No ano mais quente já registrado desde a Revolução Industrial, no século 19, a 28ª Conferência de Mudanças Climáticas das Nações Unidas (COP28) começou, nesta quinta-feira (30/11), com a missão de colocar o mundo nos trilhos, a caminho do cumprimento do Acordo de Paris. No primeiro dia do evento, que reúne 70 mil participantes de 198 países, uma decisão histórica criou o fundo de perdas e danos, que vinha sendo costurado havia cinco anos.
Agora, em Dubai, nos Emirados Árabes, os delegados aprovaram a medida, que visa compensar nações vulneráveis pelos estragos causados pelas emissões de gases de efeito estufa. Segundo as projeções, o fundo, que deve ser administrado pelo Banco Mundial, fornecerá US$ 400 bilhões anuais a partir de 2030 — esse é o valor estimado por estudos recentes das perdas provocadas, todos os anos, por catástrofes climáticas.
Até se chegar a essa cifra, os países desenvolvidos já devem começar as contribuições. Ontem, cerca de US$ 400 milhões foram anunciados: o anfitrião da COP28 se comprometeu com US$ 100 milhões, a União Europeia com US$ 245 milhões (sendo US$ 100 milhões somente da Alemanha), o Reino Unido destinou US$ 50,5 milhões, e os Estados Unidos, maior economia do mundo e principal emissor global, com US$ 17,5 milhões, uma cifra considerada ínfima por delegações de países em desenvolvimento. O Japão doará US$ 10 milhões.
Por meio do porta-voz Stéphane Dujarric, o secretário-geral da ONU, António Guterres, elogiou o anúncio. "A medida coloca em funcionamento uma ferramenta essencial para levar justiça climática às pessoas mais vulneráveis", afirmou.
"Longo caminho"
Na coletiva de imprensa de abertura da COP28, transmitida on-line, o presidente da conferência, sultão Al Jaber, afirmou que a medida "manda um sinal positivo ao mundo". O secretário-executivo de Mudanças Climáticas das Nações Unidas, Simon Stiell, classificou de histórica a mobilização que "já arrecadou quase meio bilhão de dólares" pouco tempo depois de ser anunciada. Questionado sobre os critérios dos doadores para determinar suas contribuições, ele afirmou que hoje e amanhã mais países apresentarão suas promessas e poderão detalhá-las. Porém, reconheceu que há "longo caminho" a ser percorrido nas negociações do fundo.
Uma das questões que estão em aberto é quem vai se beneficiar do dinheiro, que virá, principalmente, em forma de empréstimos mais baratos. O documento aprovado ontem determina que todos os países vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas são elegíveis, mas não há definição de vulnerabilidade, um ponto que deverá despertar discussões acaloradas.
Apesar de reconhecer que se trata de um "acordo histórico arduamente conquistado", o enviado especial de Barbados, Mia Mottley, disse a jornalistas que não se deve esperar que os U$ 400 milhões anunciados sejam recursos novos. "Como o fundo só foi aprovado hoje (ontem), não podemos esperar que (os países desenvolvidos) abram novos orçamentos. Esse dinheiro inicial virá de orçamentos já existentes." As contribuições não são obrigatórias, e países como Estados Unidos defendem que emergentes como China e Arábia Saudita também façam doações.
A COP28 termina em 12 de dezembro. Até domingo (03/12), ocorre a primeira parte das reuniões de alto nível, quando líderes mundiais discursarão — o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva deve ser o sétimo a discursar, de acordo com uma lista distribuída à imprensa. As decisões começam a ser tomadas na segunda-feira, quando governantes saem de cena para seus negociadores ocupá-la.
Nem só de boas notícias foi marcado o primeiro dia da COP28. Um relatório provisório da Organização Meteorológica Mundial (OMM) sobre o Estado do Clima Global confirma que 2023 será o ano mais quente já registrado, desde que as medições começaram, no século 19. Os dados mostram que, até o fim de outubro, o mundo esteve 1,4ºC acima dos níveis pré-industriais (1859-1900). O documento aponta que novembro de dezembro não devem tirar deste ano o título, pois as diferenças com 2020 e 2016, que bateram recordes anteriores, são significativas.
Os últimos nove anos, de 2015 a 2023, foram os mais quentes já registrados, diz a OMM, sem sinais de reversão do quadro, já que as emissões de gases de efeito estufa continuam a aumentar. O documento também reforça informações divulgadas anteriormente, como temperaturas recorde na superfície dos oceanos, aumento do nível do mar sem precedentes, menor cobertura de gelo na Antártida já registrada e impactos do clima extremo na saúde humana.
Estatísticas
“Essas são mais do que apenas estatísticas”, comentou o secretário-geral da OMM, Petteri Taalas, na coletiva de imprensa de apresentação dos dados, transmitida on-line. “Corremos o risco de perder a corrida para salvar os nossos glaciares e controlar a subida do nível do mar. Não podemos regressar ao clima do século 20, mas devemos agir agora para limitar os riscos de um clima cada vez mais inóspito neste e nos próximos séculos”, afirmou.
Os organismos das Nações Unidas insistem na necessidade de a declaração final da COP28 enfatizar a necessidade de eliminação gradativa dos combustíveis fósseis, um dos temas mais espinhosos da conferência. Os níveis de CO2, produzido especialmente pela queima de hidrocarbonetos, estão 50% mais altos que no século 19, o que faz reter calor na atmosfera.
Nem todas as partes que assinaram o Acordo de Paris, contudo, concordam com o banimento dessas fontes energéticas altamente poluentes. A Rússia, por exemplo, é contra. Já o anfitrião do evento admite a necessidade de substituição gradual dos combustíveis fósseis, mas também defende as polêmicas estratégias de captura de carbono que, por enquanto, mostram-se ineficazes, além de, ironicamente, serem tecnologias emissoras de gases de efeito estufa.
O papa Francisco pediu aos participantes da COP28 em Dubai que pensem no "bem comum" mais do que "nos interesses contingentes de algum país ou empresa", segundo uma mensagem publicada na rede social X (ex-Twitter). O pontífice de 86 anos, que sofre de bronquite, foi forçado a cancelar sua viagem à reunião de cúpula anual do clima, e a Santa Sé será representada pelo número dois do Vaticano, o cardeal Pietro Parolin. O papa argentino fez da defesa do meio ambiente um dos pilares de seu pontificado e deveria ser o primeiro chefe da Igreja Católica a participar nesta cúpula da ONU desde sua criação, em 1995.
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