fux, a pandemia de covid-19 justificou a adoção dos limites em 2021, mas esse cenário, segundo o relator, mudou. Por isso, ele reconheceu a legalidade da medida apenas para o exercício de 2022, cabendo ao Poder Executivo retomar o pagamento dos precatórios sem qualquer limitação orçamentária a partir do exercício de 2023. Fux também propôs que a União zere o passivo de precatórios acumulado no ano passado. Sete ministros seguiram o voto do relator.
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