20 de Setembro de 2024

Entre Pinochet e a ultradireita: chilenos decidem se mantêm Constituição


Em um pleito que desperta pouco entusiasmo nos eleitores, os chilenos decidem, hoje, se mantêm a Constituição redigida na ditadura de Augusto Pinochet ou se adotam uma nova Carta, ainda mais conservadora. O texto, que elimina qualquer possibilidade de aborto e endurece o tratamento contra migrantes irregulares, deve ser rejeitado por uma pequena margem, segundo os partidos governistas.

Há quatro anos, em meio a uma crise socioeconômica e inicialmente motivada pelo aumento do valor da passagem de metrô, a população tomou as ruas em protestos marcados por fortes embates com a polícia. Naquele momento, a esquerda sugeriu uma nova assembleia constituinte, de inclinação progressista, com promessas como a legalização do aborto. Em setembro de 2022, a proposta apoiada pelo presidente Gabriel Boric foi rejeitada por 62% dos eleitores.

A negativa dos chilenos abriu caminho para o ultradireitista Partido Republicano apresentar um segundo processo constitucional. Com discurso de pulso firme contra a insegurança — associada pela agremiação à migração venezuelana —, a nova proposta é mais rígida que a Constituição de Pinochet, que, ao longo do tempo, ganhou várias reformas. Entre outras medidas, o texto a ser votado aumenta a autonomia do ensino nas escolas, abre caminho para a educação domiciliar e, em vez de atribuir um orçamento geral à Educação, prevê que o Estado pague por aluno matriculado. Algumas universidades públicas se manteriam gratuitas para os mais pobres.

Além disso, fortalece as Administradoras de Fundos de Pensão (AFP) privadas, criadas na ditadura e muito criticadas pelas aposentadorias que fornecem: uma média equivalente à metade do salário mínimo (US$ 530, cerca de R$ 2,7 mil) para as mulheres a partir dos 60 anos e para os homens acima de 65. Em meio à preocupação crescente dos chilenos com a segurança, vinculada à chegada de estrangeiros, a nova proposta estabelece a expulsão no "menor tempo possível" dos migrantes irregulares.

Enquanto o texto vigente protege "a vida do que está por nascer", o projeto que vai hoje a plebiscito amplia essa proteção constitucional a "quem" está por nascer, o que, segundo seus defensores, consagra o direito à vida desde a concepção. Embora alguns constitucionalistas a considerem uma mudança "simbólica" destinada a reforçar as convicções ultraconservadoras, outros acreditam que poderia dar início a uma eventual revogação da lei de aborto em três causas (risco de morte para a mãe, inviabilidade fetal e estupro).

Embora o novo texto reconheça pela primeira vez os povos indígenas, não estabelece normas claras que garantam sua autonomia, como propunha a Constituição rejeitada em 2022, que declarava o Chile como um Estado "plurinacional". Historicamente discriminados, os povos originários representam 12% da população do país.

Apesar da atual Constituição ter passado por várias reformas que eliminaram suas normas mais autoritárias, ainda divide o país de quase 20 milhões de habitantes, com 70% nascidos depois da ditadura. No entanto, nas ruas, o plebiscito gera pouco entusiasmo.

"Há um ambiente de muita desilusão, de pouco interesse, pouca motivação, de cansaço com o tema constitucional. O eleitorado vai se mobilizar, basicamente, porque o voto é obrigatório, se fosse voluntário, teríamos uma participação baixíssima", afirma Claudia Heiss, cientista política da Universidade do Chile. No auge dos protestos populares, 80% dos chilenos queriam uma nova assembleia constituinte.

Agora, porém, os jovens, protagonistas do movimento de 2019, foram perdendo o interesse e protagonismo. "Há um desgaste. O Chile passa por eleições há mais de cinco anos, uma após a outra. Então, as pessoas estão cansadas, esgotadas com o assunto. Dizem: 'o que nos garante que isso vai mudar?'", afirma Fernanda Ulloa, estudante de Ciências Políticas e presidente da juventude do partido político Evópoli (centro direita), 24 anos.

Claudia Heiss também destaca o enfraquecimento dos estudantes. "Os movimentos estudantis não têm a força que tinham, e não estão mobilizados por esse plebiscito, pois é entre a Constituição de 1980 e uma Constituição mais à direita que a de 1980", acredita a cientista política.

Se o levante de quatro anos atrás tornou-se um clamor generalizado contra a desigualdade, entre uma discussão constitucional e outra, a sociedade mudou. O custo de vida e a insegurança passaram a ser as maiores preocupações dos chilenos. "No fim, os dois processos acabaram se afastando das necessidades reais das pessoas, mas a vontade transformadora ainda não se extinguiu", garante Catalina Lufín, 22 anos, presidente da Federação de Estudantes da Universidade do Chile.

Fonte: correiobraziliense

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