O ano começou mal para o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, que encarou uma severa derrota na Suprema Corte do país, ontem, em plena guerra contra o Hamas na Faixa de Gaza. Por oito votos a sete, os juízes derrubaram um dispositivo-chave da polêmica reforma judicial, que levou milhões de israelenses às ruas para protestar e que foi impulsionada nos primeiros dias de 2023, logo que o premiê retornou ao poder para seu sexto mandato.
A medida invalidada tinha como objetivo privar o Poder Judiciário do direito de decidir sobre a "razoabilidade" das decisões do governo ou do Knesset, o Parlamento de Israel. O tribunal estabeleceu que tem a autoridade de invalidar uma lei fundamental "nos raros e excepcionais casos em que o Parlamento excede a sua autoridade".
Israel não tem uma Constituição, nem o equivalente a uma Câmara Alta do Parlamento, e a doutrina da "razoabilidade" tem sido utilizada precisamente para que os juízes possam determinar se um governo excede as suas prerrogativas.
A decisão foi criticada pelo gabinete de Netanyahu e também pelo partido dele, o Likud. O ministro da Justiça, Yariv Levin, acusou o tribunal de pretender assumir todos os papeis, em desprezo ao Executivo e ao Legislativo. "Os juízes tomam para si todos os poderes, que em um sistema democrático são distribuídos de forma equilibrada entre os Três Poderes", escreveu Levin, artífice da reforma, no Telegram.
Considerado o número dois do governo nacionalista de Netanyahu, Yariv Levin condenou ainda o momento da decisão, tomada em meio ao conflito com o Hamas, "o que atenta contra a unidade necessária nesses dias para o êxito de nossos combatentes no front".
O Likud também considerou o momento inoportuno. "Lamentável que a Suprema Corte tenha decidido publicar seu veredicto sobre um debate social em Israel no momento em que soldados de direita e esquerda estão em combate e arriscando suas vidas em Gaza", externou a legenda de Netanyahu.
Por sua vez, líder da oposição e ex-primeiro-ministro, Yair Lapid, celebrou a manifestação da instância máxima do Judiciário. Para ele, a corte cumpriu "fielmente a sua função de proteger os cidadãos de Israel". "A decisão põe fim a um difícil ano de conflitos que nos rasgaram por dentro e causaram a pior catástrofe da nossa história", postou Lapid na rede social X, referindo-se ao ataque de 7 de outubro.
Apresentada em 4 de janeiro passado, seis dias após a posse de Netanyahu para seu sexto mandato, a reforma judicial desencadeou um amplo movimento de protesto interno e despertou a preocupação da comunidade internacional, inclusive em aliados de Israel. Desde quando foi formalizada, em 4 de janeiro passado, dezenas de milhares de pessoas passaram a se mobilizar quase todos os sábados em muitas cidades do país, incluindo Tel Aviv.
Segundo o governo de coalizão — que reúne partidos de direita, extrema direita e religiosos ultraortodoxos —, a reforma busca corrigir um suposto desequilíbrio ao reforçar o poder dos parlamentares sobre o dos magistrados.
Não é o que pensam os adversários do governo, considerado o mais à direita da história de Israel. Eles lembram que Netanyahu é réu por corrupção e está empenhado na reforma para proveito próprio. O interesse real seria para suavizar uma eventual condenação, o que o premiê nega.
Três meses após o início da guerra deflagrada contra o movimento islamista Hamas, desencadeada por um ataque lançado pelos extremistas palestinos, Israel decidiu retirar parte das tropas mobilizadas na Faixa de Gaza. Vista por analistas como um grande recuo, a nova fase do conflito tem como objetivo, segundo as forças israelenses, preparar os militares para “combates prolongados”.
“O Exército deve se planejar com antecedência, pois seremos solicitados a realizar tarefas e combates adicionais ao longo deste ano”, declarou o portavoz, Daniel Hagari. Em discurso às vésperas da virada do ano, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu — que vem sendo pressionado até por aliados a atenuar a ferocidade dos ataques a Gaza — afirmou que a guerra vai durar ainda “vários meses”.
Hagari admitiu que, além dos preparativos de uma nova etapa da operação em Gaza, a volta de reservistas à vida civil também é motivada pelo anseio de incrementar a economia de Israel, severamente prejudicada pela guerra. “É claro para nós que o impacto adverso é substancial”, disse Amir Yaron, governador do Banco de Israel, numa conferência de imprensa. “Os custos de defesa e civis da guerra totalizam cerca de 210 bilhões de shekels (em torno de R$ 284,2 bilhões).
Segundo informações do Hamas, ontem, o primeiro dia de 2024, o número de mortos nos ataques israelitas atingiu 21.978 pessoas, a maioria mulheres e crianças, com 57.697 feridos. Estima-se que milhares estejam soterrados sob os escombros de prédios bombardeados.
Na véspera de ano-novo, um correspondente da agência France Presse relatou disparos de artilharia e ataques aéreos nas cidades de Rafah e Khan Yunis, no sul de Gaza. Pelo menos 24 pessoas foram mortas nessas ofensivas, de acordo com o Ministério da Saúde do Hamas, que também comunicou que 15 corpos de uma mesma família foram retirados sob ruínas de uma casa em Jabaliya, norte do enclave palestino. “Todo dia é como o anterior: bombardeios, morte e massacres”, lamentou Sami Hamouda, um homem de 64 anos.
Em Israel, sirenes de ataque aéreo soaram ontem. Jornalistas da AFP em Tel Aviv testemunharam sistemas de defesa israelenses interceptando foguetes no céu. As Brigadas Ezzedin al Qassam, braço armado do Hamas, assumiram a responsabilidade pela ofensiva com foguetes M90, realizado em “resposta ao massacre de civis”. O Exército israelense confirmou a ação sem relatar quaisquer vítimas ou danos.
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