Em mais um exemplo de tensionamento no conflito entre Venezuela e Guiana pelo território do Essequibo, rico em petróleo, os Estados Unidos anunciaram a realização de testes militares com a Guiana, manobra considerada pelo governo de Caracas como uma "provocação infeliz". "Em colaboração com a Força de Defesa da Guiana (GDF), o Comando Sul dos EUA conduzirá operações de voo com a Guiana em 7 de dezembro. Esse exercício baseia-se no envolvimento e nas operações de rotina para melhorar a parceria de segurança entre os Estados Unidos e a Guiana, e reforçar a cooperação regional", afirma uma nota divulgada pela Embaixada norte-americana em Georgetown, capital da Guiana. O texto acrescenta que os EUA manterão o compromisso como parceiros de segurança confiável da Guiana e a promoverem a cooperação regional.
O Conselho de Segurança da ONU divulgou que debaterá a crise entre os dois países sul-americanos, a portas fechadas e em caráter urgente, nesta sexta-feira (8/12). Na quinta (7), o presidente da Guiana, Irfan Aali, confirmou a morte de cinco militares guianenses na queda de um helicóptero do país em região montanhosa e de mata fechada na fronteira com a Venezuela. "Meu coração se afoga em dor pela trágica perda de alguns de nossos melhores homens uniformizados", escreveu no Instagram. Dois soldados sobreviveram à queda. O Exército da Guiana disse não ter dados para implicar Caracas na tragédia e iniciou uma investigação sobre o incidente.
"Nós atuamos com a Constituição nas mãos, feita pelos venezuelanos e venezuelanas. Não declaramos guerra a ninguém. (...) Não temos medo do Comando Sul", reagiu Diosdado Cabello, considerado o número dois do chavismo. Vladimir Padrino López, ministro da Defesa da Venezuela, condenou a decisão da Casa Branca de cooperar com a Guiana. "Esta infeliz provocação dos Estados Unidos a favor (...) da ExxonMobil na Guiana é outro passo na direção errada. Alertamos que não irão nos desviar de nossas futuras ações pela recuperação do Essequibo. Nã se enganem! Viva a Venezuela!", publicou ele na rede social X, o antigo Twitter.
Professor de história e ciência política da Universidade Simon Bolívar, em Caracas, Hernán Castillo descarta um conflito militar entre Guiana e Venezuela . "A presença militar dos norte-americanos no Mar do Caribe é de tal magnitude que atua como fator dissuasivo, ante a crise vivida pela Venezuela e a fragilidade da Guiana", observa.
O cientista político Jose Vicente Carrasquero Aumaitre, professor da Universidade Central da Venezuela, citou declarações de Cabello. "Ele sugeriu que, se houvesse um estado de guerra com a Guiana, não teríamos eleições. Cabello chegou a usar o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, como exemplo. O certo é que tudo o que estão fazendo não passa de artificialismo. Não irão a guerra nenhuma", garantiu à reportagem.
"Salvador"
Ainda segundo Aumaitre, o Palácio de Miraflores cria uma situação artificial, pautada pelo patriotismo, e trata de apresentar Maduro como se fosse o salvador da Venezuela em um confronto com o mundo. "Em todo o caso, a capacidade militar da Venezuela está muito reduzida. Essa área é uma selva, de difícil acesso. Estão usando, como base de operações, uma pequena cidade chamada Tumeremo, que está a uns 70km da fronteira."
Por sua vez, Sadio Garavini di Turno, ex-embaixador da Venezuela em Georgetown (Guiana) e em Paramaribo (Suriname), acredita que a crise com o país vizinhos seja uma manobra política interna do governo da Venezuela. "O referendo de domingo passado (sobre a anexação do Essequibo) serviu para desviar a atenção do triunfo, nas primárias, da candidata María Corina Machado. Os assessores dela foram acusados de serem traidores da pátria, porque teriam recebido salários da Exxon Mobil. É uma loucura. As acusações também atingem líderes opositores exilados no exterior, apenas para fazer crer que o alvo não é a candidata apenas", declarou ao Correio, por telefone. "Caracas quer uma desculpa para tratar de adiar ou complicar as eleições de alguma maneira." Na quarta-feira (6), o procurador-geral da Venezuela, Tarek William Saab, emitiu uma ordem de captura para 13 líderes opositores, incluindo Juan Guaidó, Leopoldo López, Julio Borges, Yon Goicochea e quatro assessores de María Corina.
O ex-embaixador vê com normalidade o envolvimento dos EUA nos exercícios militares conjuntos. "A Guiana é um país muito mais fraco, sob o ponto de vista militar. É claro, ficou aborrecida com a crise e pediu ajuda da comunidade internacional, a começar pelos Estados Unidos, que possuem um acordo de cooperação com Georgetown", comentou Garavini. O secretário de Relações Exteriores do Reino Unido, David Cameron, sublinhou que a Venezuela não tem motivos para justificar uma ação unilateral na disputa pelo Essequibo. "Não vejo absolutamente nenhum argumento para uma ação unilateral por parte da Venezuela. Tem que parar", comentou, durante entrevista coletiva com o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken.
"Maduro passa por ridículo"
"Do ponto de vista internacional, Maduro passa por ridículo. Ele nomeou um general para administrar o território do Essequibo emTumeremo, um povoado da Venezuela distante entre 70km e 80km da fronteira. Depois, ele anuncia uma secção Essequibo da petroleira PDVSA para a concessão de licenças de exploração em terra e mar do Essequibo. Como? A quem Maduro dará essas licenças?
A Venezuela não tem nenhuma condição de administrar o território e está decidindo dar nacionalidade venezuelana aos 195 mil essequibanos que vivem na economia de maior crescimento dos últimos dois anos no mundo — Guiana. Ele pedirá aos serviços de Estado venezuelano, que têm sido um desastre nos últimos 20 anos, para entrarem na Guiana. Não existem rodovias para chegar lá. Para ir a Guiana, é preciso seguir até Boa Vista e, depois, atravessar o Rio Tacutu.
O ato de Maduro também é absolutamente irresponsável, pois estamos na Corte Internacional de Justiça (CIJ), graças aos erros cometidos por esse regime. O govermo deveria ter nomeado uma comissão de especialistas nacionais e internacionais para apresentar os documentos solicitados pelo processo."
Sadio Garavini di Turno, ex-embaixador da Venezuela em Georgetown (Guiana) e em Paramaribo (Suriname)
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