As próximas duas semanas serão decisivas para a formatação do orçamento da União para 2024. O Congresso Nacional terá que se virar com o desafio de acomodar os números de modo a investir nas necessárias políticas públicas e manter o compromisso com a responsabilidade fiscal.
O principal debate gira em torno da meta de resultado primário — o saldo que ficará nas contas públicas, sem considerar os gastos com a administração da dívida. Embora o governo mantenha a meta de zerar esse saldo, chamado resultado primário, os relatores dos projetos que envolvem o orçamento se debatem com os seus técnicos para elaborar um parecer minimamente factível.
Dentro dessa perspectiva de deficit primário zero é que foram elaborados os projetos da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e da Lei Orçamentária Anual (LOA). Porém, as estimativas são de que esse saldo pode chegar a 1% do Produto Interno Bruto (PIB), o conjunto de tudo que é produzido no país em bens e serviços. Caso isso ocorra, o governo será obrigado a fazer contingenciamento de despesas, ou seja, sacrificar os investimentos e as políticas públicas para que se garanta um saldo suficiente para o pagamento da dívida pública.
Embora o novo regime fiscal, e mais uma coleção de regramentos, já tenha se colocado como a opção brasileira, há — no parlamento e entre especialistas — aqueles que trazem à luz a discussão sobre as despesas financeiras, que crescem sem que haja freios.
O economista Flávio Ataliba, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisador associado da Fundação Getulio Vargas (FGV), explica que a lógica adotada no Brasil estabelece "o esforço pelo lado fiscal, especialmente para manter o superavit suficientemente alto para garantir o pagamento das despesas financeiras, não só os juros, mas também o principal. Isso poderia, no médio ou no longo prazo, reduzir a trajetória da dívida em relação ao PIB, criando um ambiente favorável para os investimentos".
Ele pondera, no entanto, que, dadas as diversas carências que o país possui, tanto nas áreas sociais quanto em termos de infraestrutura, possivelmente nunca haveria um orçamento com uma despesa primária suficientemente alta para conseguir não só pagar os juros, mas reduzir o principal. "Há muitas dúvidas quanto a isso, porque o esforço fiscal seria tão gigantesco para reverter a despesa financeira, que isso acaba sendo impossível", observa, citando que o Brasil está exatamente nessa situação, "com o tamanho da despesa financeira em relação ao nosso PIB tão alto, que não tem apresentado tendências de desaceleração".
O projeto de LOA deste ano, por exemplo, mostra essa discrepância, com as despesas financeiras ultrapassando o valor previsto para gastos dos ministérios e seguridade social. Enquanto o orçamento dos ministérios e da seguridade social é de R$ 2,183 trilhões, o orçamento financeiro soma R$ 2,479 trilhões.
O economista e professor da Universidade de Brasília Cesar Bergo lembra que o gasto financeiro corresponde atualmente a 49% do orçamento. Essa despesa, neste ano, se elevou ainda mais por causa da taxa básica de juros, a Selic, que por boa parte do ano ficou em 13,75% ao ano e, agora, está em 12,25%. "Cada um por cento que a Selic cai, o país economiza cerca de R$ 40 bilhões de pagamento de juros. Muitos programas sociais poderiam ser feitos com esses R$ 40 bilhões."
No parlamento, a principal voz a questionar as despesas financeiras é o deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE), ex-secretário da Fazenda do Ceará. "Mesmo que haja superavit, não existe resultado primário que seja capaz de pagar pelo menos os juros da dívida pública. O que significa que ela vai sempre crescer", diz o parlamentar.
O parlamentar está levantando assinaturas para colocar em votação uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que imponha limites ao endividamento no Brasil, a exemplo do que já existe nos Estados Unidos. Ele argumenta que, enquanto para as despesas primárias existem cinco diferentes regramentos, as despesas financeiras seguem sem controle. "A lei orçamentária permite que o governo suplemente até o limite de 20% nas despesas primárias por decreto. No caso das despesas financeiras, o céu é o limite", diz o deputado.
Uma nota técnica produzida pela consultoria do orçamento da Câmara Federal aponta que, enquanto a LOA prevê que os gastos com juros ficarão em R$ 436,1 bilhões no ano que vem, as projeções do Banco Central são de R$ 649,1 bilhões de juros. Isso significa que o governo irá avançar em mais de R$ 200 bilhões nos gastos com juros.
"O que adianta o governo se esforçar para cumprir a meta fiscal zero? Se ultrapassar, o mundo desaba", diz o parlamentar. Ele recorda que, no orçamento de 2023, havia a previsão de gastos com juros de R$ 386 bilhões, mas o governo vai pagar R$ 700 bilhões.
Ataliba comenta que a situação no Brasil é mais dramática porque o sistema financeiro é muito caro. "O Brasil tem um sistema bancário extremamente lucrativo. Enquanto a economia brasileira passa grandes dificuldades em vários setores, o setor bancário bate recordes de desempenho", aponta, citando como exemplo os juros elevados.
O especialista também acredita na necessidade de normativos que limitem o endividamento. "Não se trata de congelar o pagamento de juros, limitar os juros ou dar calote. Isso acaba gerando incertezas na atividade econômica. Mas se existe um controle das despesas primárias, seria necessário um mecanismo para dar um limite superior para a financeira."
Bergo, por sua vez, acredita que o Brasil já fez a sua opção ao aprovar, este ano, o arcabouço fiscal. "O Brasil adotou o controle do orçamento pelo lado das receitas e despesas primárias. O importante agora é fazer com que as discussões sobre o arcabouço se encerrem no Congresso, e ele seja cumprido."
A proposta de Benevides não é nova. O ex-senador José Serra (PSDB-SP) elaborou uma PEC com o mesmo teor em 2022, mas encontrou resistência no Congresso.
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