Uma hora por dia de musculação, cinco aulas de arte por semana e muito ócio. Esta é rotina de Jonathan* (nome fictício) neste fim de ano na clínica onde está internado para tratar o vício nas drogas sintéticas K2 e K9.
Por causa do tratamento, ele vai passar o Natal e o Ano Novo longe da família e dos amigos e só deve voltar para casa em fevereiro.
Em entrevista à BBC News Brasil, Jonathan, que tem em torno de 20 anos*, conta como experimentou, se viciou e foi parar pela segunda vez no centro de reabilitação onde agora convive com outros 65 homens que tentam se livrar da dependência química.
Jonathan lembra em detalhes do dia em que estava em uma roda de amigos e o conhecido de um primo dele ofereceu o que parecia ser um baseado (cigarro de maconha).
Na época, ele já tinha experimentado maconha e bebia com certa frequência. Decidiu aceitar a oferta. Ele não sabia, mas estava experimentando K2.
"Achei que fosse maconha, mas, quando eu dei dois tragos, pensei que fosse morrer", diz Jonathan, que conversou com a reportagem em uma das salas da clínica onde está internado, no Estado de São Paulo.
"Senti um tremor nos músculos, falta de ar e tive uma confusão mental muito grande. Achei que não sairia mais do lugar."
Ele diz que, em meio a essa "sensação ruim, eu senti um pouco de prazer".
Jonathan diz que, depois disso, continuou a fumar maconha e experimentou cocaína, mas não gostou. Logo, veio a vontade de fumar K2 de novo.
Hoje, ele reconhece que a vontade logo virou um vício.
Jonathan diz que cada porção de K2, vendida em cápsulas, custa R$ 5. No auge do vício, ele usava cerca de dez por dia.
Sem dinheiro para sustentar um consumo tão frequente, chegou a furtar dinheiro dos pais.
A primeira internação foi há pouco mais de um ano. Depois de uma recaída, precisou voltar para a clínica mais uma vez no mês passado.
As drogas K surgiram a partir de um experimento para tentar produzir, de maneira sintética, as substâncias terapêuticas da maconha, explicam especialistas à BBC News Brasil.
O que os cientistas produziram nesse estudo foi, na verdade, uma variação ao menos cem vezes mais potente do que a própria cannabis.
As variedades mais comuns são conhecidas como K2 e K9, mas há outras no mercado.
São drogas extremamente potentes que provocam efeitos colaterais, como agressividade, paranoia, arritmia cardíaca e até a morte.
Carlos Castiglioni, delegado da Divisão de Investigações Sobre Entorpecentes do departamento de narcóticos da Polícia Civil de São Paulo, explica que a diferença entre as drogas K está, basicamente, na forma de consumo.
"Essa droga é um líquido que, quando borrifado em folhas de plantas e chás em geral, convencionou-se chamar de K2", diz.
"Mas, quando ela é colocada em papel ou cartolina para ser digerida ou consumida de maneira sublingual, convencionamos chamar K9."
Em pouco tempo, essas drogas se tornaram uma importante questão de saúde pública no Brasil por conta de seu alto potencial de dependência. Segundo Castiglioni, que investiga as substâncias K há cerca de um ano e meio, elas são encontradas principalmente nas regiões periféricas da Grande São Paulo.
"Os policiais do Rio Grande do Sul disseram que nunca viram por lá. Na Bahia e em outros Estados também não há nenhum relato de apreensão", diz.
Jonathan conta que comprava drogas K com facilidade, próximo a uma linha férrea na cidade onde ele mora, e que usou tanto K2 quanto K9.
Para ele, a segunda versão é a mais forte delas.
"A K9 afeta o sistema nervoso mais rápido. O uso exagerado da K9 faz você ter uma confusão mental muito rápida", afirma.
Na internet, viralizaram vídeos de homens tendo convulsões e paralisias após o uso da droga. São casos de uso de K9, diz Jonathan.
"Aqueles piripaques que a gente acaba vendo na rua são mais comuns quando você usa K9."
Ele diz o efeito é quem usa muitas vezes nem se lembra do que pensou ou sentiu no auge do efeito causado pela droga.
"Quando você está tendo esse piripaque, o seu consciente está totalmente desligado", conta.
"As pessoas vão falar que você estava tendo uma convulsão, mas você não vai se lembrar. Essa droga te tira da realidade."
Ele diz que o efeito não costuma durar mais de dez minutos, o que, ao seu ver, estimula o uso contínuo.
Jonathan conta que sempre estudou em escola pública e teve uma infância "bem tranquila" financeiramente. Aos 18 anos, começou a usar drogas.
"Queria encontrar na droga uma coragem, uma vontade de enfrentar os desafios e, logicamente, não encontrei", diz.
"Ela era só uma ilusão e acabei me afundando cada vez mais."
Ele afirma que, depois de cada uso, vinha uma sensação de depressão e impotência que eram inversamente proporcionais ao bem-estar causado pela droga.
Jonathan lembra que a K2 passou a causar um grande bem-estar a cada trago. Vinha um pico de felicidade, depois caía em sono profundo.
"Quando acordava, sentia uma vontade muito grande de usar de novo. Você acorda querendo. E vai correr atrás para saciar esse desejo", conta.
Sem ganhar dinheiro suficiente para bancar o vício, Jonathan admite que chegou a fazer pequenos furtos dentro de casa.
"Nunca cheguei a roubar, mas, depois que comecei a usar K2, meus pais passaram a esconder suas carteiras", afirma.
"Porque, se deixasse moscando na mesa, eu pegava. Já cheguei até a pensar em vender (coisas da casa), mas não vendi."
Jonathan diz que também passou a pedir dinheiro emprestado para pessoas próximas, mas não conseguia pagá-las de volta.
Jonathan diz que não percebeu que já estava viciado e precisava de ajuda. Foram seus pais que decidiram que ele deveria ser internado compulsoriamente.
"Estava em casa, deitado, quando chegaram duas pessoas vestidas de branco. Meu pai falou que era para fazer alguns exames que a empresa estava pedindo", lembra.
"Na época, acreditei porque eu não estava conseguindo trabalhar. Quando entrei na ambulância, minha ficha caiu."
Ele passou cinco meses internado e saiu da clínica em maio. Pouco tempo depois, teve uma recaída.
"Fiquei limpo duas semanas. Mas já estava na minha cabeça que eu queria usar só mais uma vez", diz.
"Mas é a mesma coisa do cigarro. Não dá para usar só mais uma vez."
Depois de alguns meses, foi obrigado a voltar para a clínica. “Na segunda internação, tentei fugir duas vezes", diz.
"A primeira foi quando eu estava sendo levado de casa, mas o cara (enfermeiro) me segurou", diz.
"Quando chegou aqui na clínica, tentei fugir de novo. Mas a ambulância foi atrás de mim e fui trazido de volta para cá.”
Hoje, ele diz que a internação à força foi a melhor estratégia para sua recuperação.
"Não conseguia me suportar. Como o cara que não se suporta vai amar alguém?", diz.
"Se eu não estivesse aqui, provavelmente estaria na rua usando. Eu quero me sentir bem comigo mesmo e sair sozinho. Colocar minha melhor roupa, passar meu melhor perfume, sair sozinho e curtir minha própria companhia."
Myriam Albers, psicóloga e coordenadora terapêutica na Clínica Maia, que tem seis unidades em São Paulo para tratar pessoas com dependência química, explica que o tratamento para o vício em drogas sintéticas é divido em três fases.
A primeira é a adaptação e desintoxicação do usuário. Nesse período, um psicólogo o avalia e inicia um tratamento com medicações.
Também é estimulada a prática de atividades físicas e a participação em aulas de arte e em sessões de terapia que duram por todo o período de internação.
No início do tratamento, explica Albers, pode ser necessária uma quantidade de medicação maior para ajudar o paciente com alterações mentais e de comportamento, além de ajudar com a qualidade do sono.
As doses vão sendo ajustadas ao longo da internação, e a tendência é que sejam diminuídas gradativamente.
Após os sintomas mais importantes da abstinência, como tremores e ansiedade, serem controlados, a segunda fase é dedicada a conscientizar o paciente de seu problema e prevenir recaídas.
"Não é simplesmente internar para tirá-lo da vida social familiar. É colocá-lo em um ambiente protegido e devolvê-lo para a sociedade", diz a psicóloga.
"Se a gente não consegue fazer com que ele ressignifique esse período da vida dele usando a substância, quando ele volta ao habitual, no primeiro desequilíbrio emocional, ele vai retornar à zona de conforto, que é o uso da substância."
A clínica visitada pela reportagem tem mesa de bilhar, ping-pong, pebolim e biblioteca para que os pacientes tenham momentos de lazer.
Há ainda uma área externa com piscina e espaço de convívio com churrasqueira. Tudo para que o paciente consiga lidar com os momentos de ócio durante a desintoxicação.
Mas não são todos os dependentes químicos que têm condições de fazer esse tratamento. A mensalidade em uma clínica como essa custa entre R$ 12 mil a R$ 15 mil por mês.
A maior parte dos pacientes internados na clínica visitada pela reportagem é, no entanto, atendida por convênio médico.
Desta forma, pagam parcialmente o valor da mensalidade, ou o tratamento é coberto integralmente pelo plano.
As visitas de familiares são permitidas após a segunda semana de internação.
"A substância que a pessoa usa age diretamente no seu centro de recompensa cerebral", explica a psicóloga.
"Não tem como eliminá-la da sua vida, mas você vai tomar consciência do prejuízo dela para retomar a vida normalmente."
Pouco antes de receber alta, o paciente inicia um processo gradativo de ressocialização. Nesse momento, ele é autorizado a sair e passar quatro horas com a família.
"Quando o paciente volta, avaliamos os prós e os contras. A gente trabalha todas as situações que envolveram esse momento", diz.
"Aos poucos, eles ficam um tempo maior até chegar o momento em que ele passa um dia fora e, depois, volta para casa."
Jonathan ainda tem quase dois meses de tratamento pela frente. Ele diz o que mais quer é ter sua liberdade e sua vida social de volta.
"Quero aproveitar minha companhia e minha família", diz com um olhar perdido para o lado de fora da sala onde fala com a reportagem.
"Eu tenho um projeto de virar cabeleireiro. Tem uma garagem na minha casa e meu pai falou que posso usá-la para abrir meu salão. Só quero me tornar uma pessoa feliz sem drogas".
*O nome verdadeiro e a idade de Jonathan foram omitidos para preservar a identidade dele
Fonte: correiobraziliense
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