Em dezembro, segundo dados do Ministério da Saúde, mais de 41 mil pessoas aguardavam por um transplante no Brasil. Do total, cerca de 92% esperavam por um rim e 2 mil precisavam de um fígado. Enquanto as filas para as cirurgias se movimentam no mundo inteiro, cientistas procuram alternativas para ajudar esses pacientes. Pesquisas recentes mostram esforços para evitar a rejeição do novo órgão, reavaliam remédios antigos e até mesmo criam tecnologias para saber quando a operação será necessária.
Um subtipo de células T CD8, conhecidas por promoverem respostas do sistema imune, regulam esse mecanismo, provocando reações autodestrutivas que conduzem a doenças autoimunes e à rejeição de órgãos transplantados. Cientistas do Brigham and Women's Hospital, em colaboração com o Instituto Dana-Farber Cancer, nos Estados Unidos, desenvolveram uma espécie de vacina em modelos pré-clínicos para promover a regulação imunológica.
Segundo o artigo, publicado, recentemente, na revista Journal of Clinical Investigation, a droga utiliza peptídeos — biomoléculas formadas pela ligação de dois ou mais aminoácidos por meio de ligações peptídicas — naturais modificados sinteticamente para estimular as células reguladoras T CD8. Usando um modelo camundongo, descobriram que esses autopeptídeos sinalizam células imunológicas prejudiciais para serem atacadas e eliminadas pelos reguladores do próprio corpo.
A vacina estimulou e promoveu as células T reguladoras, que mantiveram as estruturas prejudiciais sob controle. Elas são cruciais para manter as respostas imunológicas e prevenir a inflamação. Os cientistas notaram que o produto prolongou a sobrevivência do aloenxerto em camundongos. Também foi identificada uma via semelhante em humanos, o que implica que a criação poderia proteger pessoas com doenças autoimunes ou transplantados.
Esperança
"Nossa pesquisa identifica um caminho análogo em humanos que esperamos atingir em breve. A identificação de receptores de células T humanas homólogos ao modelo de camundongo testado pode formar a base de um tratamento novo e eficaz para distúrbios que refletem respostas imunológicas excessivas ou desreguladas", disse, em comunicado, Jamil R. Azzi, coautor do ensaio e membro do Brigham's Centro de Pesquisa em transplantes.
Geraldo Rubens Ramos de Freitas, nefrologista do transplante renal de Hospital Universitário de Brasília (HUB) e do Hospital de Base, detalha que as células reguladoras criam um ambiente "protegido", sem inflamação ou agressão. Em alguns casos, indivíduos que não atacam o órgão transplantado têm mais células reguladoras. "O que prolonga a vida útil do enxerto ou mantém o órgão funcionando com pouca, ou nenhuma imunossupressão." Conforme o médico, a ideia por trás da vacina estudada é aumentar células reguladoras específicas (CD8). "Isso visando proteger o novo órgão da rejeição. Embora já existam pesquisas nesse sentido, até o momento, os resultados práticos são limitados."
Na tentativa de combater a rejeição de órgãos transplantados, cientistas da Sinai Health e da Universidade de Toronto, no Canadá, desenvolveram uma tecnologia que poderá, no futuro, eliminar a necessidade de medicamentos imunossupressores nos pacientes que passaram por transplante.
Por intermédio da modificação genética das células do doador, os pesquisadores criaram com sucesso transplantes que persistiram por longo prazo em camundongos, sem supressão imunológica. As descobertas aumentam a esperança de que uma estratégia semelhante possa ser empregada em humanos, tornando o transplante mais seguro e acessível. "Nosso trabalho abre caminho para um fornecimento imediato de células para terapias que poderiam ser administradas com segurança a muitos pacientes", disse Andras Nagy, pesquisador sênior da Sinai Health, que liderou a pesquisa.
Em 2018, Nagy publicou um artigo sobre um "interruptor de desativação" nomeado FailSafe, que pode ser induzido por medicamentos e protege contra o câncer, eliminando células indesejadas que se alastram em transplantes. Para o estudo atual, a equipe combinou a tecnologia do interruptor com uma estratégia chamada camuflagem imunológica.
Foram selecionados oito genes-chave relacionados à função imunológica, que regulam a resposta do sistema imune a ameaças, como células estranhas. A superexpressão forçada desses genes em células-tronco embrionárias de camundongo impediu que o sistema imunológico as reconhecesse como estranhas. Essa alteração criou um "manto imunológico" ao redor das células após sua injeção sob a pele de hospedeiros geneticamente não compatíveis.
A coautora e estudante de doutorado, Kristina Vintersten-Nagy, reforça que a tecnologia poderá ajudar muitos pacientes no futuro. "O estudo demonstra o potencial combinado do FailSafe e da camuflagem imunológica para a criação de uma fonte universal de células que poderia ser aplicada a uma infinidade de doenças."
Dificuldades
Elber Rocha, nefrologista e coordenador do Programa de Transplante do Hospital Santa Lúcia, frisa que a própria imunossupressão, de certo modo, age como uma "camuflagem imunológica". Conforme o médico, modificar o órgão ou o ambiente imunológico do receptor visa evitar que o sistema imunológico ataque o novo órgão.
"A manipulação genética é uma das estratégias que os cientistas estão explorando para viabilizar o transplante entre espécies diferentes, um processo conhecido como xenotransplante. A ideia é modificar geneticamente órgãos de animais, como porcos, para torná-los mais compatíveis com o sistema imunológico humano", diz. "Uma das grandes dificuldades enfrentadas para o transplante é a disponibilidade de enxertos. Essa questão tem sido uma preocupação em todo o mundo devido à crescente demanda por transplantes e à escassez de órgãos doados."
Pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de Washington e da Mid-America Transplant, nos Estados Unidos, realizaram um ensaio que mostra que o tratamento rotineiro com hormônios da tireoide para órgãos que serão transplantados não traz benefícios significativos. Os resultados mostraram que o hormônio não aumentou a viabilidade dos corações para transplante e causa efeitos adversos.
"A preocupação de todo mundo que trabalha com transplante atualmente é o número de doadores. No último ano houve os primeiros casos em humanos de transplantes de órgãos de outra espécie. Tivemos a oportunidade de acompanhar o transplante de rim e de coração de porcos geneticamente modificados em pessoas. Outra inovação bastante utilizada e testada são as máquinas de perfusão de órgãos. Elas permitem avaliar e "tratar" os órgãos doados até serem implantados no receptor. Porém, mesmo em países desenvolvidos, o custo da perfusão ainda é muito alto. O que a torna pouco acessível à população, mesmo em países desenvolvidos. Acredito que ainda seja necessário melhorar o modo de utilização dessas máquinas."
Lucio Pacheco, chefe de transplante hepático da Rede D'Or no Rio de Janeiro
Crianças saudáveis que desenvolvem insuficiência hepática aguda podem piorar rapidamente. Quando esse pequeno paciente chega ao pronto-socorro, a equipe médica pode ter apenas um breve período para decidir se um transplante é necessário.
"O fígado tem potencial para se regenerar, ao contrário da maioria dos outros órgãos do corpo. Mas talvez você não saiba se um paciente ficará tão doente a ponto de precisar de um transplante de emergência, ou se seu fígado tem potencial para se recuperar”, disse em comunicado a cirurgiã de transplante do Hospital Infantil de Los Angeles, Juliet Emamaullee, líder do ensaio.
Os cientistas desenvolveram uma ferramenta chamada Pontuação de Insuficiência Hepática Aguda do Hospital Infantil de Los Angeles (CHALF), um aplicativo gratuito. O CHALF prevê se uma criança com a condição irá se recuperar ou deverá ser encaminhada para o transplante. O estudo foi detalhado recentemente na revista Transplantion.
Antecipar se haverá piorar é crucial, entre 10% a 15% das crianças podem morrer se esperarem muito tempo ou se ficarem doentes demais para o transplante. O modelo construído é baseado em aprendizado de máquina e foi treinado com base em testes comuns que 147 pacientes pediátricos com insuficiência hepática aguda receberam.
Eficiência
Os pesquisadores classificaram os pacientes por dados demográficos, diagnósticos e resultados laboratoriais ao longo da hospitalização e usaram métodos estatísticos para chegar aos testes clínicos e aos valores que melhor previram a probabilidade de sobreviver com o próprio fígado ou de precisar de um transplante.
A equipe então validou o modelo em um grupo de 492 pacientes semelhantes. O modelo foi capaz de prever os resultados com alta precisão, superando outras ferramentas de apoio à saúde.
Usando os resultados do CHALF, criaram um aplicativo que avalia o risco da insuficiência em uma escala de cinco a 60. Pontuação acima de 30 prediz resultados piores e deve levar ao encaminhamento urgente para transplante. Menos que 30 pontos indica a probabilidade de sobreviver com o próprio fígado.
Desde então, eles utilizaram o modelo para avaliar cinco crianças no hospital. “Todas as vezes, os resultados reais corresponderam à previsão do CHALF. Como já o validamos externamente com um grande conjunto de dados de um estudo multicêntrico, as pessoas podem começar a utilizá-lo agora”, destacaram os pesquisadores.
Para Yuri Boteon, cirurgião de Aparelho Digestivo e Transplante Hepático da Rede D’Or, ao prever com maior precisão os pacientes que poderão sobreviver com a recuperação do fígado nativo, a escala permite aos médicos optar por seguir com o tratamento medicamentoso “com maior segurança.”
No entanto, o especialista sublinha que é preciso cautela. “Destaque-se que o seguimento evolutivo desses casos demanda experiência e até que estudos definitivos confirmem a validade da ferramenta, na dúvida a melhor opção é sempre o referenciamento dos casos para um hospital com uma equipe de transplante hepático.”
Um ensaio clínico liderado por pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de Washington e da Mid-America Transplant, nos Estados Unidos, revelou que o tratamento rotineiro com hormônios da tireoide para órgãos que serão transplantados não traz benefícios significativos. O estudo, publicado no The New England Journal of Medicine, envolveu 838 doadores de órgãos, metade dos quais recebeu hormônio tireoidiano, enquanto a outra metade recebeu solução salina. Os resultados mostraram que o hormônio não aumentou a viabilidade dos corações para transplante, além de causar efeitos adversos. O ensaio destaca a necessidade de revisão nas práticas de preservação de órgãos para garantir melhores resultados para os receptores e incentiva a interrupção dessa ação.
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