Escolhemos algumas das fotos mais poderosas de 2023 – incluindo uma erupção vulcânica na Islândia, a foto de Trump na polícia e o ataque russo contra uma igreja ucraniana – e comparamos elas com obras de arte icônicas.
Moradores tiram fotos em seus smartphones do estranho céu sulfúrico próximo à erupção de um vulcão na Península de Reykjanes, no sudoeste da Islândia, em 19 de dezembro.
Seus corpos reluzem como sombras contra as grossas nuvens do estranho vapor laranja que os envolve, parecendo vir de outro mundo.
A visão de silhuetas suspensas na névoa trouxe à mente uma poderosa instalação que o artista islandês-dinamarquês Olafur Eliasson criou no Turbine Hall do museu Tate Modern de Londres há duas décadas, em 2003.
Para seu célebre trabalho The Weather Project, Eliasson convidou os visitantes a experimentarem uma enorme explosão de luz artificial (gerada por 200 lâmpadas de monofrequência), enquanto se moviam como sombras através da névoa infundida com açúcar sob um teto espelhado, amplificando o efeito sobrenatural.
Uma imagem da região de formação estelar mais próxima da Terra, brilhando como uma gigantesca água-viva galáctica, foi divulgada pela Nasa em julho.
Tirada pelo Telescópio Espacial James Webb, um observatório espacial projetado para realizar astronomia infravermelha e lançado em dezembro de 2021, capturou a imagem do complexo de nuvens Rho Ophiuchi.
A criação de um impressionante sistema estelar a partir de uma deslumbrante profusão de gás e poeira traz à mente uma das pinturas pioneiras de Hilma af Klint, Caos Primordial No 7.
Foi uma das obras seminais com as quais a pioneira artista e mística sueca silenciosamente construiu um legado explosivamente abstrato e expressivo, antecipando o boom da arte não figurativa nos anos seguintes.
Várias fotos de Javier Milei, o economista libertário radical que foi eleito presidente da Argentina em novembro, fervilham intensamente.
Não é o rugido mudo da boca aberta de Milei que ensurdece nosso olhar nas imagens feitas durante sua campanha deste ano. São seus olhos.
Já ouvimos esse grito silencioso antes. Mas onde? Não bate com o grito vindo dos olhos arregalados da famosa cabeça uivante de Edvard Munch – o grito icônico do quadro O Grito é muito mais angustiante e existencial.
Nem reflete os gritos de gelar a alma da famosa série conhecida como Papas Gritando do artista irlandês Francis Bacon.
A correspondência mais próxima do timbre do rugido extraordinário que reverbera nos olhos de Milei é um autorretrato menos conhecido do mestre holandês Rembrandt, capturado de forma incomum no meio de um grito.
Esta foto da lua cheia nascendo atrás do Templo de Poseidon, perto de Atenas, na Grécia, no início de julho, é impressionante.
As colunas fragmentadas da estrutura em ruínas, dedicadas ao formidável "mestre dos mares", brilhavam em âmbar na luz da lua amplificada de uma enorme lua cheia.
A magia provocada pela fricção silenciosa do luar contra a pedra antiga despertou a imaginação do artista romântico britânico JMW Turner.
Sua pintura de 1834, O Templo de Poseidon em Sunium (Cabo Colonna), que ilustra uma cena do poema épico satírico de Lord Byron, Don Juan, é um testemunho do fascínio atemporal da cena visionária.
A visão claustrofóbica de automóveis presos em um longo e estressante engarrafamento no deserto de Black Rock, em Nevada, após o festival Burning Man no meio do ano, não combina com o espírito despreocupado do retiro de uma semana dedicado à arte e à auto-expressão.
Fortes chuvas e inundações pouco antes do encerramento do evento forçaram o fechamento de estradas que causaram o congestionamento épico.
Embora poucos dos que se viram presos na fila estática de carros devam ter pensado nisso à época, fotos tiradas de cima capturaram os participantes criando coletivamente uma enorme escultura temporária na areia que remete à famosa instalação de carros afundados no deserto conhecida como Cadillac Ranch, criada em 1974.
Uma imagem fumegante de pinheiros engolidos pelas chamas, recortados por uma tapeçaria de chamas furiosas e fumaça vermelha emoldurando a encosta da montanha próxima a um bairro residencial em West Kelowna, no Canadá, em agosto, foi assustadora.
A foto foi só uma das inúmeras capturadas neste que se consagrou como o pior ano já registrado no Canadá em termos de incêndios florestais, deixando milhões de quilômetros queimados.
Nem mesmo a imaginação infernal do pintor romântico da catástrofe, John Martin, foi capaz de captar esta intensidade na sua ilustração do momento em que anjos caídos entram no Pandemônio no poema épico Paraíso Perdido, de John Milton.
Uma foto tirada em 11 de outubro de 2023, quatro dias após o ataque esmagador do Hamas ao kibutz Be'eri, no sul de Israel, mal revela a profundidade da devastação.
A escuridão misteriosa e vazia mostrada na imagem tem um eco pálido numa pintura de Cecil Constant Philip Lawson de uma fazenda devastada pela guerra em 1915 – uma cena que o artista militar britânico testemunhou durante a Primeira Guerra Mundial.
Mas algumas desolações brutais vão além de qualquer paralelo.
A fotografia de uma mulher na Cidade de Gaza, lutando para abrir caminho entre torres irregulares de escombros após os ataques aéreos de Israel contra o Hamas em outubro, é angustiante.
Em meio ao abismo reverberante da destruição insondável, a mulher permanece serena. Contra o esquecimento, seu físico resiliente ecoa uma forma feroz forjada em 1912 pelo escultor nascido em Kiev, Alexander Archipenko – Walking Woman (Mulher Andando), uma obra que indica a habilidade de Archipenko em captar humanidade em um vazio aniquilador.
A graça e o elegância com que a mulher se porta, equilibrando uma trouxa na cabeça em seu andar estático na impressionante foto, pode parecer à primeira vista a inspiração de inúmeros afrescos e pinturas desde a antiguidade até o presente.
Mas a imagem da refugiada Rohingyan vista chegando na costa na Indonésia Ocidental em novembro não foi capturada poeticamente em sua rotina diária.
Momentos antes, ela estava entre os passageiros que precisavam desesperadamente de comida e água, amontoados em um barco de madeira superlotado que as autoridades locais permitiram desembarcar temporariamente. Ela caminha corajosamente em direção a um futuro incerto.
A fotografia de Donald Trump, tirada numa prisão de Atlanta depois de o ex-presidente dos EUA ter sido indiciado por conspirar para anular os resultados das eleições de 2020 na Geórgia, foi divulgada momentos depois de ter sido tirada, em 24 de agosto.
O olhar penetrante do retrato se espalhou pelo mundo instantaneamente, e Trump aproveitou ao máximo, com o site de sua campanha vendendo canecas, camisetas e porta latas com a foto em questão de horas.
A fotografia policial nos EUA tem uma mística própria e um fascínio cativante que Andy Warhol aproveitou há quase 60 anos em uma série de 13 retratos gigantescos que ele criou a partir da lista de indivíduos mais procurados pelo Departamento de Polícia de Nova York.
O artista pop provocativamente as colou na lateral de um pavilhão na Feira do Estado de Nova York em 1964, causando um escândalo. As imagens foram rapidamente apagadas.
"Um beijo", disse certa vez a atriz sueca Ingrid Bergman, "é um lindo truque criado pela natureza para interromper a fala quando as palavras se tornam supérfluas."
Mas se Luis Rubiales, presidente da federação espanhola de futebol, achou que suas "palavras" se "tornariam supérfluas" quando beijou nos lábios a meio de campo Jennifer Hermoso momentos depois de sua seleção ter conquistado o primeiro título da Espanha na Copa do Mundo Feminina, em 20 de agosto, ele estava redondamente enganado.
Embora Rubiales tenha negado as acusações de coerção apresentadas por Hermoso, ela insistiu nas redes sociais que as fotos dele a beijando documentavam um "ato sem qualquer consentimento".
Isso levanta a questão: quantos beijos capturados na história cultural estão no mesmo nível? Estamos olhando para Gustav Klimt e aquele aperto em sua pintura de 1907/8, O Beijo.
As fotos tiradas a partir ad Piazzale Funivia dell'Etna, Itália, no dia 1º de dezembro, da erupção do Monte Etna – incendiando o céu noturno com espumas fumegantes de rocha liquefeita e gás – são de tirar o fôlego.
O Etna é o vulcão mais alto e ativo da Europa.
Em várias imagens, o jato circular e levitante de lava luminosa, lançado alto no céu coberto de fumaça pela boca (ou respiradouro) do vulcão, remetia à pluma que ardia à distância na pintura Vesúvio em erupção, com vista para as ilhas da Baía de Nápoles, de Joseph Wright de Derby, de 1776.
Embora Wright nunca tenha testemunhado em primeira mão uma grande erupção do Vesúvio, a capacidade do seu pincel de evocar os contornos da sua incandescência é impressionante.
Participando da coroação de seu avô, o rei Charles 3º, em maio, o príncipe Louis, de 5 anos, fez o possível para se manter estimulado pelos protocolos solenes e sérios, olhando aqui e apontando ali.
E funcionou – até que não funcionou mais. A foto do menino, quarto na linha de sucessão ao trono, soltando um bocejo de tédio real tão grande que poderia ter engolido o reino, foi, na verdade, uma lufada de ar fresco.
A honestidade não ensaiada do ato, sua impulsividade irrepreensível, foi contagiante e encantadora.
Em meio à pompa meticulosa da cerimônia, onde cada sílaba pronunciada e cada gesto feito foram meticulosamente coreografados, o bocejo despretensioso e sem remorso do Príncipe Louis proporcionou um momento de leve alívio.
Como vagar por um museu de retratos infinitamente bem comportados e de repente tropeçar em um dos espirituosos autorretratos do nobre francês do século 18, Joseph Ducreux, ora apontando para você, ora rindo, ora soltando um grande bocejo.
Algumas fotos nos abalam. Outras são inabaláveis.
Veja a foto dos fiéis removendo os escombros do interior da histórica Catedral da Santa Transfiguração, no centro de Odessa, na Ucrânia, após um ataque com mísseis russos contra a estrutura sagrada em julho.
Embora a explosão já tivesse acontecido, a imagem estática, com suas colunas oscilantes e um balanço incessante, documenta o trauma e a tragédia como se eles estivessem ainda se desenrolando.
Ao mesmo tempo, a foto parece exalar uma calma misteriosa, como se o espaço destruído fosse totalmente inviolável.
Na década de 1630, um pintor barroco francês chamado François de Nomé capturou estranhamente algo do mesmo efeito comovente em sua pintura curiosamente cinética Uma Explosão em uma Igreja (recentemente renomeada como Rei Asa de Judá Destruindo os Ídolos).
A capacidade da obra de suspender em equilíbrio a demolição violenta da estrutura atingida e uma aparência de sua inexpugnável serenidade parece recortada da mesma tela imperturbável da foto recente de Odessa.
Sobre as sombras eles nunca se enganaram, os Velhos Mestres.
Se o pintor italiano do século 16, Caravaggio, estivesse vivo hoje, talvez tivesse achado intrigante a conspiração da escuridão e da luz em uma fotografia tirada no plenário da Câmara dos Representantes dos EUA em janeiro.
Aqui, a polêmica congressista republicana e aliada do ex-presidente Trump, Marjorie Taylor Greene, tenta persuadir um colega, Matt Rosendale, de Montana, a falar com Trump, que ela mantém em espera em seu smartphone.
O brilho do aparelho, o braço estendido de Greene, a mão levantada de Rodendale em recusa e os vincos de tecido escuro que emolduram a cena ecoam os contornos e contrastes das telas chiaroscuro ("claro-escuro") do próprio Caravaggio.
Uma arma descartada, enferrujada e obsoleta é trazida à luz pelo recuo do nível da água no reservatório de Woodhead, no norte da Inglaterra.
O leito seco do reservatório, rachado e sedento, enquadra de forma convincente a arma esquecida, como se fosse uma obra de arte pronta, eternamente exposta numa exposição dedicada à letalidade da crise climática.
Em 2016, uma arma igualmente deteriorada, descoberta no campo onde Vincent van Gogh sofreu o ferimento à bala que o matou, foi exposta no Museu Van Gogh, em Amsterdã, em uma exposição dedicada à saúde mental do artista – as secas e tempestades psicológicas, incêndios e inundações que perturbaram sua alma agitada.
Imagens de robôs gesticulando fluentemente e fazendo expressões humanas convincentes na Conferência Mundial de Robôs anual no Centro Internacional de Exposições e Convenções Etrong de Pequim, no meio do ano, foram verdadeiramente surpreendentes.
A visão estranha de robôs femininos parecendo imitar os movimentos de um "mestre" robô masculino, vestido de vermelho, mostra o quão profundamente programados são os papéis de gênero, mesmo quando o gênero em si é técnica e tecnologicamente sem sentido.
Um afresco do pintor dinamarquês da Idade de Ouro do século 19, Constantin Hansen, que retrata uma figura de barro moldada pelo deus grego do fogo, Prometeu, permanecendo inerte até que a divindade vestida de vermelho Atena lhe conceda vida, oferece um contraste intrigante.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Culture
Fonte: correiobraziliense
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