Boa parte do Brasil enfrentará nos próximos dias mais uma onda de calor — o nono evento extremo do tipo no ano.
E existe uma população específica que precisa redobrar os cuidados quando a temperatura sobe além da conta: os portadores de doenças cardiovasculares, como hipertensão, diabetes, arritmias, insuficiência cardíaca, entre outras.
Ao lado de crianças pequenas e idosos, eles fazem parte de uma espécie de grupo de risco, pois estão mais vulneráveis aos impactos do calorão na saúde.
Para ter ideia do tamanho do problema, pesquisadores das universidades de Adelaide e Sydney, na Austrália, calculam que a exposição contínua a temperaturas mais altas aumenta em 11,7% o risco de mortalidade, com as doenças cardiovasculares como a principal causa de óbito nesse contexto.
Segundo os autores, o perigo é ainda maior para mulheres, indivíduos acima dos 65 anos, quem mora em regiões tropicais ou cidadãos de países menos desenvolvidos.
Mas o que o calor tem a ver com o coração? A BBC News Brasil conversou com especialistas para entender os impactos desses eventos climáticos extremos na saúde do peito — e como diminuir eventuais riscos.
O médico Marcelo Franken, diretor da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp), lembra que somos seres homeotérmicos. Isso significa que a nossa temperatura corporal se mantém constante, independentemente de quão quente ou frio está o meio externo.
"Em condições normais, nossa temperatura corporal varia entre 35,5 e 37,5 ºC", estima ele, que também é gerente de Cardiologia do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.
Para garantir esse balanço, nós temos uma série de "termostatos naturais" espalhados pelo organismo. Esses controles, mediados pelo Sistema Nervoso Central, monitoram a temperatura e lançam uma série de medidas para voltar a um equilíbrio térmico, se necessário.
Vamos focar no calor: o aumento da temperatura do ambiente influencia diretamente o nosso corpo, que também esquenta.
Para lidar com isso, o sistema nervoso lança uma série de ações emergenciais. A primeira delas é aumentar a sudorese, ou a liberação de suor através da pele. A segunda envolve relaxar e dilatar os vasos sanguíneos mais superficiais, de modo a liberar calor para o meio externo.
Essas medidas têm o objetivo de resfriar o organismo, para que ele volte àquele limiar dos 35,5 e 37,5 ºC — e elas costumam funcionar bem na maioria dos casos.
Mas há situações em que essas estratégias não são suficientes ou podem se tornar até prejudiciais. No primeiro cenário, o calor está tão alto que nem o suadouro, nem a dilatação de veias e artérias, dão conta do recado.
No segundo, a liberação de suor pelas glândulas sudoríparas é tão intensa que gera um quadro de desidratação — quando a quantidade de líquido no corpo está abaixo do necessário para que órgãos e células funcionem de forma adequada.
"Além disso, a transpiração excessiva gera perda de eletrólitos, como sódio, potássio e magnésio, que são elementos importantes para uma série de reações químicas no organismo", lembra Franken.
O relaxamento dos vasos sanguíneos também pode provocar quedas na pressão arterial, o que gera quadros de mal-estar, tontura e até desmaios. Se isso acontece em determinadas situações — quando o indivíduo está dirigindo ou operando máquinas pesadas, por exemplo — pode representar um risco de acidentes graves.
Aqui também não podemos ignorar os quadros de insolação. "Neles, o calor chegou a um tal ponto que o corpo perde a capacidade de controlar a própria temperatura. A pessoa deixa de transpirar, fica com a pele seca e vermelha e pode até sofrer convulsões ou arritmias", caracteriza o cardiologista.
Essas situações de colapso do organismo costumam ocorrer quando a temperatura corporal ultrapassa o limite de 39 ou 40 ºC e exigem atenção médica imediata.
Mas o que isso tudo tem a ver com as doenças cardiovasculares?
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O médico Carlos Rassi, coordenador do Centro de Cardiologia do Hospital Sírio-Libanês em Brasília, explica que, conforme uma pessoa perde líquidos por meio da transpiração para conter os efeitos do calor, o sangue dela fica mais viscoso.
"E isso por si só já representa um risco maior para a formação de trombos", diz ele.
Um sangue mais espesso por causa da desidratação também costuma apresentar uma tendência maior à hipercoagulação. Em outras palavras, há um maior risco de formação de coágulos, ou pequenas massas formadas por hemácias, plaquetas e outros elementos cujo objetivo principal é interromper um sangramento.
Para completar, se o indivíduo já possui lesões no endotélio — a camada que reveste a parte interna dos vasos sanguíneos — todos esses fatores juntos podem levar a um bloqueio na circulação de oxigênio e nutrientes pelo corpo.
Se essa interrupção da circulação sanguínea acomete as coronárias (as artérias que irrigam o coração), estamos diante de um infarto. Caso ocorra nos vasos do cérebro, há um acidente vascular cerebral (AVC).
Esses, aliás, são os dois eventos cujo risco mais sobe durante as ondas de calor, segundo o estudo australiano publicado em 2022 citado anteriormente, que foi publicado no periódico especializado The Lancet Planetay Health.
Rassi acrescenta outro fenômeno cardiovascular relacionado à subida dos termômetros.
"A dilatação dos vasos sanguíneos exige que o coração aumente a frequência de batimentos para manter a pressão arterial", detalha o médico.
Ou seja, o órgão tem uma demanda maior de trabalho — o que pode representar um perigo, principalmente quando já existem outras condições prejudiciais, como arritmias ou insuficiência cardíaca.
Não podemos também nos esquecer dos rins. Em casos extremos, a desidratação e a consequente falta de líquidos no corpo atrapalham o trabalho da dupla de órgãos que filtram o sangue e geram quadros de insuficiência renal.
"Falamos aqui de um somatório de fatores e eventos que, juntos, elevam o risco de infarto e outros eventos cardiovasculares", pontua Rassi.
Franken pondera que uma onda de calor pode causar problemas em qualquer indivíduo. Mas, naqueles que já possuem alguma condição que afeta o sistema cardiovascular, as repercussões costumam ser mais graves.
"Esses indivíduos têm uma situação mais instável, cujo equilíbrio é delicado, então qualquer alteração no ambiente podem ser mais graves neles", resume o cardiologista.
"Quanto mais avançada a doença, maior deve ser o nível de atenção", completa ele.
Mas, diante de eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes, o que pode ser feito para evitar consequências tão graves ao peito?
Os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil foram unânimes em afirmar que a ação mais importante para evitar problemas de saúde durante as ondas de calor é manter-se bem hidratado.
"A pessoa deve andar com sua garrafinha o tempo todo. Assim, fica mais fácil quantificar quanta água você bebeu por dia", sugere Rassi.
Esse cuidado maior com a ingestão de líquidos evita aqueles quadros de desidratação, que são um dos principais estopins de problemas de saúde mais sérios (inclusive no coração) quando a temperatura sobe.
Com isso, o sangue permanece na consistência adequada, com um risco menor de formar trombos ou coágulos.
"E nós podemos classificar como líquidos hidratantes a água, os isotônicos e a água de coco", pontua Franken.
"Para muitos, o calor é propício para consumir bebidas alcoólicas, como a cerveja, mas elas não vão ajudar. Por serem diuréticas [promovem o aumento da produção de urina] e vasodilatadoras, são até prejudiciais", complementa o médico.
Ainda no tema da hidratação, é preciso tomar um cuidado especial com crianças, idosos e portadores de necessidades especiais. Muitas vezes, integrantes desses grupos não conseguem comunicar que estão com sede e desenvolvem rapidamente quadros de desidratação.
Além disso, os mais velhos costumam sofrer disfunções nos mecanismos neurológicos responsáveis por controlar a sede.
Portanto, nesses casos, é importante ter um controle mais rígido sobre o consumo adequado de água e outros líquidos hidratantes.
Em dias de muito calor, vale sempre que possível se proteger do sol, principalmente nos horários mais quentes, próximos ao meio dia.
"A atividade física deve ser praticada idealmente antes das 10 horas da manhã ou após as 4 ou 5h da tarde", indica Rassi.
Usar roupas leves, usar chapéus e aplicar protetor solar também são outros cuidados preconizados.
"Para aplacar o calor, é importante ficar em lugares frescos e arejados. Se possível, vale tomar banhos, ir à piscina ou fazer compressas com água fria", acrescenta Franken.
"Comer alimentos frescos, como frutas e verduras, e evitar alimentos muito gordurosos e calóricos, que geram calor no corpo, também é algo importante", complementa ele.
Essas dicas, claro, valem para toda a população. Mas há uma recomendação específica para os portadores de doenças cardiovasculares, especialmente aqueles com pressão alta.
Isso porque o tratamento da hipertensão envolve muitas vezes o uso de uma classe de medicamentos chamados de diuréticos.
Como o próprio nome indica, eles aumentam a produção de urina. Num cenário de altas temperaturas, em que o corpo já perde muito líquido pela transpiração, os remédios diuréticos podem representar um fator extra para o surgimento de quadros de desidratação.
"Os diuréticos são opções muito boas para o controle da pressão arterial, mas é preciso tomar certos cuidados com eles, especialmente diante de temperaturas intensas", conta Rassi.
Que fique claro: o paciente que usa essas medicações não deve, em hipótese alguma, suspender o uso por conta própria. Nesses casos, a recomendação é procurar a avaliação de um médico, que poderá avaliar a situação e fazer um ajuste nas doses, se achar necessário.
Mais que isso, seguir à risca o tratamento para controlar as doenças crônicas, como hipertensão, colesterol alto ou diabetes, é fundamental para evitar complicações mais graves.
"Podemos reavaliar e eventualmente trocar o tratamento, principalmente nesses meses mais quentes ou para os pacientes mais velhos", conclui o cardiologista.
Fonte: correiobraziliense
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