Localizado a 118 km de São Luís, no litoral noroeste do Maranhão, Serrano do Maranhão é o município "mais preto" do Brasil, revelam dados divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) nesta sexta-feira (22/12).
O município de pouco mais de 10 mil habitantes é um dos nove do país onde a população preta é predominante (representando 58% do total), superando o percentual de pardos (39%), brancos (2,7%), indígenas e amarelos (menos de 0,1%), segundo dados do Censo Demográfico de 2022.
Em 2010, ano do Censo anterior, apenas dois municípios brasileiros tinham predominância preta, segundo o IBGE: Antônio Cardoso (BA) e Lajeado (TO).
Em 2022, já eram nove, sendo oito deles na Bahia — Antônio Cardoso, Cachoeira, Conceição da Feira, Ouriçangas, Pedrão, Santo Amaro, São Francisco do Conde e São Gonçalo dos Campos —, além de Serrano do Maranhão.
Vale lembrar que a Bahia é o Estado brasileiro que concentra a maior parcela de quilombolas do país (29,9% do total) — nome dado aos remanescentes de quilombos, comunidades formadas por escravos fugitivos na época da escravidão no Brasil.
Em seguida, vem o Maranhão, onde vivem 20,3% dos quilombolas do país.
Muitas das cidades com predominância de população preta têm presença relevante de quilombolas e descendentes de escravizados na sua população.
Na última edição do Censo, em relação a 2010, diminuiu o número de municípios com predominância branca, de 2.552 para 2.283, uma queda de 11%.
Na direção oposta, aumentou o número de municípios com predominância parda (de 2.990 para 3.245, alta de 9%), preta (de 2 para 9, avanço de 350%) e indígena (de 21 para 33, alta de 57%).
Segundos especialistas, a mudança reflete fatores demográficos e também a valorização das identidades negra e indígena nos últimos anos.
Confira um pouco da história dos nove municípios brasileiros onde pretos são o grupo étnico-racial predominante, uma das novidades da edição 2022 do Censo.
O nome da cidade homenageia um coronel, Antônio Cardoso de Sousa (1848-1932), que, segundo a Prefeitura local, "tinha extensas propriedades, e, com isso, grande poder político e econômico".
Um neto homônimo do coronel foi o primeiro prefeito do município, criado em 1962.
Conforme a Prefeitura, a ocupação do território de Antônio Cardoso começou no final do século 17, quando padres jesuítas se estabeleceram por ali, erguendo uma capela para Santo Estevão.
Os mais antigos habitantes locais, os índios Paiaiás foram expulsos pelos portugueses, em buscava de um caminho para o transporte de ouro e pedras preciosas da Chapada Diamantina em Minas Gerais, até o Porto da Cachoeira, onde atualmente fica o município de mesmo nome.
Segundo o IBGE, dos pouco mais de 11 mil habitantes de Antônio Cardoso, a população preta representa 55% do total, superando o percentual de pardos (40%), brancos (4,9%), indígenas (0,1%) e amarelos (0,01%), segundo o Censo.
Dessa população, 3,8 mil em 2022 eram autodeclarados quilombolas, ou 33,7% do total.
Entre as comunidades quilombolas locais estão Tócos, Paus Altos, Gavião, Santo Antônio e outras.
"Aqui se juntaram escravos libertos das fazendas de fumo da região ou de fazendas de São Gonçalo, Cachoeira, cidades próximas. Eles trabalhavam como 'rendeiros', o que dava quase no mesmo que ser escravo", observou Ozéias de Almeida Santos, geógrafo e pesquisador de comunidades quilombolas, em entrevista ao jornal Correio, publicada em 2012.
Com 29,3 mil habitantes, Cachoeira (BA) tem 51,8% de população preta, 41,7% de pardos, 6,2% de brancos e menos de 1% de amarelos e indígenas, segundo o Censo 2022 do IBGE.
Dessa população, quase 7 mil são autodeclarados quilombolas, ou 24% dos moradores.
Um levantamento de 2015 do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) contou quase 30 comunidades quilombolas no município: Acutinga, Brejo do Engenho da Guaiba, Caimbongo, Caiole, Calemba, Calolé, Campinas, Caonge, Coimbofo, Dendê, Desterro, Engenho da Cruz, Engenho da Pedra, Engenho da Ponte, Engenho da Praia, Engenho da Vitória, Engenho Novo do Vale do Iguape, Guaiba, Imbiara, Kaimbongo, Kalemba, Kaonje, Mutecho, Opalma, Santiago do Iguape, São Francisco do Paraguaçu, São Tiago do Iguape, Tabuleiro da Vitória e Tombo.
A comarca de Cachoeira foi criada em 1832 e, em 1837, a vila foi elevada à categoria de cidade.
O apogeu do município foi durante os séculos 18 e 19, quando seu porto era utilizado para escoamento de grande parte da produção agrícola do Recôncavo Baiano, principalmente açúcar e fumo. No início do século 20, porém, a economia da cidade entrou em declínio.
Cachoeira foi palco do primeiro confronto entre brasileiros e portugueses na busca pela Independência do Brasil, é tombada como patrimônio pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), e palco de manifestações de resistência da cultura negra, como a Festa de Nossa Senhora da Boa Morte, organizada por uma irmandade de mulheres negras.
Conceição da Feira, também no Recôncavo Baiano, tem quase 21 mil habitantes, dos quais 50,3% se declaram pretos, 41,6% pardos, 7,9% brancos, e menos de 1%, amarelos e indígenas.
O município tem ao menos duas comunidades certificadas como remanescentes de quilombo pela Fundação Cultural Palmares: os quilombos Bete I e Gameleira.
Conceição da Feira foi criada como um desmembramento de Cachoeira, em 1926, e atualmente é o mais importante polo avícola do Estado da Bahia, sendo conhecida como a Capital do Frango.
Com 7,7 mil habitantes, Ouriçangas tem 52,8% de população preta, 42,1% de pardos, 4,9% de brancos e menos de 1% de amarelos e indígenas, segundo o Censo 2022 do IBGE.
Dessa população, 805 se autodeclaram quilombolas, ou 10,4% do total, conforme o instituto.
O nome Ouriçangas é de origem tupi-guarani e significa "fonte de água fresca".
A região foi primeiro ocupada por indígenas Paiaiás e posteriormente por colonizadores portugueses e negros escravizados, que trabalhavam nas lavouras e criação de gado.
A cidade baiana de Pedrão é ainda menor que Ouriçangas: tem 6,2 mil habitantes, dos quais 49,7% se declaram pretos, 45,3% pardos, 5% brancos, e menos de 1%, amarelos e indígenas.
Dessa população, 543 se autodeclaram quilombolas, ou 8,7% do total, conforme o instituto.
Foi desmembrado do município de Irará em 1962.
Santo Amaro, cidade onde nasceram os cantores Caetano Veloso e Maria Bethânia, tem 56 mil habitantes, sendo 50,9% de autodeclarados pretos, 43,1% de pardos, 5,8% de brancos e menos de 1% de amarelos e indígenas, segundo o Censo 2022.
Da população, 6,9 mil se declaram quilombolas, ou 12,4% do total, diz o IBGE.
A resistência negra de Santo Amaro foi imortalizada por Caetano Veloso em músicas como 13 de Maio, em que ele canta: "Dia 13 de maio, em Santo Amaro, na Praça do Mercado, os pretos celebravam (talvez hoje inda o façam) o fim da escravidão".
O município abriga comunidades quilombolas como Alto do Cruzeiro-Acupe, Barro Velho, Barro Vermelho, Caeira, Cambuta, São Braz e Subaé.
O nome do município homenageia o padroeiro da cidade e um conde de nome Fernão Rodrigues, que herdou o terreno do terceiro governador-geral do Brasil, Mem de Sá.
Com 38,7 mil habitantes, São Francisco do Conde tem 49,9% de população preta, 44,1% de pardos, 5,7% de brancos e menos de 1% de amarelos e indígenas, segundo o Censo 2022 do IBGE.
Dentro de seus limites, estão comunidades quilombolas como Ilha do Paty, Monte Recôncavo e Porto de Dom João – são 2,2 mil autodeclarados quilombolas no município, ou 5,8% da população total.
Com 39,5 mil habitantes, São Gonçalo dos Campos tem 47% de população preta, 45,5% de pardos, 7,3% de brancos e menos de 1% de amarelos e indígenas, segundo o Censo 2022 do IBGE.
Apesar do elevado percentual e população preta e parda, o município soma apenas 69 autodeclarados quilombolas (0,2% da população total), abrigando ao menos uma comunidade quilombola, de nome Bete II.
Única cidade fora da Bahia a ter predominância de autodeclarados pretos, Serrano do Maranhão tinha 10,2 mil habitantes no Censo de 2022, dos quais impressionantes 58% de pretos, 39% de pardos, 2,7% de brancos e menos de 0,1% de indígenas e amarelos, segundo o Censo 2022.
Até 1994, a região fazia parte do município de Cururupu, e era denominada Povoado Serrano, uma das vilas mais antigas do Estado do Maranhão, formado por lavradores, pescadores e quilombolas.
Em Serrano do Maranhão, 55,7% da população é quilombola, somando 5,7 mil pessoas — trata-se da quarta cidade com maior proporção de quilombolas do país, atrás apenas de Alcântara/MA (84,6%), Berilo/MG (58,4%) e Cavalcante/GO (57,1%), conforme os dados do IBGE.
O levantamento do MDS conta quase 30 comunidades remanescentes de quilombo em Serrano do Maranhão.
Em 2017, uma reportagem do site Repórter Brasil relatou como a comunidade quilombola Nazaré, em Serrano do Maranhão, rompeu apenas recentemente com o sistema de foro, uma espécie de imposto pago pelos quilombolas aos fazendeiros para poder viver nas terras e plantar.
"Antes negro deitava no chão pra fazer ponte pra branco passar por cima. Hoje não deita mais porque negro já é sabido", disse José Mário Silva Pinto, do Quilombo Nazaré, à Repórter Brasil.
Fonte: correiobraziliense
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