Dar presentes nos dias atuais pode ser uma experiência dif[icil.
São muitas as questões que exigem a nossa atenção: onde foi fabricado? Do que é feito? Quais são as condições de trabalho dos produtores?
A especialista em economia circular Clare Brass é bem direta quando os presentes são objetos tangíveis. Ela sempre acreditou que produtos sustentáveis não existem.
"Tudo o que você compra causa impactos ambientais — e, muitas vezes, sociais. Mesmo se você escolher o presente 'mais ecológico' do mundo, na verdade, você não está ajudando o planeta."
Brass sugere que a melhor opção são os chamados produtos circulares.
Segundo os princípios da economia circular, se você seguir rigorosamente as instruções sobre o que fazer com um presente no final da sua vida útil, todos os materiais utilizados poderão ser reciclados para gerar outro produto do mesmo tipo e qualidade.
Eles não serão transformados em produtos inferiores, como isolantes térmicos, por exemplo.
Isso também significa que nenhum dos seus componentes deve terminar no aterro sanitário. E, quanto mais ele for reutilizado e reciclado, menor será a necessidade de mineração e fabricação.
Brass destaca que a empresa britânica Rapanui "produz uma linha muito boa de camisetas circulares, com qualidade fantástica". Já o fabricante de smartphones Fairphone oferece "uma tecnologia incrível e genuinamente circular".
Fabricados com materiais reciclados, os resistentes telefones da Fairphone têm cinco anos de garantia — e manter o mesmo telefone por cinco anos reduz as emissões de CO2 do aparelho em 31%, segundo a empresa.
Para qualquer fanático pela tecnologia que está sempre atrás do último lançamento, este pode ser um divisor de águas.
Se o presente precisar realmente ser um produto tangível, Brass é a favor de presentes comestíveis, "especialmente se eles vierem diretamente de um produtor que adote a agricultura regenerativa".
Afinal, todos nós precisamos comer. E alimentos e bebidas são uma necessidade, não um luxo supérfluo.
"Você pode encomendar uma enorme variedade de frutas e legumes diretamente de agricultores que estão tentando produzir de forma sustentável", diz Brass.
Para os fãs de jardinagem, uma ferramenta especializada, como uma colher de cabo alongado, será muito útil.
O planeta e os insetos também podem aproveitar os benefícios do plantio de novos bulbos de flores e sementes de plantas. Este tipo de presente irá incentivar quem o receber a passar ainda mais tempo na natureza, colhendo seu próprio bem-estar.
Para isso, os meus vizinhos do sul de Londres irão ganhar um saco de composto, da marca Climate Compost. Esta mistura especial é produzida pela The Land Gardeners em Oxfordshire, no Reino Unido, e é repleta de micróbios naturais do solo.
Uma simples pitada do composto misturada ao solo pode criar plantas mais fortes, saudáveis e resistentes. O presente pode nos ajudar a cultivar nossos próprios vegetais – uma espécie de autopresente sustentável.
A questão não é apenas o produto e sua forma de uso. É também sobre quem o produziu e de que forma.
É claro que comprar diretamente de produtores perto de você ajuda a reduzir o impacto nas cadeias de transporte, especialmente se eles também produzirem com materiais locais. E esse tipo de compra ainda ajuda a sustentar as pequenas empresas da região.
Tenho uma vizinha que produz e vende meias e lenços feitos com tecidos tingidos por ela própria, com plantas que ela mesma cultivou.
Novamente, o objetivo é buscar um presente bem escolhido que seja realmente usado e não largado de lado. Para isso, as feiras de produtos natalinos podem ser uma ótima forma de centralizar diversas compras, evitando os shoppings lotados e o movimentado comércio de rua na véspera de Natal.
As pessoas que procuram presentes diferentes também podem sair em busca de produtores individuais locais.
No Japão, isso pode significar uma bandeja de madeira tradicional, ou ita, dos artesãos de madeira do povo ainu do distrito de Nibutani, na ilha de Hokkaido.
Oferecer uma segunda oportunidade de uso a um objeto aumenta suas credenciais de sustentabilidade. E, se o produto for suficientemente elegante, pode ser considerado um objeto de colecionador.
Sim, há também a questão dos papéis de presente. E muitos deles não podem ser reciclados porque são laminados.
A melhor solução é guardar o papel dos presentes recebidos e reutilizá-lo – o que é mais fácil se o presente for embrulhado com barbante ou fita de amarrar, em vez de fita adesiva.
Ou você pode optar por um visual simples e vintage, usando folhas de jornal ou papel pardo, usado como enchimento em caixas de encomenda. E qualquer pessoa que tenha um cesto de costura pode ter retalhos de belos tecidos guardados, para usar como embalagem.
A entusiasta do anticonsumismo Simone Faby salienta que muitos de nós estamos afundando nas nossas coisas, seja qual for a sua procedência.
"Muitos presentes acabam nos armários sem que sejam usados e em cestos de lixo dois anos depois", explica ela. "Muitas vezes, eles são comprados na correria, no último minuto ou porque são bons negócios. Muitos não têm significado ou não se pensou na pessoa que o receberia."
Para ela, a máquina de marketing em torno das festas de Natal e a pressão para dar presentes "elimina o prazer de simplesmente estarmos juntos".
Faby tem particular aversão à corrida de compras de Natal no Reino Unido. "Pessoas com listas imensas correndo em pânico... é a época do ano em que não faço compras."
Brass destaca que "os serviços são claramente uma boa forma de evitar produtos". E não precisam ser embalados.
Esta é a técnica preferida de Faby. Seus dois meninos gêmeos receberam poucos presentes tangíveis dela ao longo dos anos.
"As crianças agora recebem presentes o ano inteiro: nas festas de aniversário (mesmo quando são convidados), amigos e família sempre trazem alguma coisa para eles – o que elimina o seu significado. Já vi muitas crianças abrirem presentes sem mal olhar para eles antes de jogá-los no chão", ela conta.
Por isso, ela oferece experiências para seus filhos: ingressos para o teatro, treinamento de falcões, aulas de cerâmica.
O tempo investido para aprender a moldar a argila com os dedos ou observar uma ave de rapina pousar no seu braço pode ser uma experiência inesquecível – o tipo de presente que deixa lembranças.
Por motivos de sustentabilidade, as experiências oferecidas como presente ficam melhores se acontecerem perto da pessoa que os recebe.
Por isso, houve um ano em que minha filha foi observar as corujas no Castelo de Leeds em Kent, que fica próximo, enquanto os amigos de Pantzar em Helsinque podem ganhar um ingresso para uma sauna e mergulho no mar em Villa Furuvik, a 12 km da capital finlandesa.
O posicionamento anticonsumista de Faby, certa vez, saiu pela culatra. Quando seus filhos tinham 10 anos de idade, eles pediram presentes "de verdade", como os dos seus amigos, que eles pudessem desembrulhar. Mas, agora que cresceram, eles voltaram a seguir as práticas da mãe.
Um presente de experiência que apoie um espaço artístico ganha uma estrelinha de minha parte. É uma ótima forma de ajudar um esforço muito apreciado, mas provavelmente mal remunerado.
Uma inscrição no Cinema Lexi de Londres, que não tem fins lucrativos, é um presente que também faz caridade. E vou dar a alguns amigos do sul de Londres ingressos para as Estufas Comunitárias de Brockwell – um jardim comunitário fechado no Parque Brockwell, no distrito de Lambeth.
O jardim faz um trabalho muito bom e também oferece eventos como oficinas de montagem de grinaldas, shows e jantares com alimentos cultivados no local.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Culture.
Fonte: correiobraziliense
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