23 de Novembro de 2024

COP28: horas após Brasil prometer se aliar a 'clube do petróleo', Lula cobra mundo por combustíveis fósseis


O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, discursou na sessão de líderes da conferência da ONU sobre o clima (COP28) nesta sexta-feira (1/12) e cobrou do planeta uma ação para o mundo se tornar menos dependente dos combustíveis fósseis.

A COP28 é o principal foro global para se discutir as mudanças climáticas — e cientistas dizem que o planeta está se aquecendo em um ritmo muito mais acelerado do que o previsto originalmente.

O Brasil chegou ao encontro com a ambição de se tornar um dos líderes globais no combate ao aquecimento global.

Mas horas antes do encontro, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, disse em videoreunião da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) que o Brasil pretende aderir à Opep+.

A Opep+ é um grupo de aliados da Opep original — entidade que costuma negociar cortes de produção de petróleo para forçar um aumento no preço. Cortes negociados pela Opep não são obrigatórios para países membros da Opep+.

Mas o grupo trabalha para fortalecer os interesses dos grandes produtores de petróleo mundial.

Na quinta-feira (30/11), a Opep divulgou uma nota dizendo que o ministro de Minas e Energia do Brasil, Alexandre Silveira, confirmou a intenção brasileira de aderir à Opep+ na videoconferência ministerial da entidade.

Países produtores de petróleo têm sido fortemente criticados na COP28 por não reduzirem a exploração de combustíveis fósseis – inclusive sinalizando aumento de produção nos próximos anos. Essa produção contribui para a emissão de gases que provocam mudanças climáticas.

Um dos críticos dos combustíveis fósseis foi Lula — apesar de o próprio Brasil ser um dos países que mais têm aumentado sua capacidade de exploração de petróleo nos últimos anos.

"É hora de enfrentar o debate sobre o ritmo lento da descarbonização do planeta e trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis. Temos de fazê-lo de forma urgente e justa", disse Lula no seu discurso em Dubai.

"Quantos líderes mundiais estão de fato comprometidos em salvar o planeta?"

O presidente brasileiro foi um dos primeiros líderes mundiais a discursar — logo depois do rei Charles 3º do Reino Unido.

Lula disse que os países pobres são os que mais sofrem com os problemas climáticos do planeta.

"A conta da mudança climática não é a mesma para todos. E chegou primeiro para as populações mais pobres. O 1% mais rico do planeta emite o mesmo volume de carbono que 66% da população mundial."

"No Norte do Brasil, a Amazônia amarga uma das mais trágicas secas de sua história. No Sul, tempestades e ciclones deixam um rastro inédito de destruição e morte. A ciência e a realidade nos mostram que desta vez a conta chegou antes."

Ele também disse que existe uma descrença com as negociações globais que não produzem resultados.

"O planeta já não espera para cobrar da próxima geração. O planeta está farto de acordos climáticos não cumpridos. De metas de redução de emissão de carbono negligenciadas. Do auxílio financeiro aos países pobres que não chega. De discursos eloquentes e vazios. Precisamos de atitudes concretas."

E criticou países que "lucram com a guerra" e chamou a atenção para emissões causadas por guerras.

"É preciso resgatar a crença no multilateralismo. É inexplicável que a ONU, apesar de seus esforços, se mostre incapaz de manter a paz, simplesmente porque alguns dos seus membros lucram com a guerra. É lamentável que acordos como o Protocolo de Kyoto (1997) ou os Acordos de Paris (2015) não sejam implementados."

"Somente no ano passado, o mundo gastou mais de US$ 2 trilhões e 224 milhões de dólares em armas. Quantia que poderia ser investida no combate à fome e no enfrentamento da mudança climática. Quantas toneladas de carbono são emitidas pelos mísseis que cruzam o céu e desabam sobre civis inocentes, sobretudo crianças e mulheres famintas?"

Horas antes do discurso de Lula condenando combustíveis fósseis na ONU, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, participou de uma videoconferência da Opep na qual confirmou a adesão do Brasil à carta de cooperação da Opep+ no mês que vem.

Um vídeo do encontro mostra Silveira fazendo elogios à entidade dos produtores de petróleo e destacando a importância do combustível fóssil para o Brasil.

Silveira faz elogios à Opep+ por gerar "benefícios aos países produtores de petróleo" e também aos consumidores de combustíveis fósseis.

"No Brasil, nós acompanhamos com grande entusiasmo o valoroso trabalho realizado pelos 23 países participantes do acordo da Opep+ desde a sua fundação em dezembro de 2016", diz o ministro.

"O acordo da Opep+ tem efetivamente preservado a estabilidade dos mercados de petróleo e energia. Essa estabilidade traz consigo benefícios não só a países produtores de petróleo mas também - e principalmente - aos consumidores, refletindo diretamente na economia global."

No encontro da Opep+, Silveira disse que o Brasil é líder em energias renováveis — mas também é um país de "destaque na produção de petróleo e gás" e que nos próximos cinco anos o Brasil vai investir US$ 102 bilhões em energias (renováveis e não-renováveis).

Silveira diz ainda que "o Brasil se beneficia significativamente da estabilidade dos mercados de petróleo e energia e busca principalmente a proteção do consumidor na garantia de suprimento".

Ao final, ele confirma a adesão do Brasil à carta de cooperação da Opep+ já no próximo mês.

"Eu gostaria de concluir minhas palavras informando que o excelentíssimo presidente Lula confirmou a nossa carta de cooperação da Opep+ a partir de janeiro de 2024. Este é um momento histórico para o Brasil e a indústria energética, abrindo um novo capítulo de diálogo e cooperação internacional no campo de energia."

"Esperamos nos juntar a esse distinto grupo e trabalhar com todos os 23 países nos próximos meses e anos. Eu, na qualidade de ministro Minas e Energia do Brasil, responsável por todo setor mineral e energético do país, gostaria de registrar a minha integral disposição de aprofundar políticas públicas junto a membros da Opep e Opep+."

Pouco depois ele faz uma ressalva de que protocolos governamentais exigem que técnicos do Brasil ainda analisem a carta da Opep+, e pede que a adesão oficial seja realizada em encontro presencial da Opep em 1º de junho de 2024.

O anúncio do Brasil de que pretende entrar na Opep+ gerou perplexidade entre entidades ambientais que acompanham as negociações em Dubai e os esforços brasileiros de se tornar uma liderança ambiental.

Natalie Unterstell, do Instituto Talanoa, disse que é uma contradição o Brasil tentar ser um líder nos esforços mundiais para limitar o aquecimento global a 1,5ºC e ao mesmo tempo se aproximar de produtores de petróleo.

"Como o 'paladino do 1,5 grau' pode gerenciar a liderança dentre os maiores produtores de petróleo do mundo?"

O secretário executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini, disse que o anúncio do Brasil sobre a intenção de entrar na Opep+ foi confuso, e que o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, acabou "expondo" Lula diante do mundo na COP28.

"O que o ministro de Minas e Energia falou e a forma eloquente com que ele dá certeza de que o Brasil vai entrar na Opep+ é no mínimo contraditório com o que o presidente tem falado. O presidente tem dito que vai estudar a proposta. E o ministro dá como certa a entrada", diz Astrini.

"O ministro parece querer desautorizar o presidente da República. Ele está fazendo esse anúncio no meio de uma conferência do clima, contrariando o discurso do presidente que hoje na plenária pediu uma redução do consumo de combustíveis fósseis para todo o mundo. E o ministro de Minas e Energia disse que o Brasil quer entrar na Opep para aumentar a produção brasileira", disse Astrini.

"O governo precisa decidir quem realmente está falando a verdade sobre esse tema: é o presidente ou o ministro? Na forma que o ministro fez, isso é bastante grave. A data que ele escolheu acaba expondo o presidente."

Astrini elogiou o discurso de Lula na COP28 e disse que o Brasil tem condições para ser liderança global climática, como ambiciona.

A Opep é a organização dos países exportadores de petróleo e existe desde 1960. A entidade é frequentemente acusada de ser um cartel — que negocia em conjunto cortes de produção que aumentavam os preços internacionais. Nos anos 1970, esses cortes geraram crises econômicas internacionais — que afetaram fortemente países industrializados, como os Estados Unidos.

Hoje a Opep é formada por 13 países: Argélia, Angola, Guiné Equatorial, Gabão, Irã, Iraque, Kuwait, Líbia, Nigéria, República do Congo, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Venezuela.

A entidade à qual o Brasil pode aderir se chama Opep+ e foi formada em 2016. Ela inclui 10 outros membros considerados aliados dos 13 principais, como Bahrein, Brunei, Guiné Equatorial, Sudão do Sul, Sudão e Malásia. Esses países podem concordar de forma voluntária a fazer cortes de produção — mas não são obrigados a fazê-lo.

O petróleo é um dos grandes temas da COP28 este ano — já que a conferência está sendo realizada nos Emirados Árabes Unidos, um dos grandes produtores mundiais.

Cientistas, ambientalistas e alguns governantes cobram dos produtores de petróleo um plano para a redução gradual do uso de combustíveis fósseis e substituição por fontes de energia renovável. Lula também repetiu essa cobrança em seu discurso na plenária de abertura da COP nesta sexta-feira.

No computo geral das emissões globais, grandes países produtores não aparecem como grandes poluidores, já que as emissões são contabilizadas no local onde o petróleo é queimado — e não onde ele é produzido.

Na véspera da COP28, a BBC revelou que os Emirados Árabes Unidos planejaram usar o papel como anfitrião da conferência como uma oportunidade para fechar acordos de petróleo e gás, apurou a BBC. Documentos vazados revelam planos para discutir acordos relacionados aos combustíveis fósseis com 15 nações — inclusive o Brasil.

A equipe dos Emirados Árabes não negou que planeja usar as reuniões marcadas durante a COP28 para negociações de acordos comerciais — porta-vozes do país também disseram que "as reuniões são privadas".

Fonte: correiobraziliense

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